O paradoxo da defesa do interesse público na recuperação de empresas em crise

Por José Gonçalves Machado, PhD, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona e Advogado

Na nossa história recente (últimos 50 anos) temos vários exemplos de intervenção direta e indireta do Estado na recuperação de empresas privadas. Na intervenção direta, a recuperação deve-se, fundamentalmente, à injeção de dinheiros públicos, ao passo que na intervenção indireta, a recuperação resulta, essencialmente, do esforço dos credores, em especial dos credores privados.

Como manifestações da intervenção direta, destacamos o DL n.º 660/74, o DL n.º 222-B/75, de 12 de maio o DL n.º 353-E/77, de 29 de agosto de 25 de novembro, o DL n.º 119/82 de 20 de abril e, mais recentemente, a Lei n.º 62-A/2008, de 11 de novembro. Em todos estes diplomas, o Estado manifesta expressamente o seu interesse em recuperar empresas privadas, de modo a satisfazer o superior interesse público na preservação do tecido empresarial que, reflexamente, ajuda a evitar a perda desnecessária de postos de trabalho e de competências e conhecimentos especializados, bem como a maximizar o grau de satisfação dos vários stakeholders, por comparação com o cenário de encerramento e liquidação.

Por via indireta, nomeadamente através do DL n.º 132/93, de 23 de abril, do DL 201/2004, de 18 de agosto, do DL n.º 53/2004, de 18 de março (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril e posteriormente), da Resolução do Conselho de Ministros 43/2011, e da Lei n.º 8/2018, de 2 de março, o Estado pede que sejam os privados a satisfazer aqueles interesses públicos, mas afasta-se (tende a afastar-se) do esforço financeiro.

O mesmo Estado que está disposto a injetar milhões em grandes empresas (e, não raras vezes, com resultados desastrosos), continua indisponível para apoiar a recuperação de micro, pequenas e médias empresas por via indireta, em condições de igualdade com outros credores. Se o Estado removesse o impedimento da indisponibilidade dos créditos tributários e se dispusesse a negociar em condições de igualdade (em especial através do “PER”) – sem ter de injetar fresh money dos contribuintes , acabaria, provavelmente, por ter um saldo bastante positivo por força da receita arrecadada (com impostos e contribuições) a médio e longo prazo.

A recente crise política poderá abrir portas a uma nova discussão sobre o papel do Estado na recuperação de empresas em dificuldades – é esse o nosso desejo! Desfaça-se o paradoxo da defesa do interesse público na recuperação de empresas em crise: uma micro, pequena e média empresa de hoje poderá ser uma grande empresa de amanhã!

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