Ainda vou a tempo?
O tempo. O tempo muda e transforma, altera conceitos e cria novos (pre)conceitos. Uberização regulada.
Por José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal
1 de Novembro marca a entrada em vigor da nova lei da Uber. Uma história que ficou marcada por uma chegada silenciosa, brindada por tristes episódios de falta de civismo aos quais depois se seguiram momentos de calma aparente sob a promessa da regulação. O impacto das novas plataformas de transporte (Uber, My Táxi, Cabify, Chauffer Privé…) levou a um braço de ferro que ocupou as faixas das principais cidades do País, resultando em cedências e num acordo que procura equilibrar a concorrência.
A uberização do mercado foi assim legislada, dividindo-se responsabilidades entre motoristas, empresas prestadoras de serviços, os donos das plataformas e novas garantias de acessibilidade e de não discriminação foram dadas aos passageiros. Muitos defendem que se burocratizou o acesso, não aceitando a disrupção. Será a lei inimiga da inovação?
A utopia da ordem gerada pela satisfação da necessidade e da excelência do serviço não é mais do que uma utopia. Motoristas sem vínculos laborais, sem garantias dos seus direitos e deveres e tributação apenas aos tradicionais táxis levantam algumas questões quanto à justiça e equidade destas plataformas. Da mesma forma, o potencial de discriminação de acesso (que também existe nos táxis) tem de ser penalizado. A nova lei é clara, afirmando a “igualdade de acesso aos serviços de TVDE [transporte em veículo descaracterizado], não podendo os mesmos ser recusados pelo prestador em razão, nomeadamente, da ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, origem ou condição social, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”. Esperar que o mercado da oferta e da procura se equilibre sozinho é acreditar numa anarquia, em que as liberdades se auto-limitam e coexistem pacificamente. A regulação excessiva é prejudicial para o progresso e a transformação, mas não deve ser vista como inimiga ou inconciliável com a disrupção.
Os novos serviços, as novas plataformas, não podem beneficiar da lacuna da lei criando uma vida paralela. O sentido de oportunidade de exercer um trabalho pontual deve ser acessível a todos mas regulado e considerado como uma nova forma de trabalho.
O crescimento de funções liberais, da comunidade de freelancers e de cada vez mais se poder trabalhar para qualquer empresa, de qualquer lugar, não pode criar a ausência de regulação para estes novos modelos face a uma legislação laboral que enquadra as tipologias de contrato com um “mundo” de direitos e deveres.
Esta disparidade implica desequilíbrios sociais, ao construir uma economia paralela, que não é diferente ao que vimos acontecer no passado com a ausência de declarações à segurança social ou a falta de garantias das condições de trabalho. A liberalização do acesso ao trabalho não implica nem pode implicar a desresponsabilização sobre a dignidade do mesmo, e as garantias do trabalhador. Mais do que a Constituição não o permitir, a humanidade tem de o impedir, sob pena de novas formas de escravatura surgirem ou de estarmos a criar uma nova sociedade, paralela e mais individualista, focada apenas no umbigo e que não se preocupa com o todo, com a sua sustentabilidade.
DE UM EXTREMO AO OUTRO
Imaginar que um país seja palco de mais mortes do que se estivesse em guerra civil parece impossível, mas não é. O Brasil tem passado anos difíceis da sua história, rodeado de notícias de corrupção e violência, levando a questionar o próprio valor da vida e se a palavra ética simplesmente abandonou terras de Vera Cruz. A falta de esperança, o fim da confiança, o desespero e a necessidade de mudança estão na base dos resultados das últimas eleições.
Jair Bolsonaro iniciou a sua carreira de deputado federal em 1991 e durante anos foi conhecido pelo extremismo das suas declarações, considerado por muitos (ainda hoje) como racista, xenófobo e homofóbico. Um homem político que parecia estar condenado a ser para sempre oposição. Mas nestas eleições ganhou, com as mensagens de sempre apenas recorrendo a palavras mais consensuais num dos seus três discursos de vitória, onde falou de democracia e constituição.
De um PT originariamente nascido do povo, o Brasil passa agora para o outro extremo. O que mudou? O tempo. O tempo passou e nada mudou. O tempo repetiu as dúvidas do passado quando Dilma e Lula parecem ter a mesma idoneidade. E nas ruas tudo continuou igual ou pior. Morre-se por estar no sítio errado a qualquer hora. Não é preciso ter muito dinheiro, basta algo para ser um alvo e o real continua a descer. Os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. E nem todo o potencial natural, de combustíveis, indústria ou turismo parecem salvar um país que trava a maior guerra de valores de sempre.
Não mudar, não transformar, aceitar a mediocridade deixando que ela integre a cultura é matar o progresso. Perder os valores, deixá-los adormecidos é morrer aos poucos. Esta é também a realidade das empresas, que resistem ao processo de transformação. Um desafio que não está na decisão, mas em garantir o mindset das pessoas da organização. Liderar essa transformação garantindo que os promotores são mais do que os detractores. Compreender os que ficam no meio, nos que se deixam ir mas sem certezas, sem engagement. Porque cada vez que deixamos que o tempo sozinho faça tudo, corremos o risco de um extremo passar para o outro, dos nossos promotores serem detractores, cansados da espera.
O TEMPO
O tempo é decisivo para os comportamentos. Cada frame conta e não se repete, por isso é importante não o ignorar. Tirar o melhor partido, reconhecendo que não se esgota no próximo segundo, mas que temos a responsabilidade de o fazer continuar. Uma responsabilidade que deve ser guiada pela ética e pela sustentabilidade das nossas decisões. O tempo que nunca volta para trás, ensina-nos a viver hoje e a olhar para o futuro.
Este artigo foi publicado na edição de Novembro de 2018 da Executive Digest.