Como a hotelaria e a restauração podem sobreviver a uma nova crise financeira global

Por Grisha Davidoff, Managing Director na Kaizen Capital

A possibilidade de uma nova crise financeira global, como a que teve lugar em 2008, é obviamente assustadora. Sabemos que estas fases são cíclicas, mas é possível adotar estratégias, pré e durante, que contribuam para a sobrevivência económica de pessoas e negócios.

Os setores da hotelaria e da restauração, particularmente, já sofreram, num passado muito próximo, com a pandemia da Covid-19, pelo que devem retirar ensinamentos desta experiência. De seguida, exploro como estes setores se podem precaver e lidar com uma eventual crise.

 

1) Que fatores podem causar uma crise?

Existem vários elementos que podem contribuir para uma crise, em geral, e na hotelaria e na restauração, em particular. Um deles passa pela subida das taxas de juro, que faz com que os negócios se vejam com maiores dificuldades em pagar a dívida ao banco.

Para além disso, vivemos num cenário de inflação já elevada, o que afeta estes setores de duas formas: os custos de operação tornam-se maiores e, por outro lado, tudo é mais caro, o que faz com que os clientes tenham menos rendimento discricionário e não consigam incluir despesas prescindíveis, fazendo que com que não seja possível subir os preços do serviço.

Por fim, a escassez de mão de obra. Cada vez menos pessoas querem trabalhar nestes setores – pela questão dos horários e não só -, pelo que muitos negócios nesta área se estão a tornar inviáveis.

 

2) Como sobreviver a uma crise?

Para sobreviver a uma eventual crise, é necessário ter em conta vários pontos. Ter o menor valor de dívida possível ao banco (e com terceiros) e manter os custos fixos o mais baixos possível são dois pontos fundamentais.

Outro fator crucial é que não se deve depender de um só mercado. Muitos restaurantes dependiam única e exclusivamente de turistas, pelo que ficaram sem clientes durante a pandemia. Nesse sentido, é necessário ter uma boa mistura de clientes – corporativos, locais, turistas, etc. – e não colocar os ovos todos na mesma cesta.

Um bom controlo de custos é também fundamental. É de evitar, por exemplo, ter custos muito elevados com alimentos – pode-se elaborar um menu menor, aproveitando quase sempre os mesmos ingredientes, o que permite ainda facilitar os processos de preparação, poupar tempo e depender de menos staff.

O próximo ponto pode parecer contra-intuitivo: é nos momentos de crise que o investimento em marketing se torna mais relevante. A maior parte dos negócios vai tentar poupar todo o dinheiro possível, cortando o investimento em marketing. E é neste momento, em que todos os outros estão a recuar, que se deve avançar. Desta forma, vai-se capitalizar muito mais este investimento, alcançando mais visibilidade no mercado. É, no entanto, crucial garantir que este investimento está a ser eficaz, para evitar gastar dinheiro sem obter resultados.

O último ponto tem a ver com a força laboral: será inevitável contar com menos colaboradores, mas estes deverão ter boas condições (a nível de vencimento e não só), garantindo-se que estão satisfeitos. Principalmente em contextos mais difíceis, é essencial contar com uma equipa leal, motivada e produtiva, que, apesar de menor, fará os compromissos e os esforços necessários para remar em direção a bom porto.

 

3) Rácios financeiros a ter em conta antes de uma crise

Gosto de olhar para um negócio hoteleiro como uma torre de legos, com várias peças fundamentais para a evolução do mesmo. Neste sentido, é importante compreender a composição de cada lego que constitui a propriedade – quartos, salas de conferência, spas, lojas, restaurantes… -, assim como a forma como cada um desses legos se comporta em termos de receitas e rentabilidade, avaliando bem os seus prós e contras. Em particular em momentos de crise, tenho de observar o meu ativo exatamente dessa forma, assegurando-me de que a composição da torre de legos é a que funciona melhor em termos de rendimento e em termos operacionais. Por exemplo, se o meu hotel se encontra na Baixa do Porto, à partida os meus clientes vão sair do hotel para jantar fora. Então seria estratégico substituir, por exemplo, o lego do restaurante por um de quartos e aumentar a faturação (até porque, em geral, as margens de lucro dos restaurantes andam entre os 0% e os 25% e as dos quartos entre os 60% e os 70%).

Dito isto, há alguns rácios que recomendo no sentido de monitorizar a performance de um hotel ou de um restaurante, antes de a crise chegar:

 

  • Rendimento (receitas e EBITDA) por m2
    Este rácio permite ter uma noção do rendimento consoante o espaço que o negócio ocupa. Num hotel, pode ainda ser utilizado para comparar a margem de lucro dos legos, considerando os m2 que cada lego representa. 
  • Rendimento (receitas e EBITDA) por cliente
    A maior parte dos hotéis só analisa esta métrica por quarto, que pode ser ocupado por mais do que um cliente. Percebendo o valor que seria ideal faturar por cliente, podem-se desenvolver estratégias de upselling.

 

  • Rendimento (receitas e EBITDA) por colaborador
    Este rácio permite ter uma noção da produtividade da equipa de trabalho.

 

  • Custo por dia aberto
    Poucos negócios sabem este dado. Se ter um hotel aberto custa, por exemplo, 2000€ por dia, saber-se-á que é preciso faturar mais do que 2000€ por dia para não se estar a perder dinheiro. Isto é particularmente relevante para pequenos negócios, como restaurantes.

 

  • Força de trabalho % receitas
    Representa o custo de todos os colaboradores (incluindo encargos com Segurança Social, etc.) em proporção das vendas. Na hotelaria, este rácio não pode ser superior a 30%; caso contrário, não há margem para ganhar dinheiro. 
  • Dívida sobre o EBITDA
    Se, para além dos custos operacionais, existir um valor considerável a pagar ao banco, o negócio irá estar numa situação delicada. Idealmente, o valor da dívida não deve ser superior a metade do EBITDA mensal.

 

  • Drop through %
    É a diferença entre o incremento de vendas e o incremento ou descida do lucro no mesmo período. O negócio até pode ter tido um aumento em vendas, mas, provavelmente, teve de considerar custos extra. Se as vendas aumentaram 1000€, mas os custos 3000€, na verdade está-se a perder dinheiro. O que este rácio mede é, precisamente, por cada euro a mais encaixado, quando se tornou lucro.

 

Tanto a hotelaria como a restauração já demonstraram, diversas vezes, a sua resiliência e capacidade de readaptação. Com uma nova crise no horizonte, estes setores devem estar novamente preparados para lutar e reinventar-se, reerguendo-se mais fortes.

 

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