Como a preguiça pode ser o motor da inovação

Opinião de Luis Rasquilha, CEO do Ecossistema Inova. Board Member/Non Executive Diretor (NED) da Mercur e da NTT Data Brasil. Advisor na AMARNA VIDA (Irlanda). Professor convidado na FIA, FDC, Hospital Albert Einstein e ESALQ/USP. Colunista do MIT Sloan Review Brasil e Executive Digest Portugal.

“Preguiça” é um termo que se refere à falta de disposição ou vontade de trabalhar, fazer esforços ou realizar tarefas que exigem energia. Trata-se de um estado de inércia ou indolência, onde a pessoa sente aversão a atividades que demandam empenho físico ou mental. Além desse significado, a palavra “preguiça” também pode ser usada de forma mais leve ou brincalhona para descrever alguém que está relaxado ou sem pressa.

Em um contexto zoológico, “preguiça” se refere ao animal mamífero conhecido como bicho-preguiça, famoso por seus movimentos lentos e vida tranquila, reforçando a associação com lentidão e ausência de pressa.

A preguiça tem sido vista através de uma lente negativa por séculos. Mas uma análise mais profunda revela que a preguiça pode ser um dos principais motores da inovação.

Como assim? Esta ideia pode parecer contraintuitiva, mas ao longo dos últimos 2 anos tenho vindo a explorar esse tema, que me foi despertado pela minha esposa Viviane, uma advogada que tem olhado de fora a inovação e uma vez me disse – eu acho que a preguiça é o motor da inovação.

Essa abordagem, contraintuitiva como referi, mereceu análise profunda.

Parece estranho que se considere a preguiça como motor ou inspiração para a inovação, mas muitas inovações importantes poderão ter sido impulsionadas pelo desejo humano de fazer menos esforço e economizar tempo. Este artigo explora a abordagem de como a preguiça pode estimular a criatividade e levar a grandes avanços tecnológicos, sociais e empresariais.

Desde as primeiras ferramentas de pedra até às máquinas modernas, muitos inventos foram desenvolvidos para tornar as tarefas diárias mais fáceis e rápidas. A invenção da roda, por exemplo, revolucionou o transporte, reduzindo significativamente o esforço físico necessário para mover cargas pesadas. A Revolução Industrial trouxe máquinas que automatizavam tarefas repetitivas, liberando as pessoas para se concentrarem em trabalhos mais intelectuais. A criação de linhas de montagem, como as implementadas por Henry Ford, foi um marco na redução do trabalho manual intenso. O desenvolvimento de computadores e software foi impulsionado pela necessidade de processar informações rapidamente e com menos esforço humano. As calculadoras, planilhas eletrônicas e bancos de dados são exemplos de ferramentas que aumentam a eficiência e reduzem o trabalho manual.

A preguiça muitas vezes leva à busca por soluções mais simples e eficientes para problemas complexos. A frase “trabalhe de forma inteligente, não árdua” resume bem essa abordagem. Por exemplo, a invenção do controle remoto surgiu da necessidade de não se levantar para mudar os canais da televisão. Momentos de ociosidade podem ser extremamente produtivos pois permitem que a mente vagueie, levando a ideias inovadoras e criativas.

Grandes pensadores, como Isaac Newton ou Albert Einstein, fizeram algumas de suas maiores descobertas durante períodos de relaxamento e contemplação. Os chamados momentos de Flow. A criação de aplicativos e dispositivos que simplificam nossas vidas diárias é um exemplo moderno de como a preguiça impulsiona a inovação. Smartphones, assistentes virtuais (como Alexa ou Siri) e robôs de limpeza foram todos desenvolvidos para reduzir o esforço e aumentar a conveniência. Mais recentemente a IA e a automação estão transformando indústrias inteiras ao realizar tarefas complexas com mínima intervenção humana. Algoritmos que aprendem e se adaptam são projetados para otimizar processos, reduzindo a necessidade de esforço humano constante.

A criação do Google (por Lawrence Page e Sergey Brin) foi motivada pela necessidade de encontrar informações rapidamente e com o mínimo esforço. A missão de organizar a informação mundial e torná-la universalmente acessível e útil é uma manifestação clara da inovação motivada pela preguiça.

Elon Musk frequentemente fala sobre a importância de simplificar processos complexos. O desenvolvimento de veículos elétricos e foguetes reutilizáveis são exemplos de inovações que reduzem o esforço e o custo em longo prazo.

Pesquisando bem, inúmeros exemplos podem ser enquadrados nesta tese de que a inovação pode muito bem ser gerada através da preguiça. Vejamos alguns:

  1. Máquina de Lavar Roupas
    • Antes da invenção da máquina de lavar, lavar roupas era uma tarefa manual e trabalhosa que consumia muito tempo. A máquina de lavar foi desenvolvida para automatizar esse processo, permitindo que as pessoas economizassem tempo e esforço físico.
  2. Lava-louças
    • Similar à máquina de lavar roupas, o lava-louças foi inventado para reduzir o trabalho manual envolvido em lavar pratos, copos e talheres. Isso liberou tempo para que as pessoas pudessem se dedicar a outras atividades mais prazerosas ou produtivas.
  3. Micro-ondas
    • O forno de micro-ondas tornou o aquecimento e a preparação de alimentos muito mais rápidos e convenientes do que os métodos tradicionais. Ele foi desenvolvido para reduzir o tempo e o esforço necessários para cozinhar ou reaquecer alimentos.
  4. Elevadores e Escadas Rolantes
    • Elevadores e escadas rolantes foram inventados para facilitar o deslocamento vertical dentro de edifícios altos, eliminando a necessidade de subir escadas. Isso é especialmente útil em arranha-céus e grandes centros comerciais.
  5. Telecomando (Controle Remoto)
    • O controle remoto para televisores, e posteriormente para outros dispositivos como sistemas de som e ar-condicionado, foi criado para permitir o controle à distância, evitando que as pessoas precisassem se levantar repetidamente para ajustar configurações.
  6. Robô Aspirador
    • Os robôs aspiradores foram desenvolvidos para automatizar a tarefa de aspirar o chão. Eles funcionam de forma autônoma, limpando a casa enquanto os proprietários realizam outras atividades ou descansam.
  7. Plataformas de Streaming
    • Serviços de streaming como Netflix ou Spotify foram criados para fornecer acesso instantâneo a uma vasta biblioteca de filmes, séries e músicas, eliminando a necessidade de ir a uma loja de locação ou comprar mídias físicas.
  8. Automóveis Autônomos
    • Veículos autônomos estão sendo desenvolvidos para reduzir o esforço envolvido em dirigir, permitindo que as pessoas relaxem, trabalhem ou se divirtam enquanto são transportadas. Essa tecnologia promete aumentar a conveniência e a segurança no trânsito.
  9. E-commerce
    • O comércio eletrônico revolucionou a forma como compramos, permitindo que as pessoas adquiram produtos e serviços sem sair de casa. Plataformas como Amazon ou Mercado Livre foram criadas para tornar as compras mais fáceis e rápidas.
  10. Assistentes Virtuais
    • Assistentes virtuais como Siri, Alexa ou Google Assistant foram desenvolvidos para realizar tarefas através de comandos de voz, como enviar mensagens, definir lembretes, tocar música e controlar dispositivos domésticos inteligentes, tudo isso sem a necessidade de interação manual.
  11. Refeições Prontas e Serviços de Entrega
    • A indústria de refeições prontas e serviços de entrega, como Uber Eats ou iFood, cresceu para atender à demanda por conveniência, permitindo que as pessoas desfrutem de uma variedade de alimentos sem precisar cozinhar ou sair de casa.
  12. Ferramentas de Gestão de Tarefas e Automação
    • Softwares como Trello, Asana ou Zapier foram criados para ajudar na gestão de tarefas e automação de processos repetitivos, economizando tempo e reduzindo a necessidade de intervenção manual em tarefas administrativas.
  13. Sistemas de Pagamento Contactless
    • Pagamentos por aproximação (contactless) e carteiras digitais como Apple Pay ou Google Wallet foram desenvolvidos para tornar as transações mais rápidas e convenientes, eliminando a necessidade de carregar dinheiro ou cartões físicos.
  14. Controle de Temperatura Inteligente
    • Termostatos inteligentes como o Nest aprendem as preferências dos usuários e ajustam automaticamente a temperatura para economizar energia e aumentar o conforto sem a necessidade de ajustes manuais frequentes.

E muitos mais exemplos podemos encontrar adotando esta lente de análise.

A preguiça, quando entendida como o desejo de minimizar o esforço e maximizar a eficiência, pode ser uma poderosa força motriz para a inovação.

Ao buscar soluções que tornem a vida mais fácil, indivíduos e empresas criam produtos e processos que beneficiam toda a sociedade.

Portanto, em vez de ser vista como um vício ou uma característica negativa, a preguiça pode ser reconhecida como uma virtude criativa que impulsiona o progresso humano assim a saibamos usar para esse objetivo.

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