A “ilusão” do investimento em medicamentos
Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Há alguns dias li com surpresa, algumas notícias sobre o descontrole do investimento em medicamentos. A bem da transparência, importa referir o meu conflito de interesses, pois trabalho na Indústria farmacêutica. Mas sou um adepto da verdade e irei apenas referir factos facilmente comprováveis.
O investimento (ou despesa para alguns que desconhecem os benefícios dos medicamentos) não está descontrolada!
Em 2023, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) respondeu a um aumento de atividade assistencial, com crescimento anual de 8% nas cirurgias e de 4% no número de consultas realizadas nos Hospitais. Bem como um aumento de 2% dos doentes saídos de internamento. nos hospitais e centros de saúde, em consequência do período após-pandemia. Este aumento tem um necessário reflexo nos medicamentos prescritos e no respetivo investimento do Estado. Este aumento da atividade, num contexto pós-pandémico, juntamente com a situação demográfica do nosso país, tem um necessário reflexo nos medicamentos prescritos e no respetivo investimento do Estado. Mas o peso do investimento do SNS com medicamentos na despesa total e na despesa pública em saúde tem vindo a diminuir ao longo dos anos. Ao contrário do que parece vir referidos nas “ditas notícias”. Em 2010, o medicamento representava 14,8% da despesa total em saúde. Este valor registou uma diminuição de 1,7 pontos percentuais entre os anos de 2010-2022, situando-se em 2022, nos 13,1% da despesa total em saúde. Ainda em 2010, o medicamento representava 21,2% da despesa pública em saúde. Este valor registou uma diminuição de 1,3 pontos percentuais entre os anos de 2010-2022, situando-se em 2022, nos 19,9% da despesa pública em saúde. Portanto o aumento do investimento em saúde foi maior em todas as outras rubricas do orçamento de estado.
Os valores referidos na notícia estão também sobredimensionados, pois não refletem as devoluções ao Estado feitas pela Indústria Farmacêutica. Estas devoluções são estabelecidas por acordos que ao longo dos anos têm vindo a ser firmados entre a APIFARMA e o Estado e pelos contratos de comparticipação e avaliação prévia de medicamentos. Estes acordos constituem o contributo da Indústria Farmacêutica para a sustentabilidade do SNS. Valores que podem ascender a muitas centenas de milhões de euros anualmente.
Finalmente, parece que os medicamentos inovadores não são um direito dos cidadãos para a prestação de melhores cuidados de saúde. Parece que o Estado não deve garantir o acesso atempado a melhores e mais inovadoras terapêuticas. Inovação essa que naturalmente tem um valor mais elevado. Mas pensando assim, devem responder também á questão: porque é que os doentes alemães ou de outro país europeu, devem ter acesso a um tratamento melhor do que os Portugueses? Os medicamentos inovadores não podem apenas ser encarados como uma despesa. São um investimento do Estado, com reflexos positivos a nível orçamental, em especial na Saúde e na Segurança Social. Têm impacto na redução de hospitalizações e noutros custos diretos de saúde, bem como no absentismo laboral. Tornam doenças fatais em crónicas (o HIV por exemplo) e nalguns casos, tratam efetivamente a patologia (hepatite por exemplo). Por outro lado, ao acrescentarem anos de vida saudável, os medicamentos inovadores permitem que os doentes continuem a ser produtivos, gerando valor para as famílias, para a sociedade, para a Economia e para a sustentabilidade do SNS.
Assistimos ainda a um crescimento do investimento do SNS com medicamentos mas a crescer abaixo do PIB nominal em termos médios desde 2011. Em 2023, o investimento SNS com medicamentos cresceu 6,7% de acordo com os dados oficiais do Infarmed, mas abaixo do crescimento de 9,7% do PIB nominal, e à semelhança do ano de 2022. Portanto um crescimento menor do que a do crescimento da despesa total do Ministério da saúde. Logo, não é o investimento com medicamentos que absorve este aumento do orçamento.
Em suma, há notícias, que nunca deveriam ser notícias!