Vítor Ribeirinho: “Quero que a minha história seja a de mais pessoas na KPMG”

Um dia antes de assumir funções, em Outubro de 2021, Vítor Ribeirinho levou a família à sua sala de trabalho. «Disse-lhes que era ali que iria ser feliz nos próximos anos e pedi-lhes para me ajudarem a transformar o espaço», recorda. Nesse dia tirou as mesas e sofás e colocou a secretária pessoal e uma mesa de reuniões. Há ainda fotografias dos filhos e outros objectos de decoração, como uma miniatura de uma carrinha “Pão de Forma”. É ali que grande parte das reuniões de equipa são feitas. É um 16º andar que quer que seja visto pelas suas equipas e igual a todos os outros. O objectivo é tornar a organização mais próxima e colaborativa entre os colaboradores. As salas de reuniões vazias também passaram a ser salas de trabalho. O gestor entrou na KPMG Portugal há 32 anos, onde evoluiu na carreira até chegar a Presidente. No processo de eleição, que teve o envolvimento do global chairman, Bill Thomas, Vítor apresentou a visão e a estratégia para a empresa. Ainda hoje recorda o nervoso miúdinho que sentiu. «Foi absolutamente essencial. E digo sempre aos meus filhos que quando estão nervosos para ir para um qualquer momento da sua vida académica, que este é um factor fundamental para melhorar os níveis de concentração». Com um percurso recheado de momentos marcantes, o gestor subiu a pulso até atingir o topo. «A minha vida é o reflexo daquilo que hoje sou. As nossas histórias vão-se cruzando em vários momentos, às vezes recuamos, outras avançamos, para perceber sinais e ferramentas que nos foram aparecendo. Eu diria que a minha primeira experiência de CEO aconteceu aos 15 anos. Mas CEO do quê, pergunta-me? De um salão de cabeleireiro que era do meu pai porque as dificuldades que existiam na altura (não tinha capacidade financeira para pagar a muitos funcionários) fez com que recorresse aos filhos neste negócio familiar. A minha irmã foi lançada nessa área e eu também tive de me fazer ao caminho, e ajudá-lo no funcionamento do salão, na  Marinha Grande, perto de Leiria.  Isso obrigou a que um miúdo crescesse numa realidade para a qual não estava preparado. Passei a estudar à noite (o pai achava que Vítor seria o sucessor do negócio) mas revelei-me uma autêntica “tragédia” na arte do cabeleireiro. No entanto, mostrei-me um jovem com características diferentes e que naquela época tinha a noção da importância de melhorar a experiência do cliente – por exemplo convenci o meu pai a contratar um engraxador para acrescentar valor aos clientes e diferenciar-nos da concorrência. A particular capacidade que eu tinha com os números fez com que eu também tratasse da gestão da tesouraria do negócio,  das compras da casa,  incluindo nas idas ao supermercado com a minha mãe para controlar  os custos. Olhando para trás, vejo tudo isto com nostalgia, os sacrifícios que a vida me foi trazendo. Mas isso deu-me um crescimento absolutamente notável, o de crescer com o mundo real.

No entanto, aos 18 anos, ainda gestor do salão, aconteceu um momento fundamental. O meu pai constatou que eu tinha jeito para fazer algo diferente e demos o passo seguinte – tomámos a decisão de eu ir para Lisboa estudar (no Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Assumi o compromisso de agarrar e aproveitar esta oportunidade o melhor possível. Nessa altura estávamos em 1986 (ano de adesão de Portugal à CEE) e isso veio associado aos fundos comunitários, muitos dos quaisdirecionados para temas de formação. Para apoiar aquilo que eram as minhas despesas em Lisboa socorri-me dos meus instrumentos de gestão – aprendi primeiro a arte do controlo de custos sobretudo para compensar a ausência de receita.  Desde o primeiro momento procurei ser um aluno organizado e cumpridor porque sabia que não tinha espaço para falhar. O meu papel era o de terminar todos os exames para depois ter uma janela de oportunidade de dois ou três meses para  poder participar em formações remuneradas.

Tentei ser selectivo nestas formações, não só com base na remuneração, mas também com base em áreas onde eu sentia ter maior fragilidade, por exemplo na área da tecnologia. Tive também naquela altura um primeiro contacto para uma realidade, a área da contabilidade e que mais tarde viria a ser relevante e útil na KPMG. E essa oportunidade surge quando uma pessoa da minha Universidade me diz que a Jerónimo Martins estava à procura de finalistas. Assim, em 1990 integrei a Jerónimo Martins na área financeira e conheço duas pessoas muito importantes: uma que era o CFO à época, o Dr. José Quintas, e outro senhor que hoje conhecemos melhor (Pedro Soares dos Santos) mas na altura era apenas o filho do patrão e andava a percorrer as várias áreas da empresa, como se deve fazer  numa organização familiar exemplar.

Esta experiência fez com que eu visse melhor o valor da humildade e a sua importância no crescimento pessoal e profissional. Senão tivermos a experiência do mundo real, muito dificilmente conseguiremos ser bons líderes e exercer os nossos papéis. A segunda lição é que o respeito pelos outros possa ser perpetuado no nosso caminho.  Neste meu percurso de ano e meio (entretanto terminou a Faculdade) tive de tomar uma decisão. O meu chefe, o Senhor Malpique, disse-me: “Vítor, gosto muito do teu trabalho, és uma pessoa empenhada, mas acho que tens duas características inatas que te devem motivar para que procures algo mais. A forma como consegues fazer com que as equipas cresçam contigo e a outra é a fantástica capacidade que tens para ser um engenheiro de pontes entre as pessoas”. Claro que temos de gerir esta nossa competência com cuidado, mas não há nenhum problema em construir pontes, porque essa é a forma certa de encontrar as coisas. E esse momento decisivo traz-me à KPMG em 1991».

Momento decisivo 1: «Quando o meu chefe, senhor Malpique, me ensinou uma lição:  mais importante do que nós são as pessoas que estão à nossa volta. E soube explicar-me porque devia sair de uma empresa que me fazia feliz e na qual teria algo mais para acrescentar. Esse é o momento em que saio da minha zona de conforto, porque tinha uma proposta de emprego quando terminei a minha formação, ingressando numa área que me deu uma abrangência diferente»

A ENTRADA NA KPMG
«A entrada na KPMG aconteceu dois dias depois. Trabalhei até sexta-feira e na segunda-feira seguinte já fazia parte do grupo dos novos staffs que ingressaram na KPMG naquele ano. Estávamos em 1991, na Avenida da República. Entrei depois do meu processo de recrutamento como auditor, no departamento de financial services, um desafio tremendo porque não tinha experiência no sector bancário. Mas a experiência na Jerónimo Martins foi essencial e permitiu-me uma adaptação fácil.No final do primeiro ano, a KPMG Portugal é escolhida pela KPMG global para fazer um projecto de grande dimensão em Angola, tendo sido naquela altura um dos poucos da minha equipa que se voluntariou para integrar este grupo porque este País, em 1992, não era um destino onde muita gente desejasse estar. Foi uma prova de fogo porque nunca pensei estar num meio como esse. Revelou-se uma experiência fundamental e extraordinária. Para mim era um sonho ter um projecto internacional e estar ao mais alto nível com pessoas da nossa organização interna. Tive a oportunidade de crescer muito. Esse projecto acaba por ser interrompido (devido à instabilidade política daquela época) e é retomado quatro anos mais tarde. E adivinhe quem era uma das pessoas na frente de combate para se alistar nas tropas da KPMG: Vítor Ribeirinho. Eu precisava de crescer, de ter mundo. Liderei uma equipa de 20 pessoas da nossa empresa nesse projecto e cerca de 50 pessoas que pertenciam aos quadros do Banco Nacional de Angola. Tinha 27 anos e esta experiência permitiu-me fazer uma aceleração tremenda no meu posicionamento dentro da organização. 

Esse crescimento e essa afirmação dá-me uma dimensão local e internacional. Entre 1995 até 2002 (ano em que fui nomeado Partner) estive associado aos grandes clientes da firma em Portugal. Com 32 anos tornei-me responsável pelo maior cliente de auditoria naquela altura da KPMG, o Banco Comercial Português. E essa fase é absolutamente relevante até 2006. Enquanto sócio responsável pela auditoria deste banco, que na época  caracterizava-se por um grande crescimento internacional, adquiri uma melhor perspectiva de gestão de uma equipa de auditoria a nível global e com representação em vários países como EUA, Polónia, Grécia, França, Luxemburgo, etc…). E tive o privilégio de trabalhar com administradores e gestores de topo, como por exemplo o Eng. Jardim Gonçalves que contribuiram para a minha evolução profissional.
No dia 1 de outubro de 2006 integrei a Comissão Executiva enquanto Head of Audit. Obviamente e com todo o respeito pelos meus colegas foi o reflexo de tudo o que fui fazendo ao longo da minha vida profissional. O melhor conselho que posso dar aos nossos jovens é que nunca nos devemos esconder atrás da nossa imagem, da nossa responsabilidade. Sempre assumi alguns riscos,  tendo  assumido muitas vezes uma responsabilidade maior do que me era exigível. Numa organização que tem estas características e que me permitiu entrar em 1991 como uma mera licenciatura e poder chegar 30 anos depois a presidente da companhia, é uma organização em que temos de estar dispostos a mostrar-nos e a respeitar todos à nossa volta».

Momento decisivo 2:  «É a minha escola enquanto auditor. O BCP estava a expandir-se por todo o mundo, cotado em Nova Iorque, e eu trabalhava directamente com os nossos sócios americanos. Não há nenhum INSEAD ou outra qualquer boa escola de gestão neste mundo que pudesse dar esta experiência. Estar ao lado dos melhores e ser desafiado por eles fez de mim um auditor exigente, com mais capacidade e ganhar resistências onde eu achei que não as teria. Esse caminho fez com que o meu presidente (Sikander Sattar) apoiasse a minha nomeação para o próximo passo».

Momento decisivo 3:  «Um momento de superação, que é o nosso processo de internacionalização e que tem um papel absolutamente decisivo. Em 2011, a KPMG internacional acredita que a KPMG Portugal tem um projecto que pode ser replicado em África. Assim, abraçámos o projecto de relançamen- to de uma operação em Angola. Mais uma vez assumi um papel importante. Dentro da Comissão Executiva fui uma das pessoas que esteve desde o primeiro momento no lançamento da nova KPMG Angola e isso permitiu nos anos mais desafiantes da nossa actividade em Portugal o equilíbrio do crescimento e das vendas. Mais uma vez esta experiência reforçou o capital de confiança meu  e dos meus sócios e, em Abril de 2021, quando abrimos o processo eleitoral para eleição do novo Presidente da KPMG Portugal houve apenas a minha candidatura. Isso fez com que eu acreditasse que os meus sócios estavam unidos e reunidos à volta de um líder que estava a emergir. Com a fortíssima unanimidade que senti naquele momento à minha volta tudo se torna mais fácil».

DESAFIOS
«Em 2016 com a nomeação do então nosso Presidente Sikander Sattar para Chairman da região EMA (Europa, Médio Oriente e África) há uma decisão fundamental e que me coloca num patamar importante para o meu futuro.  Assumo o cargo de vice-presidente da firma, mas diria um vice-presidente  com responsabilidades “alargadas” porque o tempo que o Sikander teve de passar a exercer a sua função internacional, permitiu-me crescer. Mais uma vez crescer até acima das minhas responsabilidades, dando o corpo às balas, e num período bastante conturbado com enormes desafios de mercado e regulatórios (nomeadamente com clientes, à época o BES).

As nossas forças nem sempre  são feitas de bons momentos e tivemos alguns anos difíceis para a nossa organização. Mas demonstrei à minha partnership que reuni o capital de confiança, credibilidade e visão para aquilo que se iria seguir. E aquilo que muita pouca gente sabe, se calhar fora da nossa organização, é que a KPMG mesmo no período mais complicado nunca deixou de se afirmar e de crescer. Num sector desafiante conseguimos encontrar os mecanismos necessários, afirmando e ganhando a confiança das nossas pessoas. A expe riência que adquiri dentro desta casa, olhar uma empresa de baixo para cima e conhecer as dificuldades em cada passo e a forma como encontramos o caminho, é um capital de confiança que consegui transmitir às nossas pessoas. E uma coisa importante, é que a KPMG não nomeia o seu CEO, elege o CEO e isso faz toda a diferença na legitimidade do líder. Este período de cinco anos que terminou em 2021, foi absolutamente decisivo porque tive num balão de ensaio, laboratório, se quiser, a testar as minhas capacidades e competências sobre o quanto a firma acreditava ou não se o Vítor podia ser a pessoa que estava preparada para dar o passo seguinte».

Momento decisivo 4:  «Ultrapassar o desfecho de todo este processo. A forma como a KPMG Portugal conseguiu demonstrar com honestidade e profissionalismo perante o mercado a capacidade para suportar muitas das coisas que nos foram apontadas, como as pressões exercidas pelos media, re- guladores e até clientes».

FUTURO
«No dia 1 de Outubro de 2021 (Sikander Sattar tinha atingido a limitação de mandatos defininida nas regras internas de Governance) iniciei  as funções de presidente da KPMG Portugal. Na KPMG em todo o mundo, os sócios são convidados a apresentar as suas candidaturas, esta é a política também aplicável em Portugal. O senior partner abre um processo eleitoral durante um mês e quem desejar apresenta as suas candidaturas. Depois disso há o envolvimento da estrutura internacional. E uma avaliação prévia de todos os candidatos e só depois disso é que eles são aprovados para as eleições.Em Portugal e no meu caso, a minha foi uma candidatura única, que interpretei em primeira mão como um sinal positivo dos meus sócios, e que se seguiu à luz verde do global chairman da KPMG – Bill Thomas. Isto permitiu-me, e digo com muito orgulho, que tive mais de 150 horas de reuniões com os meus cerca de 50 sócios para discutir a minha visão estratégica que tive a oportunidade de mostrar mais tarde e receber o seu voto favorável. Hoje temos uma empresa diferente, com uma dinâmica renovada. Era legítimo que os meus sócios tivessem dúvidas sobre se isto era apenas continuar na mesma estrada que seguimos até 2021. Mas não é de todo a minha forma de estar. Tentei trazer uma dinâmica diferente, integrámos elementos novos na Comissão Executiva, com uma forma diferente de pensar a organização. Sou hoje seguramente uma pessoa menos centralizadora. Não é uma crítica, é uma forma de interpretar a Gestão, mas que traz agilidade, um compromisso diferente aos meus sócios e altera o papel que  a partnership tem naquilo que são as grandes decisões
da organização.

Há um conjunto de Comités que trazem todos os sócios e não apenas os que estão sentados na Comissão Executiva para níveis de decisão que antes eram muito mais difíceis. Ter uma organização mais próxima e que respira melhor, mais solta e mais leve. Um registo que procura preconizar não só a imagem do Presidente mas de toda a Partnership. Estou no início do primeiro mandato, tenho no meu currículo umas honrosas 950 pessoas contratadas em dois anos, que são números estonteantes. Gosto de pensar que a minha organização olha para mim com sentido de orgulho, como alguém que não fará tudo bem, longe disso, não fará tudo aquilo que eles gostariam que eu fizesse, também longe disso. Esta casa é uma casa em que os accionistas exigem resultados, crescimento e rentabilidade. Esta minha forma de estar na vida fez com que grande parte das pessoas acreditasse que seria a pessoa certa neste momento para ajudar a empresa a crescer. Acredito que histórias como a minha são mais fáceis de contar se as empresas fizerem o seu caminho. Nesta casa podemos ser aquilo que quisermos ser. Trabalho numa organização que amo e ajudei a construir.»

Momento decisivo 5:  «Momento formal em que eu tenho oportunidade de apresentar a minha moção estratégica. Tem um mérito que resulta de um condicionalismo: o facto de ter sido candidato único à KPMG Portugal permitiu-me fazer uma discussão sem nenhum outro interesse, que não fosse apenas e só, recolher aquilo que de melhor cada um dos nossos sócios tinha para a organização. Uma das coisas que melhorou e aumentou o respeito que as pessoas têm por mim, foi integrar nessas conversas individuais os sócios mais velhos, os mais novos e os associate partners, que nem sequer votam. Acredito que é possível construir uma visão estratégica conjugada com aquilo que é a visão de todos».   

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