A policrise “matou” a globalização!

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

A diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) avisou na conferência ministerial anual da organização (junho/22) que uma nova divisão entre blocos mundiais, a blocalização, pode tirar 5% ao PIB mundial. Um dos países mais activos foi o Brasil, que não tem nenhum bloco “natural” mas com fontes de recursos naturais fabulosos (nomeadamente agrícolas e energéticos) que se empenhou na reunião mas deixou já vislumbrar que pode num mundo “blocal”, assumir acordos comerciais que podem tomar uma diversidade de formatos e serem originados em muitos fóruns. A morte da globalização e a emergência da blocalização, vai aumentar a assimetria, nas regras de acesso a mercados, vigente entre produtos agrícolas e industriais. A Blocalização aumenta as preocupações dos países em desenvolvimento, a fim de facilitar a sua participação no comércio internacional pois não têm bloco. Embora lhes crie uma uma oportunidade de comércio multi-bloco desde que as regras ESG mínimas sejam cumpridas. E isso vai questionar a capacidade da OMC em continuar a ser um fórum de negociação relevante no comércio internacional. A Pandemia, a guerra na Ucrânia, problemas logísticos, custo dos transportes, a crise alimentar e energética vão dificultar a própria existência da organização pois criaram uma “policrise” mundial. Vai-se tornar na “Organização Blocal de Comércio“, em vez de mundial. E esta blocalização do mundo vai ser agravada pela crise financeira que a especulação e a inflação estão a gerar. Em consequência o aumento das taxas de juro para os privados nos seus empréstimos, mas também para os países na sua dívida soberana, serão bastante negativos. Pelo que a policrise vai ter consequências financeiras e económicas impactantes, ou seja a tempestade perfeita. Agravada ainda pela visão imperialista demonstrada pela Rússia na invasão da Ucrânia e publicamente anunciada no Fórum Econômico “Russian Davos” em São Petersburgo. A SPIEF foi lançada como forma de estimular o investimento estrangeiro em 1997 mas apenas mostrou que a Rússia está a tentar formar o seu bloco, com a Bielorrússia e Chechénia (os regimes “marionete”de Putin), Cazaquistão, Egipto e como referiu o conselheiro de política externa de Putin, outros países “amigáveis” que enviaram delegações. A China também vai participar de forma remota, como seria de esperar, pois o seu posicionamento tem sido sempre de constituir um monobloco e estar no tabuleiro mundial “sobranceiramente de bem com todos” (multibloco). Na cimeira, a Rússia anunciou o fim de uma era dum mundo “unipolar” em que os EUA dominavam. Mas não é verdade. O mundo era global e exemplo disso, é o crescimento da China para segunda economia mundial e da própria Rússia, que viveu à custa das suas exportações energéticas. O próprio Presidente russo anunciou algo que todos já sabíamos, que essa era “chegou ao fim” e que vamos assistir a uma mudança “que é um processo natural da história”. Mas não é a era do mundo unipolar como Putin queria propagandear, mas do mundo global onde os oligarcas russos compravam clubes de futebol e tratavam a chechénia ou a Ucrânia como uma colónia, decidindo quem seriam os seus dirigentes. Ou vendendo petróleo e gás para benefício de alguns multimilionários russos que tinham iates e jatos privados por todo o planeta. Oligarcas que agora decidiram ir viver para os Emirados Árabes Unidos como forma de escapar à blocalização.

Continuamos sem conhecer a posição da Índia; ou a real posição do bloco chinês que se aproveita do petróleo russo barato, mas também das exportações para o ocidente sem as quais não consegue crescer. Mas sempre tentando entender o equilíbrio geopolitico na Ásia e a resposta do Ocidente em relação a Taiwan. 

O que é certo é que o bloco europeu tem de se reindustrializar, tornar-se auto-sustentável com energia limpa, criar um modelo agrícola auto-suficiente e inteligente, pois actualmente, a Ucrânia e a Rússia produzem quase um terço do trigo e da cevada do mundo e metade do óleo de girassol. Enquanto a Rússia e a sua aliada Bielorrússia são dos maiores produtores mundiais de potássio, um ingrediente-chave de fertilizantes. 

A palavra chantagem vem do francês chanter, isto é, cantar. Da gíria do dia-a-dia passou para a linguagem jurídica. Na realidade, quem canta é a vítima sob ameaça. Os blocos, nomeadamente o Europeu, não podem estar sujeitos à “chantagem do cereal” ou à “tortura do petróleo” por sistemas políticos oligarcas e autocratas. Não se pode confiar neles. Fazem acordos que não respeitam, fazem propaganda de ideias falsas, desrespeitam os direitos humanos e civilizacionais, “chante” os outros blocos com os seus monopólios de bens essenciais. Ou seja incapazes de viver num mundo global, que os ajudou a crescer e que eles ajudaram a “matar”. A globalização morreu!