Civismo como “elevador económico e social”

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Uma cultura de preservação do “we” em equilíbrio com a individualidade do “me”, cada vez mais regulador das práticas atuais. O civismo visa o bem-estar coletivo, o interesse público e segue um conjunto de usos e costumes de dimensão ética e normativa resultado de consensos coletivos. O cidadão não perde a sua individualidade nas relações que estabelece, mas respeita as memórias e heranças sociais. Sob risco de a sociedade perder a identidade cultural que criou durante um longo período de tempo. As suas origens têm o seu antepassado na “polis” e nos equilíbrios que o conceito de cidade proporcionava.

Não sou sociólogo, mas um mero curioso do estudo comportamental. Por isso consigo olhar de fora despreocupada para os comportamentos individuais ou de grupo. Logo o civismo é para mim um comportamento fundamental, que significa respeitar os direitos dos outros e cuidar do bem público e do meio ambiente. Se todos os membros da sociedade agissem com civismo resolveriam as suas diferenças com diálogo e saudável convivência. O civismo é parte da nossa educação, do conhecimento sobre o conjunto de regras escritas ou não, para uma saudável partilha em comunidade.

Incomodar os vizinhos com barulho às 2h da manhã, não colocar o lixo no local adequado, estacionar a viatura num local de acesso para deficientes, insultar os outros, desrespeitar a diversidade, prejudicar o meio ambiente, fugir aos impostos, danificar a propriedade ou agredir os outros com tinta e partir vidros de loja (mesmo na defesa do meio ambiente) é incorreto… Muitos destes comportamentos não são apenas ilegais, criminosos mas demonstram uma falta de civismo enorme, que prejudica de forma grave o respeito mútuo, o respeito ao outro.

Esta codificação dual, entre o certo e o errado, releva a violação das normas civis, nomeadamente aquelas mais básicas. Em suma um coletivo de cidadãos que tem como objetivo o bem comum dos seus membros. Por isso entendo que qualquer político, agente de segurança, militar ou agente da justiça, tem de ter uma consciência cívica apurada assente num espírito de serviço público. Não são os únicos (qualquer cidadão deve ter), mas estas áreas sensíveis, devem ter como se de um espírito de missão se tratasse.

O tema é muito atual, em que vivemos numa sociedade de “individualismo” (“me”), pouco preocupada com o civismo social (“we”). Estimulado pela desagregação da família e da educação como referências sociais ou pela crença de que as minorias podem condicionar o comportamento das maiorias. Não podem, devem respeitar-se, mas nunca se condicionar! Mesmo que seja politicamente correto. Por exemplo, falar de “extrema-direita” (com a qual não me identifico) sem falar de “extrema esquerda” (ideologias que defendem a saída da EU, da Nato ou a nacionalização da propriedade privada) é politicamente correto mas profundamente desequilibrado do ponto de vista social e cívico. Para além de desrespeitador do voto dos Portugueses. A abstenção nas eleições é do ponto de vista cívico, totalmente imoral pois votar é um direito, mas também um dever da democracia. Até porque se não concordar com as ideias dos candidatos, posso sempre mostrar o meu desagrado com o voto em branco. Falta de civismo é aprovar um orçamento de estado prevendo de imediato cativar grande parte da despesa que está prevista por questões de “propaganda política” para mentir aos cidadãos. Falsas baixas por doença, para além de ilegais são uma falta de civismo gigantesca que prejudica substancialmente a vida em sociedade. Maltratar animais é outro exemplo grave duma imoralidade cívica profunda. Insultar ou agredir um professor (mesmo sabendo que nada de grave vai acontecer ao aluno menor) é grave e não há justificação possível exceto a legítima defesa. Disseminar “fake news” nas redes sociais é outro exemplo de fala de civismo e manipulação grave. Empresários que fecham empresas por insolvência e abrem “outras no da seguinte na mesma rua” são incivilizados e criminosos. E são muitas as situações de falta de civismo. A cidadania é um pressuposto fundamental de uma sociedade democrática, participada e livre. E começa em casa, na educação dos progenitores. A escola acrescenta, mas não é o elemento responsável crucial. A família sim. A comunidade escolar pode ajudar a superar o processo de crescimento de aquisição de conhecimentos das crianças e jovens das insuficiências familiares e comunitárias. Todos temos de conhecer os nossos direitos e os nosso deveres. Não se pode é esperar que seja apenas a escola a ensinar a discriminar as incivilidades da vivência em comunidade, da criminalidade e da lesão do interesse comum. A ética, civismo e compromisso individual com a comunidade aprende-se em “casa”, no “grupo” onde estamos inseridos”, com os meios de comunicação social, com os influenciadores… E também na escola!

Os portugueses são considerados um dos povos mais desconfiados da Europa Ocidental. De acordo com um estudo da OCDE (de 2007), que mediu a amplitude da desconfiança e falta de civismo em diferentes países, os portugueses ocupam a 25ª posição entre 26 países. Essa ausência de confiança generalizada nos outros e nas instituições tem impactos na economia e na sociedade em geral. Talvez pela falta de civismo, pois há uma preocupação com a formação cívica deficiente em muitos cidadãos adultos. Comportamentos em comunidade e a transmissão de ética, civismo e espírito comunitário aos mais jovens são áreas que precisam de atenção. É importante reconhecer esses desafios e trabalhar para promover uma sociedade mais confiante e cívica. A falta de um senso de responsabilidade coletiva, a má qualidade dos políticos, o “chico espertismo”, entre outros, pode levar a comportamentos individualistas e à falta de civismo. A confiança nas pessoas e nas instituições é fundamental para o desenvolvimento, a coesão social, o crescimento económico e o desenvolvimento do País.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 217 de Abril de 2024

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