Os mobilizadores de novas tendências no setor financeiro

A tecnologia avança a um ritmo vertiginoso. O mundo testemunha grandes avanços em termos de inovação das actividades financeiras, com a banca digital. De acordo com Antonio Garcia Pascual e Fabio M. Natalucci, especialistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), e autores de diversos estudos, esta disrupção força a banca tradicional a inovar para continuar relevante no mercado. Para os consumidores, isto significa acesso a mais e melhores serviços. 

Para João Guerra, CEO da Nickel em Portugal, existem três níveis de desafios para os neobanks no contexto actual: estratégico, geográfico e contextual. O primeiro prende-se essencialmente com a rentabilidade, uma vez que o modelo de negócio dos neobanks para ser rentável precisa de começar a focar-se muito mais cedo na sua monetização e não apenas em ganhar escala indefinidamente, indo além de um serviço ao cliente de excelência, ou de apresentar um produto fora de série com uma estratégia de mercado exímia. Depois, dada a crescente pressão a nível de regulação, o desafio geográfico torna-se complexo à medida que os neobanks procuram expandir para novas localizações. Manter-se ágeis, enquanto escalam as suas equipas em períodos muito reduzidos de tempo, torna-se, por vezes, um desafio a gerir, dado que cada região exige um cumprimento regulatório local.

Por fim, um desafio contextual, dado que a crise sanitária que vivemos recentemente cristalizou as vantagens e desafios dos neobanks; se, por um lado, a pandemia provocou a aceleração da digitalização e o aumento de contas exclusivamente online, por outro, este rápido crescimento nem sempre permitiu que fosse gerada uma relação de confiança com os novos players, algo que continuou a beneficiar, pelo menos numa primeira fase, os actores da banca tradicional.
«Na esfera das oportunidades, importa destacar alguns aspectos que foram cruciais para assistirmos ao crescimento do fenómeno dos neobanks, também muitos deles relacionados com a digitalização anteriormente mencionada. Começo por apontar a oportunidade óbvia de inovar a nível de experiência do consumidor em muitos mercados onde a banca tradicional não conseguiu fazê-lo de forma rápida o suficiente.
Os neobanks conseguem, pela sua natureza, apresentar mais facilmente um serviço digital de excelência, com experiências premium para os utilizadores e óptimo serviço ao cliente. Depois, a evolução tecnológica e, em específico, as soluções “plug & play” permitiram a construção de neobanks de forma muito célere e numa lógica de fácil e rápida utilização. Por fim, as histórias de sucesso dos pioneiros da indústria, que em pouco tempo se tornaram referência enquanto bancos digitais de rápido crescimento, demonstraram um caminho claro a percorrer para muitos projectos que hoje conhecemos como neobanks, um pouco por todo o mundo.»

No caso da Nickel, adianta o CEO, «o sucesso que conhecemos deve-se também e, sobretudo, àquilo que representamos: renovação, liberdade e possibilidade de escolha. Acreditamos realmente que o nosso modelo é um dos mais promissores da Europa e é especialmente único em comparação com outros neobanks. Em primeiro lugar, somos lucrativos, já que não nos baseamos no modelo “freemium”, muito exigente, mas sim num modelo de preço muito justo. Já a nossa estratégia de “mass market” é também bastante ímpar, pois consideramos todos os nossos clientes com a mesma atenção. Todos são legítimos para serem respeitados e ter acesso ao melhor produto. Por outro lado, sabemos que o digital e a tecnologia não são suficientes. Para assegurar a referida estratégia de “mass market”, construímos um posicionamento singular, um modelo de negócio híbrido, assente numa rede muito densa de pontos de venda do comércio local, distribuídos por todo o território (papelarias, tabacarias), e isso é também parte da magia. Por fim, conseguimos o equilíbrio entre ter o mesmo produto Nickel, qualquer que seja o país onde está localizado, a mesma plataforma, a mesma promessa, o mesmo preço e sempre com as redes de distribuição local ancoradas na vida das pessoas, com uma “localização” da marca, somos portugueses em Portugal, espanhóis em Espanha e não apenas outra qualquer nova solução internacional». 

Era digital
Os neobanks estão intrinsecamente associados à digitalização, que foi muito acelerada pelo contexto da pandemia e que proporcionou um desenvolvimento fugaz das novas tecnologias nesta área, por força da necessidade de tornar o sector acessível a todos. «Deste modo, parece-me que esse futuro irá envolver uma clara aposta no investimento e desenvolvimento de ferramentas digitais que simplifiquem todo o sector financeiro, assumindo os neobanks o papel de mobilizadores de novas tendências, como será o caso das novas formas de utilização do dinheiro, das quais muitas virão a desaparecer, mas outras se tornarão o “standard”. É também sob esta premissa que se realça a importância de liderarem o desenvolvimento de uma economia digital e cashless, enquanto promovem o fácil acesso aos serviços financeiros, cada vez mais disponíveis na palma da mão, ao alcance de todos e sem as restrições de tempo e as burocracias muitas vezes associadas ao sector», explica João Guerra. 

Para este responsável, o principal desafio para um líder da banca digital será encontrar o equilíbrio e gerir os “trade-offs” que lhe permitam ser rentável, conseguir uma escala geográfica e, ao mesmo tempo, ganhar a confiança dos potenciais clientes. Outro dos desafios passa pela apresentação de uma oferta de serviços e funcionalidades simples, úteis e acessíveis a todos, que espelhe as principais vantagens da simplicidade de “se ser digital” no quotidiano, por oposição a uma utilização dos serviços financeiros complexa, pautada pela burocratização e, por vezes, pouco inclusiva.
«Outro dos pontos mais desafiantes para um líder da banca digital envolve a procura constante pela inovação, presente em soluções digitais simples, que sirvam de mote para a angariação e retenção de clientes a longo prazo. «Neste sentido, a Nickel sempre se propôs a preservar a sua identidade, independentemente da sua localização, sem nunca descurar os valores dos países que a acolheram. Isso revê-se no preço justo que praticamos, na criação de redes de distribuição local completas, muito acessíveis e próximas do cliente e na disponibilização de equipas locais que garantam, acima de tudo, um apoio ao cliente rápido, útil e da maior qualidade».

Ser um banco digital é estar constantemente a surfar a onda das novas tecnologias do sector, a antecipar e liderar as suas tendências, a inovar, a compreender as necessidades dos clientes para investir na sua experiência e poder oferecer serviços que correspondam às suas expectativas. «Quanto à convivência com a banca tradicional, esta parece-me totalmente pacífica e salutar, até porque, como referido, muitas vezes a banca digital actua apenas em alguns segmentos de toda a cadeia de valor do sector, acabando assim por ser, na maioria das vezes, complementar à banca tradicional. A promoção da convivência e da concorrência no sector financeiro é extremamente positiva para o surgimento e desenvolvimento de soluções criativas que venham dar resposta a possíveis lacunas que existam neste contexto e que estejam na vanguarda da inovação financeira. A título de exemplo, observe-se a chegada das fintechs à cena digital financeira em mercados abertos e concorrenciais, sendo, actualmente e nesses mercados, um dos principais agentes de mudança e de evolução do sector», conclui João Guerra, CEO da Nickel em Portugal.

Resiliência
O desafio de qualquer negócio é sempre a sua sustentabilidade e resiliência a longo prazo. E, no caso dos neobancos, o desafio acaba por ser o mesmo. «A médio ou a longo prazo, os negócios têm que ser sustentáveis, ou terem um racional de monetização à vista. Isto é muito importante neste momento em que os investimentos estão mais racionais, com a consequência de algumas fintechs poderem ficar pelo caminho por não terem conseguido encontrar rentabilidade ou mesmo um esquema de monetização. Mas, por outro lado, a banca tradicional, apesar de um enorme esforço que tem feito nos últimos dois anos, ainda está longe de conseguir oferecer uma experiência verdadeiramente digital. Por exemplo, oferecem uma app, mas depois só podemos consultar os movimentos dos últimos 12 meses. Os neobancos oferecem o acesso a todos os movimentos desde que abrimos a conta. Na prática, o que muitos bancos tradicionais fizeram foi dar um aspecto mais moderno e apelativo à app, chamaram-lhe digitalização, mas na essência continua tudo igual. Ora é exactamente aqui que as oportunidades para os neobancos continuam a ser imensas. Apenas têm que ser rentáveis, apresentar serviços inovadores e procurar responder às necessidades dos consumidores», afirma Sebastião Lancastre, founder e CEO da easypay.

Sobre o papel dos neobancos no futuro do dinheiro, Sebastião Lancastre considera que passa por fazer aquilo que a banca tradicional não consegue fazer em tempo útil, de forma diferente, mais rápida, barata e com mais rentabilidade. «Na prática, quando olhamos para o Buy Now Pay Later pode parecer que pouco difere do velhinho cartão de crédito. Mas a realidade é bem diferente. O consumidor em vez de estar a fazer compras e não ter a mínima noção de quanto vai pagar no final do mês no cartão de crédito, com o Buy Now Pay Later pode optar por em apenas uma ou duas compras recorrer ao crédito. Desta forma transmite-se uma sensação de poder ao consumidor, que o faz ter confiança no produto. O consumidor não só tem o poder de escolher quando quer ou precisa de crédito numa compra, como ainda sabe exactamente no momento da compra quanto lhe vai custar», considera o CEO da easypay. 

Este ano o foco da easypay será no PayByLink e nas subscrições. Irão oferecer ao mercado serviços completamente inovadores nestes dois produtos. No caso do PayByLink, estará disponível para pagamentos pontuais, frequentes e subscrições. Será possível emitir um link para pagamento com uma data de expiração e alterar a data, o valor e os meios de pagamento disponíveis, sem ser necessário emitir um novo link. Já no que respeita às subscrições irão disponibilizar dois novos serviços que irão trazer mais confiança ao mercado. A confirmação de que um IBAN pertence a um determinado NIF, e a recolha do IBAN pelo Open Banking.
«Neste momento, as fintechs podem ser verdadeiros parceiros para a banca tradicional.  Já passaram alguns anos e por isso já demonstraram que vieram para ficar e para ajudar o mercado a crescer. No caso que referi do Buy Now Pay Later estima-se que este mercado cresça mais de 40% nos próximos três anos. Era um mercado que não existia e que foi criado pelas fintechs», acrescenta Sebastião Lancastre.

Desafios e oportunidades
Qualquer novo banco que entre no sistema financeiro, tem um desafio primordial (para além da necessária obtenção de uma licença bancária): conquistar a confiança do mercado e dos clientes. Desde sempre que os bancos vivem da confiança que induzem nos seus clientes, da robustez financeira percepcionada e da capacidade de diferenciação face à concorrência. «Esta confiança emerge da imagem que projectam e da segurança que induzem nas suas operações e transacções. No que respeita a oportunidades, acredito que a inovação é a única forma de um neobanco se diferenciar no mercado: inovação na relação com os clientes, nos produtos e na integração com outros players. Mais do que bancos, os neobancos devem ser entidades que prestam serviços bancários, de pagamentos, completamente integrados e seguros, com plataformas de e-Commerce, num contexto de open banking e que utilizam, adequadamente e em claro benefício para o negócio e para os clientes, os dados e todo o potencial da tecnologia», diz Pedro Malato Branco, Senior Manager, Closer Consulting.
Em relação ao papel dos neobancos no futuro do dinheiro, o especialista refere que sendo digitalmente nativos e não tendo, em princípio, agências ou espaços de atendimento (com a excepção dos bancos digitais detidos por bancos tradicionais), os neobancos não aceitam depósitos em numerário. Todas as transacções são digitais (naturalmente que é possível levantar dinheiro num ATM). Esta “desmaterialização” do dinheiro fisico leva a uma desabituação do seu uso. A generalização das wallets, a aceitação pelos comerciantes dos pagamentos electrónicos de baixo valor (muito acelerados pela pandemia) e a futura implementação do ecossistema do euro digital vão contribuir para uma gradual, e ainda maior, redução da utilização do dinheiro. De qualquer forma, e como alguém disse, “o dinheiro faz o mundo girar”, seja digital ou fisico.

«Actualmente, qualquer empresa, seja qual for o sector de actividade, é, acima de tudo, uma empresa tecnológica. Na banca, como em qualquer outra área de negócio, é importante para um líder da banca digital garantir uma inovação constante ao nível da oferta de produtos e serviços, conhecer e antecipar as necessidades dos clientes, assegurar uma elevada resiliência da infra-estrutura tecnológica e dos sistemas de informação ao nível de segurança e fraude e ajustar a experiência de utilização aos conceitos de human centric design. Por outro lado, a disponibilidade de grandes volumes de dados de clientes, potenciada pela utilização de aplicações e pela quantidade de transacções realizadas diariamente, é um desafio ao nível da sua monetização, garantindo que são utilizados adequadamente para gerir riscos, ajustar oferta, prever churn de clientes, por exemplo. Aqui a utilização de técnicas de data science/machine learning é a chave para obter insights que permitam a tomada de decisões em tempo real. Por último, mas seguramente não menos importante, a gestão e fidelização de bons talentos na organização, em três dimensões fundamentais: tecnológica, regulatória e de negócio bancário», sublinha Pedro Malato Branco.

Para este especialista, um banco da era digital é um banco altamente alavancado em tecnologia, dirigido a segmentos de clientes específicos e com elevada literacia digital. «São bancos que actuam de forma transparente em várias geografias e que têm centros de competência tecnológicos descentralizados. São altamente eficientes ao nível dos processos e dos custos e tendem a especializar-se em determinados serviços e produtos bancários. Tendem a uma maior integração com plataformas de e-Commerce, comunicam com os clientes de forma permanente e antecipam necessidades, seja num contexto de cross-selling ou de up-selling.
O modelo de convivência entre bancos tradicionais e neobancos é, acima de tudo, um modelo de complementaridade. Parcerias para securitização de créditos, para oferta de produtos mais inovadores, transferência de tecnologia e de inovação. A grande questão que se deve colocar é que, na realidade actual, não existem bancos grandes e pequenos, tradicionais ou digitais, quando se trata de tema de regulação e de tecnologia», conclui Pedro Malato Branco. 

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