Negacionismo, Ignorância? Não. Falta de educação e cultura democrática!
Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Confesso que me espantam as manifestações contra as pressupostas limitações de liberdade que os governos estão a tomar em relação aos cidadãos não vacinados. Até ouvi uma notícia que em Itália se fazem festas Covid para quem participa ser infectado e assim ter acesso ao certificado covid sem ser vacinado (sem pensar no risco idiota que está a correr). Mas respeito o direito de manifestação e entendo que todos têm direito a manifestar-se de forma civilizada, o que não tem acontecido nalguns casos. Mas o direito de manifestação advém do conceito de Estado e de cidadania. Este conceito define que o cidadão é um membro de um Estado; constituindo-o portanto como detentor de direitos e de deveres perante essa mesma entidade. Estes direitos e deveres devem andar sempre juntos, uma vez que o direito de um cidadão implica necessariamente numa obrigação noutro cidadão. Temos direitos civis, políticos e sociais com o objectivo máximo do bem individual mas acima deste, o bem comum. Esta construção colectiva de almejar o bem comum, depende sempre da actuação individual e é dever de todo cidadão responsável.
Daí a minha surpresa com o comportamento dalguns indivíduos que apenas querem ser cidadãos nos direitos e não nos deveres. Mas uns têm que andar sempre em conjunto com os outros. Não podem ser desproporcionais. Ou seja, o meu direito não pode valer mais que o direito do outro. Conhecendoos riscos do Covid19, sabemos que o bem comum implica que neste tempo de pandemia, se utilizem todos os recursos disponíveis para evitar consequências graves, como:
– a morte de cidadãos infectados com Covid-19,
– a saturação dos serviços de saúde e dos profissionais de saúde,
– o risco para a prevenção e tratamento de outras patologias pela saturação dos serviços de saúde,
– o confinamento e as consequências na saúde mental,
– a paragem da economia, o desemprego, a pobreza e a dívida pública gerada,
– o prejuízo sofrido pelos jovens ao nível escolar,
– a incapacidade para o trabalho e a consequência na produtividade,
– os custos sociais.
Ou seja existe um risco elevado para o colectivo (comunidade) caso o individual (cidadão) não cumpra o seu dever e apenas pense no seu direito de opção e no limite, de resistência. E o dever está espelhado em obrigações simples, sem custo directo para os cidadãos e que já se demonstraram como eficazes na proteção dos mais vulneráveis. Medidas como
– a testagem intensa,
– limitação dos contactos sociais,
– medidas de prevenção como a máscara em determinados ambientes,
– vacinação de toda a população passível de ser vacinada (dado que está cientificamente provada a sua eficácia e segurança).
Ou seja, temos o dever, temos as medidas e temos as consequências (positivas se implementarmos as medidas e muito negativas se as recusarmos). Se queremos continuar a ser cidadãos, almejando o bem comum, não nos podemos excluir dos deveres de restringir ao máximo a transmissão do vírus. Portanto a recusa negacionista de ser administrada a vacina a toda a população passível de ser vacinada, não pode ser admitida. Cientificamente não existem argumentos, pelo que os parcos argumentos apresentados apenas se focam no direito que cada um tem de fazer o que pretender com o seu corpo. Mas os 2 bens jurídicos em avaliação (bem comum e bem individual) não são idênticos, pois o bem colectivo jurídico “vida” (não do próprio, mas de todos os outros que podem ser infectados pelo próprio que não está vacinado) é mais valioso que o bem individual “direito a fazer do meu corpo o que quiser”. A saúde pública e respeito pela vida são os bens comuns maiores na hierarquia dos direitos humanos.
Portanto ou se torna o esquema de vacinação obrigatória, ou se limita a possibilidade de quem não quer ser vacinado disseminar a pandemia. Sou apologista da vacinação obrigatória, mas aceito que exista quem não o defenda por violação de direitos constitucionais (ou seja questões formais e não materiais). Nestes casos, o Estado (que é composto pelos cidadãos), tem de encontrar as medidas proporcionais que defendam o bem comum (vida e evitar todas as outras conqeuências) sem menosprezar o bem individual (direito a não ser vacinado). Portanto tem de:
– “confinar selectivamente” os não vacinados (que não podem aceder a determinados espaços onde o risco de transmissão é elevado: como espaços comerciais, de lazer ou todos os outros de concentração de pessoas elevado),
– tem de obrigar aqueles que voluntariamente não querem ser vacinados, a suportar os seus custos de tratamento médico e hospitalar caso sejam infectados (pois porque deveremos pagar todos nós um custo no SNS por uma opção individual?),
– obrigar a suportar os custos de trabalho remoto a que tem de ficar obrigado (pois não faz sentido colocar em risco os colegas de trabalho apenas porque não quer ser vacinado)
– obrigar a suportar individualmente os seus custos salariais caso seja infectado e tenha de ficar isolado,
– e respeitar as consequências de todas as outras medidas que possam limitar o risco de transmissão deste vírus que ninguém quer, assumindo a sua posição.
Finalmente, escusam de referir que se trata de discriminação negativa em relação a determinadas opções individuais; não, trata-se apenas de educação e cultura democrática com o objectivo de salvaguardar o bem comum dos cidadãos. Ou seja senso comum; mas sabemos que o senso, por vezes, não é tão comum assim!