Vem aí o Euro Digital: É a aposta certa?

A Comissão Europeia propôs um euro digital, versão virtual da moeda única, emitido pelo Banco Central Europeu (BCE) e distribuído pelos bancos da União Europeia (UE), para ser aceite na Zona Euro, gratuito e disponível sem internet. A instituição sugere então um euro digital para, à semelhança do numerário, estar «disponível juntamente com os meios de pagamento privados nacionais e internacionais existentes, tais como cartões ou aplicações». «Funcionaria como uma carteira digital e as pessoas e as empresas poderiam pagar com o euro digital em qualquer altura e em qualquer lugar da Zona Euro. Significativamente, estaria disponível para pagamentos tanto online como offline, ou seja, os pagamentos poderiam ser efectuados de dispositivo para dispositivo sem ligação à internet, a partir de uma área remota ou de um parque de estacionamento subterrâneo, enquanto as transacções online ofereceriam o mesmo nível de privacidade dos dados que os meios de pagamento digitais existentes», explica a Comissão Europeia, em declarações citadas pela agência Lusa. 

 «A procura na sociedade europeia por pagamentos na forma digital e por formas de comércio online é cada vez maior, até porque foi fortemente acelerada durante a pandemia. Embora o numerário continue a ser uma das principais formas de pagamento para transacções de mais baixo valor, no âmbito de uma economia digital mais plena, surge a necessidade de criar numerário em forma digital. Assim, o euro digital é uma resposta do Banco Central a esta procura por pagamentos digitais que visa melhorar a estabilidade da própria moeda comum, proporcionando maior segurança nas transacções, reduzir custos, não deixando de lado preocupações com a inclusão financeira», explica David Brito, director-geral da Ebury, à Risco.
Entre as principais hipotéticas vantagens do euro digital, encontramos a segurança e privacidade, pois um euro digital permitiria pagamentos sem compartilhar dados com terceiros, a menos que seja necessário para evitar actividades ilícitas. Também pode trazer benefícios em termos de redução de custos de transacção, uma vez que se espera maior concorrência entre os players responsáveis pelo processamento e depósito do euro digital; maior rastreabilidade de pagamentos quando comparado com o numerário; inclusão financeira e maior protecção ao consumidor. 

«A título de exemplo poderia ser possível ter os euros digitais numa “wallet” no telemóvel e fazer esses mesmos pagamentos de forma online ou mesmo offline. Vemos o euro digital como uma oportunidade de evolução e desenvolvimento do sistema de pagamentos europeu, desenvolvimento este onde as fintech terão seguramente papel activo. A Europa deve colocar esforços para avançar e inovar. O euro, como segunda moeda mais transaccionada no mundo, não se deve atrasar neste processo, pois outros bancos centrais estão a avançar e também porque poderá ser a resposta à possível concorrência de criptomoedas. Sem dúvida que existem muitos desafios, como a garantia da preservação da privacidade e protecção de dados ou a criação de mecanismos de defesa em relação à cibersegurança, mas estamos certos de que o futuro será cada vez mais digital e o BCE está a fazer todos os esforços para avançar com segurança», conclui David Brito, director-geral da Ebury.
Previsto está ainda que «os bancos e outros prestadores de serviços de pagamento em toda a UE distribuam o euro digital aos cidadãos e às empresas», sendo que «os serviços básicos do euro digital seriam fornecidos gratuitamente aos particulares». «Para promover a inclusão financeira, as pessoas que não tenham uma conta bancária poderão abrir e manter uma numa estação de correios ou noutra entidade pública, como uma autarquia local», destaca a Comissão Europeia, ressalvando que «a conta seria também fácil de utilizar, incluindo para pessoas com deficiência».

Para isso, os comerciantes de toda a área do euro seriam obrigados a aceitar o euro digital, excepto aqueles de muito pequena dimensão que optassem por não aceitar pagamentos digitais, dado o custo de criação de novas infra-estruturas. À semelhança do numerário, o euro digital será responsabilidade do BCE, pelo que a proposta apenas estabelece o quadro jurídico e os elementos essenciais do euro digital e terá de ter aval do Parlamento e do Conselho. Caberá ao BCE decidir se e quando emitir o euro digital, num projecto que exigirá trabalho técnico suplementar do banco central.
Um euro digital será uma forma electrónica de moeda única acessível a todos os cidadãos e empresas – tal como as notas de euro, mas em formato digital –, permitindo, por exemplo, realizar pagamentos diários. Funcionará, então, como um complemento às notas e moedas de euro sem as substituir. Uma moeda digital é um activo semelhante ao dinheiro que é armazenado ou trocado através de sistemas online, sendo que, no caso do euro, será gerida pelo banco central.

Foi também proposto um curso legal das notas e moedas de euro, para assim «salvaguardar a aceitação contínua e generalizada do numerário em toda a área do euro e assegurar igualmente que as pessoas tenham acesso suficiente a numerário», prevendo então que cada cidadão escolha «livremente o seu método de pagamento». Para isso, Bruxelas insta os Estados-membros a assegurarem esta aceitação de moedas e notas, pedindo relatórios sobre a situação e medidas para resolver problemas identificados. «A Comissão poderá intervir para especificar medidas, se necessárias», adianta a instituição.
«O Banco Central Europeu pretende acompanhar o fenómeno à volta dos criptoactivos que estão a obrigar as instituições a inovar e a acelerar o processo de digitalização. A possível introdução do euro digital tem como objectivo servir como um meio de pagamento electrónico que qualquer pessoa poderia utilizar na Zona Euro. Esta alternativa ao dinheiro físico seria tão ou mais segura e fácil de se utilizar. No entanto, levanta uma série de questões sobre a sua implementação e que vão contra o propósito da criação das criptomoedas – a descentralização. Se o BCE avançar com a circulação do euro digital, então o controlo do banco central sobre o dinheiro dos utilizadores é total, traduzindo-se em riscos e perdas de autonomia a nível financeiro. A juntar a isto, passa a ser possível fazer todo o “tracking” dos gastos dos consumidores a partir do momento em que o utilizador faz operações na rede blockchain, ou seja, a introdução do euro digital acaba por trazer ainda mais centralização do poder. Para quem é céptico em relação à utilidade das criptomoedas, esta poderá de facto ser uma alternativa, mas, para os puristas, esta alternativa não faz qualquer sentido», explica Henrique Tomé, analista financeiro da XTB, à Risco. 

A posição do FMI
O Fundo Monetário Internacional mostrou-se igualmente favorável a que a União Europeia explore a criação de um euro digital para não ficar atrás de outras potências, mas pediu para que seja cautelosa e cuidadosa na concretização do mesmo.
«A realidade é que a UE não pode ser deixada de fora do que está a acontecer no resto do mundo. É bom que esteja a embarcar nesta viagem», disse a directora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, numa conferência de imprensa no Luxemburgo, onde participa na reunião dos ministros das Finanças europeus. A este respeito, Georgieva sublinhou que «é muito importante que a UE seja muito cautelosa e cuidadosa sobre a forma como o desenvolvimento do euro digital irá decorrer», afirmou, citada pela agência Lusa.
A directora-geral afirmou que «está a ser prestada muita atenção a esta questão» e que o calendário estabelecido pela UE permite um diálogo com os bancos para «garantir que não haja perturbações na forma como os bancos contribuem para o crescimento e o bem-estar da Europa». Sublinhou também que, actualmente, mais de 155 países estão em diferentes fases de desenvolvimento de moedas digitais apoiadas por bancos centrais e que alguns fizeram progressos bastante significativos, como as Bahamas, o primeiro a cruzar a linha de chegada com a criação do “sand dollar”, considerada a primeira moeda digital do mundo emitida por um banco central.
Mas «o mais interessante» é a evolução do desenvolvimento do yuan digital na China, com um projecto-piloto que abrange 188 milhões de participantes. «A UE está a fazer o que é correcto ao não ficar para trás nestes desenvolvimentos», afirmou. O BCE concluirá no Outono a fase de investigação sobre o euro digital, que começou em 2021, e decidirá em Outubro se deve prosseguir com o seu desenvolvimento, embora a decisão de colocá-lo finalmente em circulação venha mais tarde se e quando houver apoio político dos Estados-membros. Algumas das questões abordadas são a utilização que pode ser dada ao euro digital, as garantias de privacidade, estabilidade e inclusão financeira, o funcionamento prático do ponto de vista tecnológico, quem o distribuirá, como será compensado e quem pagará os custos associados à moeda.

Vantagens e regulação
Fabio Panetta, membro da Comissão Executiva do BCE, e Valdis Dombrovskis, vice-presidente executivo da Comissão Europeia, escreveram um artigo de opinião em vários jornais europeus sobre o tema. Para os consumidores, o euro digital traria muitas vantagens práticas. Seria simples de utilizar e sem custos. Independentemente de onde estivessem na área do euro, as pessoas poderiam realizar pagamentos de forma gratuita com os seus euros digitais, por exemplo, utilizando uma carteira digital nos seus telemóveis. Nem sequer teriam de o fazer online, poderiam fazê-lo offline.
«A protecção da privacidade é um elemento vital do euro digital. O BCE não veria nem os dados pessoais nem os padrões de pagamento dos utilizadores. A funcionalidade de pagamentos offline proporcionaria também um grau de privacidade de dados mais elevado do que qualquer outro método de pagamento digital actualmente disponível.» Segundo os autores, um euro digital reduziria igualmente as comissões de pagamento para os consumidores, ao estimular a concorrência na Europa. Presentemente, dois terços dos pagamentos de retalho digitais na Europa são processados por um pequeno número de empresas internacionais. Graças a uma maior concorrência, os comerciantes e respectivos clientes beneficiariam de serviços mais baratos.


«Para os bancos e outros prestadores de serviços de pagamento, o euro digital funcionaria como trampolim para o desenvolvimento de novos serviços financeiros e pagamentos pan-europeus, estimulando a inovação e facilitando a concorrência com as grandes empresas tecnológicas e financeiras não europeias. Incluiria salvaguardas, como limites aos montantes que as pessoas poderiam deter, a fim de evitar saídas consideráveis de depósitos dos bancos. No entanto, os utilizadores que pretendessem pagar mais do que os limites fixados poderiam fazê-lo ligando a sua carteira digital à conta bancária.»
«Existem também importantes vantagens estratégicas em ter um euro digital. Como o maior mercado único do mundo, a Europa não pode ficar parada enquanto outras jurisdições avançam. Caso viesse a ser permitida a utilização mais generalizada de outras moedas digitais de bancos centrais para pagamentos transfronteiras, correríamos o risco de o euro perder atractividade – actualmente a moeda mais importante do mundo a seguir ao dólar dos EUA. Além disso, o euro poderia ficar mais exposto à concorrência de alternativas como as criptomoedas estáveis mundiais. Em última análise, tal poderia pôr em perigo a nossa soberania monetária e a estabilidade do sector financeiro europeu», sublinham.
«Um euro digital aumentaria também a integridade e a segurança do sistema de pagamentos europeu, numa altura em que as crescentes tensões geopolíticas nos tornam mais vulneráveis a ataques à nossa infra-estrutura crítica. Ao ter por base infra-estruturas europeias, o sistema estaria mais bem equipado para resistir a perturbações, como ciberataques e cortes de energia», dizem. 

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