A blocalização religiosa como “arma de diplomacia política”

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

A regulação dos estudos e práticas teológicas tem vindo a infiltrar-se no mundo político. O secularismo e a religião têm enormes desafios num mundo mais instável e blocal em que cada religião vai ter que “lutar pelo seu espaço” e conquistar mais crentes! Mas as próprias crenças debatem-se internamente entre radicalismo e moderação, entre disseminação ou contaminação de novos crentes, ou da mistura com a política e a economia! Trata-se de um reposicionamento geoestratégico da diplomacia religiosa como ferramenta de influência das nações e dos seus povos. 

Vemos o Evangelismo nos EUA com uma minoria conservadora a ditar as “regras do jogo” como por exemplo com a penalização do aborto (as “bruxas de Salem” regressam) e com trump a “cavalgar” o estilo de profeta perseguido pelo “status quo”.

No Brasil a influência dos pastores evangélicos na votação de apoio a Bolsonaro, o seu radicalismo, a mistura entre estado e religião com a realização de celebrações religiosas no palácio do planalto, que fazem o regime laico brasileiro espantar-se com esta falta de sentido de estado.

A Igreja ortodoxa russa e Kirill, o seu líder, a apoiar o regime de Putin, a defesa da invasão e carnificina na Ucrânia, mesmo contra a direção de Bartolomeu I, o verdadeiro líder da igreja ortodoxa em Constantinopla desde 1991.

No Norte de África a influência de Marrocos a impedir a Iranização (Irão) e Xiismo duodeciano (que tem o seu apoio na comunidade libanesa apoiante do Hezbollah e espalhada pelo continente) da África Ocidental. Claramente impedida pelo monarca Maomé VI que não quer extremismos no seu território e nas suas fronteiras.

A radicalização hindu na maior nação do mundo (Índia) de “combatentes civilizacionais” de extrema direita (“trad-wing”) contra muçulmanos e dalits na defesa da nação “hindu”. Promulgam uma rígida supremacia religiosa (e política) pouco tolerante.

Os modelos autocráticos da Arábia Saudita e UAE (com Abu Dhabi na frente) que se apresentam mais moderados tentando influenciar (religiosamente mas também através de doações milionárias) outros países de influência, mas ainda com pouco eco. Embora tentem refletir uma abertura ao mundo e separação entre política e religião, apenas a praticam fora das suas fronteiras.

O papel relevante da Turquia que com a sua diplomacia económico-religiosa através do “Dyianet” (direção de assuntos religiosos) constrói mesquitas por todo o continente africano (tentando erradicar a influência do movimento Gülen, seu principal opositor exilado nos EUA). Mas também ganhar um papel relevante de influência neste continente.

A tomada de poder no Afeganistão pelos taliban após a saída dos soldados Americanos e a instalação de um estado religioso que não respeita os direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente das mulheres. E institucionalizando relações com grupos terroristas como a Al-Qaeda.

O Paquistão que defende uma moderação religiosa mas autoritária (o Primeiro Ministro Khan foi demitido quando perdeu a liderança depois de uma moção de censura ao seu governo, pois procurava radicalizar e fortalecer o papel do Islão na educação e repressão da blasfémia).

Em suma, o mundo já era blocal do ponto de vista religioso. Com 31.2% de Cristãos, 24.1% de islâmicos, 15.1% de hindus, 6.9% de budistas e apenas 0.18% de judeus (fonte “the world Factbook” em 2015). E surpreendentemente com 16% do mundo a ser ateu ou agnóstico, sendo esta a terceira crença (ou descrença) mais comum. Portanto em termos religiosos temos crentes de vários blocos (ou religião professada). Ou blocal por ser do bloco radical ou moderado. E mesmo blocal entre países ricos ou pobres (com excepção dos EUA e Kuwait), em que os países mais pobres têm uma maior proporção de cidadãos que consideram a religião muito mais importante do que nos países ricos. Ou blocal entre politeístas (hinduísmo por exemplo) e monoteístas.

Mas se sectarizarmos por religião professada, vemos Cristianismo de um lado, Islamismo de outro, como as religiões com maior número de crentes (mais de 50% da população mundial). Olhando assim, parece que estamos prestes a falar de conflitos recentes que ganharam vieses ideológicos pautados na religião. Mas não, todas as religiões exaltam ideais de respeito pela vida, da não violência, da fé, da ética, da pureza moral, da ajuda e esmola, da dedicação e peregrinação, da devoção através da oração e do jejum (abstinência). Portanto a Blocalização da religião deveria ser apenas aparente, pois a génese é comum a todas.

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