Eu Professora me confesso…
Por Ana Côrte-Real, Professora Associada da Católica Porto Business School, consultora e Coach
Depois de 25 anos a lecionar no ensino universitário, nos 3 ciclos de estudos (licenciaturas, mestrados e formação executiva), em Politécnicos, Universidades Públicas e privadas, sinto que a educação tem desafios tremendos à sua frente.
Confesso que identifico estes desafios junto de todos os seus intervenientes: Pais, Professores e Alunos.
Comecemos pelo papel dos Pais. Não tendo a pretensão de me assumir como uma Mãe exemplar, longe disso, quero que percebam que falo como Mãe de 3 filhas, adultas, com idades entre os 23 e os 27 anos. Não posso estar mais de acordo que o papel dos pais na educação é absolutamente crucial. A “Escola” começa em casa e termina em casa. É em casa que se ensina a ser uma pessoa, antes de se ser qualquer outra coisa. É em casa que se educa para a responsabilização, autonomia, respeito pelo próximo, sentido crítico, hábitos de trabalho, brio no que se faz, vontade de se fazer… entre muitas outras coisas. Mas hoje, e eu como Mãe, quantas vezes desresponsabilizamos os filhos? Quantos Pais dizem que têm de ir fazer os trabalhos de casa com os filhos? Ou que têm de ir falar com os Professores porque os filhos se queixaram de alguma coisa, mesmo antes de se avaliar o que foi essa “coisa”? Quantos Pais sabem dizer NÃO, sem receio de serem maus Pais ou por mero comodismo… e quantos Pais ainda conseguem dizer SIM, dado que cada vez mais os filhos já não esperam pelo sim dos Pais, apenas comunicando o que querem fazer?!
A minha Mãe dizia uma frase que me ficou: “Ana, se não fizer os seus filhos chorarem em crianças, os seus filhos vão fazê-la chorar em adultos.”
Desenganem-se se acham que estou a dizer que o nosso papel de pais é fácil… mesmo quando achamos que somos razoáveis, falhamos. Falhamos e falhamos. Mas temos falhas que se repercutem de forma grave na educação, em sentido lato.
Alguns exemplos que eu lido hoje:
“Professora, enviei um e-mail, ainda não me respondeu.” Pergunto: quando enviou? “Hoje de manhã!”;
“Professora, pode enviar-me os artigos que considera mais relevantes para eu fazer o trabalho?!”;
“Professora, pode dizer-me as páginas do livro que vão sair no exame?”;
“Professora não concordo com este método de avaliação.”…
E quando recebo whtasapps ao sábado ou domingo para ir ver o e-mail, até ao final do dia?
Há algo que me escapa. Na abordagem aos Professores, na consciência do que faz parte do trabalho do aluno e não do professor, na gratificação instantânea, na “imediatez” das respostas, na educação! E, cuidado: estes comportamentos acontecem nos 3 ciclos de ensino, ie, com pessoas entre os 18 e os 50 anos de idade!
Quanto aos Professores… muito a dizer, muito a fazer. Eu sou apaixonada pelo ensino. Mas sinto que vivemos tempos muito exigentes no que toca ao perfil do professor. Quantos Professores estarão preparados para ensinar aos jovens de hoje e prepará-los para o mercado de trabalho? Quanto professores investem na sua formação pedagógica? Quantos professores gostam dos alunos e se motivam e orgulham com os seus resultados e não com as taxas de reprovação? Quantos professores preferem investigar a ensinar, mas as Universidades não o permitem? E ao contrário: quanto professores gostam verdadeiramente de ensinar, investem em novos métodos pedagógicos, orgulham-se dos resultados dos seus alunos, gostam deles e não de investigar e são penalizados pela forma como a progressão de carreira está definida?! E a pergunta mais importante: quantos Professores, se tivessem alternativa, gostariam de deixar de lecionar?
E por fim… os alunos. Ai, os alunos. Os alunos, não podendo generalizar, têm de perceber que o acesso a dados não é conhecimento. Que o acesso a tecnologia não é apenas know-how. Que o trabalho compensa. Que o resultado não é mais importante do que o processo de aprendizagem. Que, quando os professores estimulam a autonomia, não estão a ser incompetentes. Que, apesar de não termos uma cultura de meritocracia, o mérito importa. Que as competências técnicas são um pré-requisito, mas estão mais próximas do que alguma vez tiveram de serem uma mera commodity. A atitude, a vontade de aprender, a curiosidade, o brio, o respeito pelos outros, a educação, a forma como comunicam, como escrevem, como se apresentam, como assumem os erros e as falhas, o caráter e a humildade, mais do que as hard skills, marcarão a sua diferenciação.
Eu, Professora, me confesso: é urgente percebermos que há que mudar a vários níveis, para que os nossos futuros líderes sejam capazes de marcar a diferença face ao contexto atual que vivemos. E a arma mais poderosa é a educação, a educação em casa e a educação nas escolas.
Termino a referir o que Henrique Cymerman disse na passada Conferência TedxPorto: “antes de ser jornalista sou um ser humano…”.
Confesso que na minha opinião é isto que nos falta: sermos seres humanos antes de qualquer profissão. Educarmos a que sejamos pessoas íntegras e corretas. O resto, até nas empresas, se pode aprender.