Afinal o trabalho remoto é apenas para 30% dos trabalhadores?

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Recentemente na conferência da Human Resources, a Deloitte apresentou um estudo sobre o trabalho e a pandemia e concluiu que (sobre o teletrabalho) apenas 20% a 30% dos trabalhadores poderiam realizar o trabalho de forma remota. Porquê? Porque 30% a 40% desenvolvem a sua actividade e operação “onsite”  (exemplo de um operário fabril ou caixa de supermercado); 20% a 30% são “ Direct Customer facing” ; 10% a 20% têm de circular e apenas 20% a 30% trabalham no escritório. Um dos  factores de sucesso mais importantes para este novo modelo, foi a o facto de antes do trabalho remoto, os colaboradores já se conhecerem e portanto o contacto remoto tornou-se muito mais fácil e até eficiente. Diria que o “medo do desconhecido”, no início da pandemia, terá ajudado. Mas na essência, andamos a discutir este novo modelo de trabalho apenas para 20% a 30% dos trabalhadores. Quando deixamos a maioria sem mudança e solução (a dúvida é o Customer facing na minha perspectiva; embora segundo a Deloitte não) , até porque provavelmente não precisamos de nenhuma solução diferente, exceto a melhoria da liderança e organização para aumento da produtividade, e a meritocracia como método de gestão endémico.

No entanto, esta sensação de que a revolução industrial, seguida da revolução tecnológica no final do sec. XX e início do XXI, seria seguida pela revolução do mundo do trabalho, irá acontecer, mas julgo que não na dimensão que se calhar todos pensamos. Não apenas na forma do trabalho remoto para estes 30%, mas acima de tudo na impressionante mudança de comportamentos e pensamentos para 100% dos trabalhadores, nomeadamente na mudança a que estamos sujeitos diariamente. O que me leva a pensar que a mudança no mundo do trabalho tem de ser a flexibilidade e “accountability”, bem como uma alteração das empresas e dos trabalhadores que se têm de tornar uns verdadeiros campeões da resiliência, renovação permanente e inovação dos 3 P´s (Produtos,Processos e Pessoas). Se produtos e processos é fácil de entender, o item “Pessoas” é o que mais dúvidas pode levantar. Não queremos criar pessoas novas naturalmente, mas acima de tudo comportamentos novos (com novas ou melhoradas competências) que contribuam para o aumento da eficiência e a criação de novos produtos de valor acrescentado. Já não queremos “o trabalhador das 9h ás 17h” há muito tempo, e esta crise destapou essa necessidade de forma crítica.

Portanto não tenho solução (nem sei sequer se é necessário) para esta pressuposta 3ª revolução, a revolução do mundo do trabalho. Mais ainda quando se dirige a apenas 30% do trabalhadores. Pelo que não podemos chamar uma revolução mas apenas um “coup d´état”. Freud, explicaria certamente isso com uma teoria apurada sobre a nossa ligação maternal carnal e a nossa ligação paternal emocional. Senão vejamos: o teletrabalho tornou-se “trending”, mesmo sem sabermos se aumenta a produtividade ou sequer se cria “burnout” a quem recorre a este modelo, de forma normal ou excessiva (algo a que a pandemia obrigou)! Certamente a influência paternal… Mas por outro lado queremos mais e melhores condições (cadeira, subsídio para custos energéticos, etc) por estar a trabalhar em casa. Quando, como trabalhadores, obtemos vários benefícios mas que não queremos ver valorizados para termos mais margem de negociação nas condições a exigir, pois gerimos os nossos horários aumentando o ”work life balance”, poupamos nos transportes de deslocação e alimentação no local de trabalho, entre muitos outros benefícios… Claramente uma interferência maternalista freudiana na posição defendida! Mas aqui não pode existir ideologia na decisão, mas apenas equilíbrio e justiça.

O mais importante (do meu ponto de vista) é entender como a tecnologia se vai integrar no nosso modelo de trabalho. Não se vamos ter trabalho remoto ou não, de forma permanente. Tecnologia essa que nos permitirá criar modelos organizacionais, modelos de inovação, modelos de conhecimento em rede; mais eficientes e que aumentem a produtividade. Se isso se fará de forma remota, pelo que vimos, depende muito do tipo de trabalho, da natureza da função, da dependência de “work facilities”, da penetração de tecnologia no modelo de negócio, do nível de contacto com o cliente e do modelo colaborativo de trabalho em equipa. Mas para isso, não precisamos andar “a correr” atrás de soluções que não são imperiosas nem urgentes, neste momento.