DeMarketing geopolítico

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Entre os principais pensamentos de Kottler está um conceito bastante actual , o “demarketing”. O marketing entende e tenta solucionar as necessidades dos consumidores para convencê-lo da possibilidade de satisfação dos seus objetivos e necessidades. Trata-se portanto de um processo, com características racionais, emocionais e sociais, que tem como base a criação, a oferta e a troca de produtos com valor acrescentado. Mas, num mundo BANI, com inovações rápidas e disruptivas, os produtos e as ideias tornam-se esclerosadas rapidamente. O que para uns cidadãos ainda estimula, satisfaz e soluciona uma necessidade, para outros está já desactualizado. Ou então quando existe uma procura excessiva e é necessário limitar essa procura (por incapacidade produtiva, por exemplo). Aqui surge o DeMarketing como modelo de marketing que pretende diminuir a procura ou evitar, através da persuasão, que um consumidor adquira um produto ou serviço, ou concorde com uma ideia. Talvez um exemplo mais claro seja o das autoridades de saúde dos estados, quando no próprio produto e nos media, alertam dos riscos para a saúde do consumo de tabaco. Estas campanhas de DeMarketing, procuram diminuir a procura deste tipo de produtos que faz mal à saúde e que, para além das consequências negativas na saúde pública, tem sérios custos para o orçamento do ministério da saúde. O DeMarketing não procura sempre acabar com a procura mas também adaptá-la às necessidades, seja num segmento ou mercado, seja num período de tempo. No DeMarketing não necessita de ter um produto ou ideia genial, e pode ser apenas a capacidade de evitar um mal maior. O segredo é convencer pela persuasão, por isso as mensagens e imagens nas embalagens e campanhas anti-tabaco, são tão fortes.

O que está a acontecer no potencial conflito entre a Ucrânia e a Rússia é (passo a vulgaridade da comparação) um exemplo de DeMarketing geopolítico. Putin pretende atingir 3 objectivos e (segundo a minha opinião) não iniciar uma guerra:

  • Ganhar acesso acesso às cidades de Donetsk e Luhansk, controladas por rebeldes pró-russos, dando à Rússia um maior poder sobre a Ucrânia. Assim evita pretensões de adesão à NATO ou à União Europeia;
  • Reafirmar a Rússia como um “player” mundial na geopolítica, como uma das maiores potências militares, com forte influência e poder na região da federação russa;
  • Finalmente um objectivo interno de voltar a restaurar o orgulho russo, demonstrando que a democracia ocidental não tem êxito na Ucrânia, ou seja mesmo ás portas das suas fronteiras.

Putin sabe que a invasão até à região de Donbass teria uma resposta tão enérgica do ponto de vista político, económico e diplomático das várias nações ocidentais, que imobilizaria o país. Inclusive da Alemanha, tão dependente do gás russo (40% vem da Rússia), mas mesmo uma posição “não interventiva” da China (tão dependente do fornecimento dos cereais e da carne ucraniana; mas também desejosa de entender até onde vão os aliados ocidentais da NATO para defender Kiev numa comparação com a questão de Taiwan). Portanto Putin como bom marketeer político está a fazer uma campanha de DeMarketing geopolítico. Evita o conflito militar mas pressiona o ocidente a uma solução diplomática da qual sai sempre vencedor, interna e externamente. Acrescido pela possibilidade de através de “fake news”, ataques informáticos ou espionagem, desestabilizar o Governo ucraniano, podendo levá-lo `à sua substituição. Aí ganharia outra vez, pois poderia colocar no poder ucraniano mais um governo “fantoche” pró-russo como acontecia antes de novembro de 2013, ano em que o movimento conhecido como “Euromaidan” varreu todo o país.

Mais uma vez a importância do marketing, ou do DeMarketing, na gestão política do mundo. Não pretendo simplificar uma questão muito séria, mas o Sr Putin certamente daria um óptimo CMO em qualquer empresa!