“Traição”: ‘Facada nas costas’ que Erdogan deu a Putin incendeia ira de Moscovo

A Turquia tentou manter-se relativamente à distância das tensões entre Rússia e Ucrânia, com o eclodir da guerra e desenvolvimento do conflito, mas Putin sempre viu Recep Tayyip Erdogan como aliado, relatando até ter recebido o seu “total apoio” aquando da rebelião do Grupo Wagner. No entanto, a relação entre os dois líderes vive agora dias difíceis, com acusações de “traição”.

Erdogan revelou-se essencial na articulação do Acordo dos Cereais, e até tem estado a preparar a sua prorrogação, mas também estes esforços podem cair por terra, perante uma ira inflamada em Moscovo devido à ‘facada nas costas’ que o Presidente turco deu ao seu homólogo russo.

A visita de Volodymyr Zelensky à Turquia revelou-se um surpreendente sucesso, com Erdogan a manifestar o seu apoio à adesão da Ucrânia à Aliança Atlântica. “Sem dúvida que a Ucrânia merece aderir à Nato”, sustentou, e a afirmação caiu como uma bomba no Kremlin.

Pior: o presidente turco permitiu que Zelensky voltasse para a Ucrânia com cinco comandantes do Batalhão Azov capturados pelos russos em Mariupol, e que tinham sido libertados por Moscovo sob condição de ficarem na Turquia até ao final da guerra.

Nas redes sociais, em canais de responsáveis militares e políticos, e nos que se dedicam a acompanhar a invasão russa à Ucrânia, há uma palavra que é repetida até à exaustão: “Traição”.

Sergei Markov, ex-conselheiro da Presidência russa, classificou o episódio como “um insulto”, enquanto o porta-voz do Kremlin sustentou que o regresso dos soldados capturados à Ucrânia “nada mais é do que uma violação direta dos acordos existentes”, lamentando que as autoridades russas não tenham sido informadas previamente.

Se o Ocidente via Erdogan próximo de Putin, agora poderá haver lugar a um afastamento, com os casos a realçarem a debilidade da relação entre os dois, e com o líder russo a ver agora as verdadeiras cores do seu homólogo turco.

Já esta segunda-feira, a Turquia apresentou como condição para a ratificação da candidatura da Suécia à Nato que seja aprovada primeiro a adesão de Ancara à União Europeia (UE).

Acontece que a Turquia tem interesses geopolíticos na guerra na Ucrânia, e não é do seu maior interesse que a Rússia triunfe.

“A Rússia quer unir o mar de Azov e o mar Negro em um grande mar russo. A ponte Kerch [que liga a península da Crimeia à Rússia] é um símbolo disso. Tanto a Turquia quanto a Ucrânia querem evitá-lo”, sustenta Thomas Jäger, professor na Universidade de Colonia, citado pelo El Confidencial.

Assim, a ideia é manter o equilíbrio de forças que tem mantido até aqui, numa política de ‘dar com uma mão e tirar com outra’. Se a Turquia apoiou a Ucrânia com armamento e drones, é verdade que também apoia a Rússia com pacotes financeiros e ajudou Moscovo a contornar sanções ocidentais.

A Rússia parece ter percebido o jogo de Ancara, e terá considerado que tem mais a ganhar do que a perder ao manter as relações com a Turquia.

“Pretendemos continuar as nossas relações com a Turquia. São verdadeiramente versáteis. E continuaremos a cooperação económica e comercial mutuamente benéfica”, sustentou Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, ao final desta segunda-feira, manifestando uma súbita mudança de posição.

O mesmo sustentou o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, após conversa com responsáveis turcos. “Os ministros reafirmaram a necessidade de manter e fortalecer os laços de confiança entre Moscovo e Ancara”, lê-se no comunicado.

Pelo menos enquanto Erdogan tiver qualquer coisa na mão para oferecer.

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