8 ou 80

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

 

Nós Portugueses, onde me incluo, não sabemos viver nos 40, vivemos sempre bem no 8 ou no 80. E utilizar esta perífrase tem muito a ver com a nossa cultura. Quando confinamos temos realmente de confinar totalmente, o 8. Quando desconfinamos, não podemos fazê-lo a “meio gás”, a 40. Sempre vamos tender a conseguir uma excepção: o amigo que não víamos há muito tempo e podemos dar um abraço, a mesa de 4 que dá para 5 pessoas, o restaurante que aceita clientes que entrem até as 22h30, o passeio na Marina de Vilamoura com milhares de pessoas mas é ao ar livre … somos assim, provavelmente impossíveis de governar e sermos governados. Ou seja, apenas vivemos bem com o 80, onde somos orientados. 

É sem dúvida um ponto fraco, mas que nos confere características únicas: resiliência, adaptabilidade, transparência, abertura para o mundo, adoramos ajudar, somos informados, defendemos o que é nosso e adoramos sorrir. Se conseguirmos transpor estas características para a administração do país e das empresas, potenciarmos a inovação, criarmos um modelo organizativo, melhorarmos a liderança, temos o “melting pot” para voltarmos a ser uma potência no mundo. Ainda por cima, uma potência que não gera inveja pois somos pequenos e simpáticos. E enquanto todos ficam surpresos pelo nosso sucesso, consolidamo-lo.

Aliás vemos exactamente este processo no programa de vacinação covid: uma liderança bem estabelecida (não é uma pessoa, mas uma equipa), um modelo organizativo militar bem definido, todas as características que nos são familiares e enumerei atrás, que facilitam a implementação. Por exemplo, fomos agora buscar as vacinas que a Noruega não utilizou, porque sabemos negociar win-win e somos flexíveis. Mas comunicámos mal as regras desde o início (as máscaras são o exemplo mais infantil que representa esta realidade), criámos processos complicados (deviam ser KISS – “keep it simple and stupid”) e fomos tolerantes com a má implementação dos mesmos. Ou seja tudo possível de diagnosticar e antecipar, evitando os erros e ameaças bem como minimizando os pontos fracos. Bem sei que gerir uma pandemia que ninguém conhece a dimensão, deve ser muito difícil. Mas socorrermo-nos das práticas da gestão permitiria minimizar muitos problemas graves. Podiam ter feito uma análise swot e avaliavam criteriosamente os riscos e oportunidades de melhoria.

Portanto na essência, o nosso ponto fraco pode ser um ponto forte se considerado passível de ser melhorado. Só sabermos viver no 8 ou 80 não é mau, é uma oportunidade. A questão mais aguda está na liderança das organizações e do país, que definem o modelo organizativo, implementam os processos e melhoram as competências, estimulam a accountability, criam regras de autonomia para adaptar, medem os KPIs, intervêm rapidamente quando algo corre mal (o chamado “killer instinct” na vertente positiva”). 

Mas existe um risco enorme que está relacionado com o formalismo português, que considera o “chefe” como alguém com capacidades acima da média. E muita vezes vemos o  o efeito de Dunning-Kruger na liderança em Portugal.  Justin Kruger e David Dunning, dois professores de psicologia da Universidade de Cornell, argumentaram que as pessoas com poucas competências num domínio tendem a sobrestimar sistematicamente a sua capacidade. Este resultado veio a ficar conhecido como o efeito de Dunning-Kruger. Isso aconteceu com a indefinição, pouca clareza e até contradição nas regras de vacinação das crianças dos 12 aos 15 anos. Até a forma da retoma económica sofre desta indefinição, os nossos líderes já percorreram todas as letras do alfabeto para caracterizar o formato da curva da retoma : retoma em “V”, depois “L”, a seguir “W”, agora uma retoma em “K”, em que, dentro da mesma economia, existem áreas que regressam rapidamente aos níveis anteriores à crise e áreas que continuam, por um período prolongado, a apresentar resultados negativos.

Portanto o nosso problema é duma liderança Krüger Dunning (por vezes, mas nem sempre, nas organizações e na administração do país), bem como subserviência e elevada dependência do estado. Essa figura impessoal e descaracterizada, longe do cidadão comum mas que convém não esquecer, até o inclui como financiador e financiado. 

Em suma, elevemos Portugal ao ranking que merece, o de melhor país do mundo para viver e que pode ser um “diamante por lapidar”!

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