Eleições: da ideologia para o transaccionalismo

Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

A política deixou de ser um fim em si mesmo. A ideologia só influencia as gerações mais idosas e por isso mesmo o voto passou a ser mais volátil. Há troca de voto num ou noutro partido e aquilo que era normal para mim, votar sempre no partido com o qual me identifico ideologicamente, deixou de existir para muitos. Daí o desinteresse pela política, o descrédito justo pelos políticos que apresentam fracas qualificações para a nobre função de nos representar, a dificuldade de fazer sondagens credíveis. Acrescido pelo posicionamento dos novos eleitores, que mais do que olhar para a política, olham para causas e agem de acordo com aquilo que defendem. Mas também os outros eleitores estão a derivar neste sentido. Querem factos concretos e não ideologia política. Não se identificam com “esquerda ou direita”, até nem sabem o que isso é. Em lugar da ambição da melhoria do sistema de transportes públicos querem saber os factos em concreto: como por exemplo a localização do novo aeroporto e o que vai acontecer na ferrovia de alta velocidade ou em determinadas linhas. Não querem saber se é exclusivamente um modelo público (ideologia de esquerda) ou misto público / privado (ideologia de direita). E este novo modelo faz com que os partidos políticos tradicionais tenham dificuldade em fazer algo fundamental: Comunicar eficazmente com os eleitores!  Por isso (mas não só) desligamos da política e assumimos novos meios de participação na vida em sociedade. Um estudo da FFMS refere que “durante o último ano, a ação social em que mais jovens participaram foi assinar uma petição: fizeram-no 40% dos 2,2 milhões de jovens que este estudo representa. Ou participar numa manifestação (10%)”.

Julgo que nestas eleições legislativas de 20 de março, houve protesto e muitos dos que se abstinham no passado, decidiram ir votar como forma de protesto. Em 2019 votaram 5.251.064 eleitores, em 2022 tivemos 5.563.497 votantes e em 2024 no total, em território nacional votaram 6.051.460 (números que deverão agora ser reajustados a 20 de Março com os votantes dos círculos da emigração). Ou seja são mais cerca de 650.000 votos (vs 2022) ou 950.000 comparado com 2019. Na prática podem ser votos de protesto. Pois não existindo ideologia e querendo “castigar” os partidos tradicionais de poder, votam nos extremos políticos, tornando o seu voto claramente radical e disruptivo. Os moderados votam sempre ao centro, oscilando entre a esquerda ou direita moderada. Neste grupo o protesto faz-se desta forma. 

Sendo o voto um direito fundamental e livre, não podemos criticar em quem votam os Portugueses. Podemos gostar mais ou menos, mas temos de respeitar a decisão dos eleitores. Eu também não gostei dos resultados (sou moderado) mas respeito-os.

Em suma os políticos têm de comunicar para um público cético, sem ideologia, comprometido, que defende os seus direitos, imediatista, que acredita numa agenda comum para o país mas baseada em factos e decisões (não em ideologia), utilizando as novas formas de comunicação digital. Os eleitores fiéis a um partido são o “resíduo” permanente de votos mas que está a desaparecer gradualmente. Os novos eleitores “trocam” (ou transacionam) o seu voto por decisões que lhes proporcionem bem estar económico e social. Com todo o direito o fazem pois o voto é livre e é seu! 

“Aquilo que os homens de fato querem não é o conhecimento, mas a certeza”! (Bertrand Russel)

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