O Nobel e a revolução da credibilidade em Economia

Por Joana Pais, Professora do ISEG, Universidade de Lisboa, e coordenadora do XLAB-Behavioural Research Lab

Nas ciências naturais e na medicina os investigadores procuram estabelecer relações de causa e efeito conduzindo experiências de campo, os chamados estudos randomizados controlados,. Os participantes são divididos em dois grupos de forma aleatória, para que sejam tão semelhantes quanto possível, o grupo de intervenção recebe o tratamento que se quer testar e o grupo de controlo recebe um placebo. Assim foram testadas recentemente as vacinas contra a COVID-19.

As experiências de campo também são usadas na economia e justificaram o Nobel de 2019 atribuído a Esther Duflo e Abhijit Banerjee (ambos MIT) e Michael Kremer (agora Universidade de Chicago, Illinois). Mas muitas vezes não é possível, ou não é ético, conduzir experiências de campo. Por exemplo, não seria apropriado aumentar o salário de um grupo de trabalhadores aleatoriamente definido com o simples objetivo de avaliar o impacto sobre a produtividade. No entanto, existem situações que dividem as pessoas em grupos de tratamento e de controlo naturalmente, sem a intervenção de investigadores. O Nobel deste ano, atribuído a David Card (Berkeley), Joshua D. Angrist (MIT) e Guido Imbens (Stanford), veio premiar a análise destes eventos disruptivos para tentar aprender sobre a economia e a sociedade.

Um dos trabalhos de Card, com Alan Krueger (que infelizmente faleceu antes de poder partilhar o Nobel deste ano), é famoso pela descoberta paradoxal de que o aumento do salário mínimo no estado de Nova Jersey em 1992 não diminuiu o emprego em restaurantes de fast food. Os economistas usaram como grupo de controlo os trabalhadores do estado vizinho da Pensilvânia, que não apresentavam grandes diferenças relativamente aos trabalhadores do estado vizinho de Nova Jersey, à exceção de não terem sofrido alteração no salário mínimo. O facto de um aumento salarial não provocar uma redução no emprego desafia a teoria básica da procura e oferta de trabalho em mercados competitivos. Mas a importância da contribuição residiu não tanto neste resultado como na revelação de que há experiências naturais à nossa volta que podem ser usadas para identificar relações de causa e efeito.

Procurar eventos que separam aleatoriamente grupos de outra forma idênticos pode ser incrivelmente revelador, mas é limitado pelo comportamento humano. As pessoas não reagem sempre da mesma forma a uma alteração de política ou a outros incentivos. Angrist e Imbens desenvolveram um quadro de estimação, validação e interpretação aplicável mesmo nestas situações, em que as experiências naturais são comprometidas por circunstâncias desconhecidas, clarificando quais são as conclusões sobre relações de causa e efeito que realmente se podem retirar das experiências naturais.

Estas contribuições despoletaram um corpo importante de estudos empíricos no domínio da educação, da imigração, das disparidades salariais de género e da desigualdade, entre outros. Identificar relações de causa e efeito é crucial em muitos domínios, desde logo na definição e na avaliação de políticas públicas, mas também no mundo dos negócios. E é possível graças às experiências de laboratório (que por cá se fazem no XLAB – Behavioural Research Lab), às experiências de campo e às experiências naturais. A chamada revolução da credibilidade da ciência económica, a transição de uma disciplina baseada em teoria para uma disciplina mais empírica, que voltou a ser celebrada este ano em Estocolmo, tornou-a numa ciência muito mais bem equipada para apoiar a tomada de decisão.

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