Agenda do Trabalho Digno: Um avanço ou uma oportunidade perdida?

Por Nuno Ramos, Human Resources Legal Advisor da Nova SBE

Foi um caminho extenso, com inúmeros avanços e retrocessos, mas finalmente, as alterações ao Código de Trabalho decorrentes da “Agenda do Trabalho Digno” entraram em vigor – mas estas alterações, são um verdadeiro ponto de viragem na realidade laboral portuguesa, ou apenas uma “mão cheia de nada” sem impacto na vida dos portugueses?

É indiscutível a necessidade de um “abanão” nas políticas laborais: se, por um lado, temos um problema crónico de produtividade (quinto país da União Europeia com menor produtividade, 35% abaixo da média registada na União Europeia), por outro, temos dos salários médios mais baixos da União Europeia.

Posto isto, caberia ao legislador ter um papel de impulsionador na mudança cultural ao nível laboral. Esta reforma era a oportunidade para tal.

Se foi bem-sucedida? Talvez não. Uma reforma laboral deve ser encarada com seriedade, e como uma oportunidade de transmitir um sinal de presença, tanto para trabalhadores como empregadores… e isso não aconteceu. Entre promessas de “maior dignidade no trabalho”, de combate à precariedade, aumento de diálogo social, promoção de maior igualdade no mercado de trabalho entre géneros e criação de uma cultura promotora de um maior work-life balance, quase nada foi cumprido. Não se chegou onde já deveríamos estar.

Revela-se uma reforma pouco profunda, que resulta em alterações que não beneficiam nem empresas, nem trabalhadores. Se não, vejamos alguns exemplos: se, por um lado, se valoriza o pagamento da prestação de trabalho suplementar, por outro, é de estranhar que isso apenas aconteça a partir da 100.ª hora anual de trabalho suplementar prestado. Ou seja, mantém-se o incentivo ao trabalho “além jornada laboral” (sem falar do universo empresarial onde não existem registos de trabalho suplementar).

Se por um lado, é alterada a licença parental do Pai para os 28 dias úteis, por outro ficamos ainda longe de outros países da Europa, com políticas de igualdade de género e de conciliação entre vida profissional, familiar e pessoal muito mais avançadas. A título de exemplo, a nossa vizinha Espanha, que desde 2021, implementou a licença de 16 semanas para ambos os progenitores; ou a famosa Elternzeit Alemã, que confere ao Pai o direito a tirar até 3 anos de licença não remunerada após o nascimento do filho, garantindo a protecção ao emprego.

Se por um lado, se criou a impossibilidade de extinção de créditos laborais por remissão abdicativa, por outro, aumentou-se a litigância por via acção judicial, o que se vai revelar um entrave à cessação do contrato de trabalho por acordo entre as partes.

Em suma: Ficam então os trabalhadores e as empresas “mais mal servidos” com este “novo” Código do Trabalho? Não. Foi aproveitada a oportunidade para mudar mentalidades e legislar num sentido de aumento de produtividade, incentivo a melhorias salariais e diminuição da precariedade? Também não.

Numa reforma que se pretendia ideologicamente isenta, de criação de sinergias e diálogo entre trabalhador e empregador, muito ficou por cumprir, e mais uma vez, se perdeu a oportunidade de dar um (tão necessário) salto qualitativo no que à legislação laboral diz respeito.

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