MIT: Porque é que bons líderes fracassam

Frequentemente, é difícil compreender porque é que um líder com um historial de sucesso de repente e inesperadamente não vai ao encontro das expectativas. Esta forma aparentemente abrupta e imprevisível de fracasso da liderança – a que nos referimos como “descarrilamento do líder” – pode ser um resultado difícil de compreender e de gerir pelas organizações.

Ainda antes da pandemia, o fracasso imprevisto da liderança era um problema generalizado entre as organizações, com uma estimativa de 50% dos líderes a fracassar (o que significa que metade dos que são inicialmente bem-sucedidos acabarão por ser despedidos). O fracasso da liderança há muito que representa um risco financeiro significativo para as organizações, dados os custos de recrutamento, selecção, integração e formação de líderes substitutos – custos que podem chegar até três vezes o salário de um executivo, em alguns casos. O fracasso da liderança pode também ter efeitos colaterais negativos na produtividade de outros membros da organização, bem como no moral e reputação da empresa. Isto é particularmente verdade quando os líderes foram bem-sucedidos no início e se esperava que continuassem a ter um desempenho de alto nível.

A nossa investigação fornece uma visão alargada sobre o fracasso da liderança, oferecendo às organizações e aos seus membros possíveis razões pelas quais um líder se desvia do seu rumo e, mais importante, como evitar estes descarrilamentos em primeiro lugar.

O PROBLEMA DE CULPAR A PERSONALIDADE DE UM LÍDER

Boa parte das pesquisas anteriores assumiu que os líderes que estão em risco de descarrilar – ou que já descarrilaram – possuem falhas de personalidade ou envolvem-se em comportamentos que não são adequados para a liderança. Estas análises aludem a traços de personalidade arraigados que são indesejáveis e susceptíveis de levar ao fracasso. Traços que incluem argumentação, arrogância, egocentrismo, agressividade e volatilidade. Outras características que têm sido associadas ao descarrilamento do líder incluem a falta de autoconsciência e de confiança, bem como a procura de conflitos e a indiferença.

Há muitos exemplos na vida real de líderes que fracassam porque os seus traços narcisistas resultam em comportamentos pouco éticos e egoístas (por exemplo, Enron) ou num ambiente de trabalho tóxico (por exemplo, Uber). E embora em alguns casos a personalidade de um líder possa realmente ser o factor determinante do seu próprio descarrilamento, existem numerosas outras causas potenciais. Embora seja tentador atribuir a queda de líderes bem-sucedidos às suas falhas de carácter, os humanos são susceptíveis a uma forma de preconceito cognitivo conhecido como o erro de atribuição fundamental – uma tendência para atribuir as acções de outras pessoas a características individuais e o nosso próprio comportamento a circunstâncias externas. Consequentemente, concluir que os líderes são sempre os únicos responsáveis pelos seus fracassos pode ser prematuro. O problema de culpar a personalidade de um líder é que ignora o papel que o contexto organizacional desempenha na explicação do que os líderes fazem, como o fazem, e porquê.

Exemplo: a pandemia ofereceu exemplos claros do descarrilamento de líderes devido a factores externos. Por exemplo, a ideia de ter crianças em casa, enquanto ao mesmo tempo se tenta trabalhar um dia de trabalho completo (ininterrupto) rapidamente se revelou insustentável. Esta circunstância tem sido especialmente desafiante para as mulheres líderes a quem – independentemente da educação ou rendimentos – é relegada a maior parte dos cuidados infantis e das tarefas domésticas. O resultado é que, no final de 2020, «quase três milhões de mulheres norte-americanas perderam os seus empregos ou deixaram a força de trabalho». Estas mulheres estão a afastar-se de posições de liderança e de uma maior progressão devido a restrições contextuais e não por causa de qualquer tipo de traço de personalidade “sombrio” (ou por falta de tentativas).

O PROBLEMA DE SE CONCENTRAR APENAS NO DESEMPENHO

Persiste uma ilusão de objectividade nas avaliações de desempenho. Queremos acreditar que se as organizações utilizarem métricas explícitas e quantificáveis, podem livrar-se de armadilhas perceptuais. Por exemplo, podemos assumir que, dadas as extremas restrições contextuais da pandemia, um líder de alto desempenho que continua a demonstrar um desempenho consistente e forte deve ser visto favoravelmente. No entanto, quando se trata do descarrilamento do líder, a investigação sugere que consistência no desempenho não é suficiente. Pelo contrário, os líderes podem ser vistos como um descarrilamento aos olhos das suas organizações se não demonstrarem uma tendência ascendente no seu desempenho.

No nosso trabalho sobre este tópico, analisámos como as mudanças nas exigências do trabalho, que normalmente acompanham o progresso da liderança, podem vir a alimentar a subjectividade nas avaliações de desempenho. À medida que os líderes ascendem a posições mais elevadas, as exigências que correspondem aos seus cargos aumentam naturalmente. No entanto, mesmo perante o aumento das exigências, as expectativas organizacionais permanecem muitas vezes inalteradas: espera-se uma trajectória ascendente. Pouco se pensa nas realidades associadas à ascensão a um novo cargo, que normalmente incluem a necessidade de o líder se ajustar a um novo grupo, assim como assumir novas responsabilidades e ganhar novas competências.

Por outras palavras, para muitos líderes, a sua capacidade de desempenhar a níveis cada vez mais elevados abranda naturalmente à medida que gastam tempo a aprender e a ajustar-se às suas novas responsabilidades. No entanto, as organizações ainda sentem frequentemente este “aumento reduzido de desempenho” de forma negativa, mesmo que os seus líderes recentemente promovidos estejam a ter um bom desempenho nas suas novas responsabilidades.

Voltando ao nosso exemplo pandémico relativamente ao descarrilamento de mulheres líderes, vejamos como as organizações têm respondido às mudanças nas exigências do trabalho. No campo dos cuidados de saúde, por exemplo, o aumento da quantidade e urgência do trabalho traduziu-se numa maior necessidade e procura de mais horas de trabalho. No entanto, para além das medidas provisórias, como horários flexíveis e licenças não remuneradas, as expectativas de desempenho ligadas ao número e duração de turnos permanecem em grande parte as mesmas. O que tem sido ignorado são as condições bélicas em que estas horas têm sido registadas; com o número de mortes nos EUA a exceder 500 mil no início de 2021, espera-se que os profissionais de saúde prestem cuidados da mais alta qualidade num contexto em que o aumento da carga de trabalho e outras pressões têm exigido um significativo custo psicológico. Resultado: os líderes, muitos deles mulheres, estão a abandonar os cuidados de saúde e outros campos que se têm mostrado relutantes ou incapazes de se adaptar ao contexto em que o desempenho dos líderes é avaliado.

EVITAR O DESCARRILAMENTO DOS LÍDERES

Em geral, mas especialmente durante crises que podem agravar as forças externas, tentar eliminar os maus líderes concentrando-se nos seus traços de personalidade não é uma estratégia de sucesso. (De facto, a maioria dos nossos actuais mecanismos de selecção que envolvem a personalidade favorecem efectivamente a selecção de líderes com o tipo de confiança que se pode transformar em arrogância e o tipo de ousadia que pode levar à impulsividade.) Concentrarmo-nos puramente no desempenho, ignorando as mudanças dramáticas nas exigências contextuais dos líderes, argumentamos, é também uma estratégia condenada ao fracasso.

Em vez disso, vemos quatro áreas em que as organizações devem concentrar-se para conseguir evitar futuros descarrilamentos através da detecção precoce e de melhores sistemas de apoio. Cada área representa um tipo diferente de exigência que os líderes muitas vezes enfrentam nas suas funções.

– Exigências do cargo. Paradoxalmente, quanto mais um indivíduo progride ao longo de uma trajectória de liderança, menor é a probabilidade de que receba formação e desenvolvimento específicos e adequados ao nível do cargo. Da mesma forma, embora as organizações despendam frequentemente esforços significativos para assegurar um alinhamento entre as características e o contexto para os colaboradores na fase de recrutamento, esse alinhamento é muitas vezes confundido com o registo de alto desempenho de um líder estabelecido. As organizações têm menos probabilidades de avaliar rigorosamente os líderes historicamente bem-sucedidos tendo especificamente em conta o alinhamento com contextos novos ou alterados.

– Exigências da equipa. Quando o papel de um líder muda o suficiente para envolver alterações dentro de uma equipa, podem vir a surgir desafios no estabelecimento ou até na manutenção de um alinhamento com e entre todos os membros da equipa. Conflitos devido a diferenças de personalidade ou estilos de trabalho conflituosos, por exemplo, podem resultar num desempenho reduzido da equipa que, mesmo que fora do controlo do líder, pode, no entanto, ser atribuído ao mesmo.

Além disso, mesmo quando indivíduos de alto desempenho continuam a funcionar bem nas suas novas funções de liderança, o seu forte desempenho pode passar despercebido se os seus pares também se estiverem a sair bem. Nesses casos, o alto desempenho é a norma e pode mesmo ser visto como um desempenho médio.

Para apoiar os líderes na familiarização com as suas novas equipas e as suas novas expectativas de desempenho, as organizações devem fornecer feedback a nível de pares. Além disso, devem apoiar os líderes, facilitando reuniões estratégicas e a formação de equipas para melhorar a comunicação e a colaboração a vários níveis.

– Exigências organizacionais. Quando mudanças organizacionais significativas como fusões e aquisições ocorrem e geram mudanças na visão estratégica e no pessoal, os líderes são frequentemente responsáveis por assegurarem uma transição suave para os colaboradores que supervisionam. Entende-se que os colaboradores precisam de tempo e recursos para fazer ajustamentos à miríade de possíveis mudanças que podem ocorrer em tais circunstâncias. É também verdade que os próprios líderes precisam de tempo e recursos para se ajustarem – algo que é frequentemente ignorado.

Como ponto de partida, as organizações precisam de assegurar que os líderes estão envolvidos e empenhados nas iniciativas organizacionais que resultarão em mudanças para eles e para os colaboradores que supervisionam. As organizações podem utilizar inquéritos sobre o ambiente de trabalho e o envolvimento durante períodos de mudança para detectar pontos problemáticos. Os próprios líderes também precisam do apoio, tempo e recursos adequados para fazerem as correcções necessárias nas suas próprias funções.

– Exigências ambientais externas. Quando os líderes enfrentam desafios externos às suas funções, equipas e organizações – tais como nas suas vidas pessoais, quando têm de cuidar de um progenitor idoso ou de apoiar membros da família que perderam os seus empregos –, eles precisam de recursos no local de trabalho para serem capazes de lidar adequadamente com estas exigências. No entanto, há frequentemente mais margem de manobra entre os colaboradores que permitem ajustamentos como horários flexíveis ou a transferência temporária de responsabilidades para outros. Os líderes carecem muitas vezes da capacidade de utilizar tais recursos e espera-se implicitamente que lidem com quaisquer desafios externos que surjam sem perturbar as suas rotinas de trabalho.

Tal como fazem frequentemente para os outros colaboradores, as organizações devem identificar pró-activamente ferramentas de apoio a que os líderes recorrem. Os horários de trabalho flexíveis ajudam os líderes a lidar com mudanças nas suas vidas pessoais, embora as questões importantes sejam frequentemente urgentes e inevitáveis. Outras vias de apoio – como a criação de um conjunto de outros líderes que podem assumir cargos temporária e responsavelmente, reuniões com pares que ajudam a apoiar a saúde mental, e tempo de férias imposto – ajudam a recarregar a energia de um líder enquanto a empresa executa estruturas e rotinas flexíveis de mudança de cargos na ausência do líder. É importante que as organizações normalizem a capacidade de recorrer a estes apoios, para que os líderes não sejam punidos injustamente quando as circunstâncias exigem assistência ou correcções.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 182 de Maio de 2021

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