Liderança na administração pública

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Ser líder na Administração Pública (AP) deve ser dos maiores desafios que existem. Um líder tem 5 funções fundamentais que apresentei no livro “P. O. L. C. I. – O abecedário da liderança”, sendo que na AP estão coartados na maioria delas.

Um líder do século XXI deve “Planear”, “Organizar”, “Liderar”, “Controlar” e “Integrar”. E o propósito que deve estar subjacente a estas funções é uma estratégia de qualidade do serviço público, da interação “T.A.R.A” com os cidadãos e a comunidade. Ou seja de “Trustability” (deve inspirar confiança e ser confiável); “Accountability” ( não basta cada funcionário público ser responsável mas tem de ter a causa pública e o espírito de serviço á sociedade imbuído na sua missão); “Respect” ( ou seja deve ser respeitável e inspirar respeito através do exemplo e profissionalismo); finalmente “respect Ability” ( ou seja respeitar as competências e necessidades dos outros, nomeadamente dos cidadãos).
Quanto a Planear, significa que o líder dever ter autonomia e “accountability” para planear os recursos humanos e financeiros que necessita para a prossecução da estratégia e implantação dos objetivos. Mas aqui nasce a primeira limitação: qual estratégia e quais objetivos? Vou dar um exemplo com a gestão da pandemia covid: os objetivos foram a “identificação e redução do número de transmissões, a redução do número de eventos hospitalares graves (que “entupissem” os serviços de saúde) e obviamente a proteção dos grupos de risco e diminuição das mortes”. Esta estratégia foi potenciada com a descoberta das vacinas, o que implicou de imediato uma adaptação estratégica com a criação de postos de vacinação que protegessem a população o mais rápido possível. Mas esqueceram um ponto fundamental na estratégia: os serviços de saúde não se poderiam tornar monolíticos na gestão deste vírus e tinham de continuar a diagnosticar e tratar os cidadãos e doentes das outras patologias. Portanto não foram criadas estratégias de gestão das outras doenças, nem sequer parcerias com outras instituições do sistema nacional de saúde, ainda acrescido pelo facto dos médicos de medicina geral e familiar terem sido destacados para acompanhar doentes Covid; pelo que tudo ficou assente no SNS. Portanto não havia estratégia e objectivos, mas apenas tática e gestão de indicadores. Não havia um bom “Planeamento” e “Organização” (alocação dos recursos nas regiões e áreas operacionais onde maximizam a efictividade) que permite eficiência e não apenas eficácia. Mas os dirigentes da AP nem podem decidir o planeamento e nem a organização. Se um profissional do seu serviço se reforma, para ser substituído tem de ser autorizado pelo ministro da tutela e julgo que das finanças, pasme-se. Ou se um professor está doente e coloca baixas mensais, não pode ser substituído definitivamente até ao seu regresso. Portanto 50% das funções (Planear e Organizar) de um líder da AP não são lideradas por ele mas apenas geridas.
Passamos à liderança, ou seja a capacidade de “levar os outros de forma livre, motivada e consistente a afazer o que o líder – e a organização – pretende atingir”. Mas como fazê-lo se os salários são baixos e iguais para todos; as carreiras são iguais, automáticas, muitas vezes congeladas e não meritocráticas, com avaliações que são tudo menos exigentes? Como queremos motivar colaboradores da AP se não existem mecanismos na função pública que o permitam, a não ser a “palmadinha nas costas” ou o sentido de missão? Ou pior, quando todos têm consciência que as lideranças foram nomeadas por interesses políticos e não mérito. Talvez a AP devesse começar a utilizar “headhunters” para o recrutamento dos líderes. Mas como estes são “mal pagos”, em linha com a restante AP, será difícil fazê-lo. Assim torna-se difícil ser um exemplo “walk the talk”.
A outra função, “Controlar” talvez seja o mais fácil de implementar, mas a regras e os sindicatos não facilitam esta função que apenas deve ocupar 10% do tempo dos líderes. Os sindicatos devem ter os mesmos interesses que os patrões, neste caso a AP. Devem ter motivação para que que funcionem com sucesso, sejam eficientes, gerem lucro e o partilhem pelos colaboradores (no caso dos privados e públicos), cumpram a sua missão e defendam a meritocracia participando na gestão de forma colaborativa. Não podem apenas “andar aos berros por melhores salários” que são sempre baixos salários. Devem defender a formação dos colaboradores, meritocracia, remuneração de acordo com o desempenho, eficiência e resultados positivos. Mas também a saída dos piores que apenas se aproveitam de um sistema que os beneficia. Impedindo serem substituídos por bons e melhores colaboradores. Assim poderiam exigir melhores condições para quem merece, remunerar e premiar o mérito, esforço, dedicação e profissionalismo. Mas também sabemos que assim perderiam a maioria dos seus sindicalizados, pelo que o melhor para os sindicatos, será sempre “acabar com os ricos e não com os pobres”.
Finalmente “Integrar”. Como garantir equidade, foco, propósito, trabalho em equipa, auto-motivação, resiliência, se o líder não gere todo o sistema mas apenas parte dele. Os reports funcionais são distintos dentro dos mesmos serviços, as categorias são voláteis, a digitalização não existe, as gerações não são integradas, os objetivos e processos são diferentes dentro do mesmo sector?
Portanto como conquistar a confiança, “accountability” e o respeito, se um líder não lidera? Gere e aplica objectivos!
Por isso refiro que deve ser dos maiores desafios de liderança, ser um líder da AP. Criar causas, propósitos e motivos para que os colaboradores profissionais continuem a produzir resultados, ao lado de indivíduos que não merecem o baixo salário que recebem e nem sequer o lugar que ocupam. Sem autonomia e com tarefas delegadas, mas sem a responsabilidade de tomar decisões, apenas executar as tarefas e atingir os indicadores, dentro da teia da legalidade que premeia o processo sem reconhecer o resultado. Para além de ser legislação mal construída num intrincado de normas e despachos que promovem a burocracia e procrastina decisões. A atividade da AP deve visar a obtenção do melhor resultado possível para os cidadãos e para a sociedade, a otimização dos recursos do estado e a produtividade dos serviços, reduzindo-se os custos operacionais. Portanto apenas com a mudança de paradigma e liderança transformacional se conseguirá equiparar a gestão pública à liderança operacional com o mérito da moralidade, legalidade, transparência e impessoalidade que esta liderança na AP já contém nos seus princípios.
Ou seja não temos P.O.L.C.I. na AP, uma cultura de inovação e melhoria contínua dos processos a fim de ultrapassar as burocracias administrativas típicas e focar na satisfação das necessidades do cidadão com eficiência, efectividade, legalidade e excelência.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 201 de Dezembro de 2022