Os “Gigadesafios” na Liderança das Unidades de Saúde, num Mundo BANI

por: Generosa do Nascimento
Professora no ISCTE-IUL, Diretora do Executive Master em Gestão de Serviços de Saúde e da Pós-graduação em Gestão para Profissionais de Saúde do ISCTE Executive Education

A liderança das unidades de saúde tem particularidades inerentes às características específicas destas organizações. Orientadas para a prestação de serviços de saúde de carácter preventivo, curativo e de reabilitação aos utentes, recorrendo a tecnologia avançada. São ainda espaços de ensino-aprendizagem, de investigação e inovação. Pela complexidade da sua missão e estrutura, marcada pela elevada autonomia e grau de especialização técnico-científica das suas equipas, a definição de políticas, estratégias, gestão de pessoas e processos exigem uma liderança com conhecimento e profissionalização de nível profundo.

A liderança deve ser entendida, não como um atributo, mas como um processo construtivo intencional, destinado a potenciar os resultados de uma organização (ou área funcional). Os líderes têm que assegurar a maximização da eficácia da organização no presente, enquanto garantem recursos e competências que as diferenciem no futuro. Para esta sustentabilidade é necessário que promovam a eficiência, a fiabilidade, a inovação e a adaptação ao contexto externo, valorizando continuamente o capital humano (as pessoas). Enfim, uma liderança que responda aos desafios do Mundo!

Se até à pouco tempo os contextos organizacionais eram marcados pela turbulência, incerteza, complexidade e ambiguidade (contextos VUCA – volatility, uncertainty, complexity and ambiguity), agora emergimos numa nova dimensão marcada pela fragilidade, ansiedade, não-linearidade e incompreensibilidade: contextos BANI (brittle, anxious, nom-linear, incomprehensible).

De facto, a pandemia COVID-19 tem colocado a liderança, aos vários níveis de atuação, perante ameaças e desafios complexos e de fragilidades extremas, incompreensíveis, alguns inimagináveis e geradores de “medos” e com várias “frentes de batalha” e de diferentes magnitudes. O futuro é uma incógnita. Uma “gigacrise” e de “gigadesafios” para a liderança.

No Serviço Nacional de Saúde, em particular, a sua emergência e a amplitude assumiram contornos semelhantes a um “sismo” seguido de “tsunami”. Os vários níveis de decisão foram desafiados. As grandes falhas nas “placas tectónicas” têm-se evidenciado  na liderança, na gestão de pessoas, na gestão do conhecimento técnico-científico clínico, na gestão da inovação, na gestão das operações e da logística, na gestão da qualidade, na análise de dados, na gestão da comunicação, na gestão financeira, no controlo de gestão e nos sistemas de informação. O necessário estabelecimento de redes colaborativas entre os vários parceiros do Sistema Nacional de Saúde também não tem funcionado.

Os impactos deste “desastre” são ainda inimagináveis nas estruturas de governação do SNS, nas unidades de saúde, nos profissionais de saúde, nos doentes com COVID, nos utentes não-COVID e na população, em geral. Porém a literatura refere que os contextos de crise permitem respostas novas perante a emergência de novas situações. Uma investigação em curso no ISCTE – “Aprender com a COVID19” –  tem vindo a confirmar esta hipótese, relevando algumas boas práticas[1]. Destaca-se a emergência de líderes transformacionais, a valorização da fiabilidade organizacional e da coordenação relacional assente em bases de relação informal, intra e interorganizações. Uma liderança que estimula novas estratégias de comunicação interna e externa.

De facto, torna-se essencial a emergência de líderes transformacionais. Líderes que detenham as competências de Gestão de Serviços de Saúde e as Power Skills (soft skills, thinking skills e digital skills). Líderes que incorporem 4 tipos de inteligência[2]: a contextual (a mente – o modo como adquirimos e transferimos o conhecimento); a emocional (o coração – a forma como lidamos com os nossos pensamentos e sentimentos, e como interagimos); a inspirada (a alma – o modo como agimos na perspectiva do bem comum); e a física (o corpo – a maneira como cuidamos do nosso bem-estar e saúde, assim como daqueles que estão próximos de nós).

Uma liderança que, como tenho vindo a afirmar, seja visionária, de exemplo, de proximidade, de coragem, autêntica, sensível às necessidades dos liderados e ancorada na (re)humanização na gestão das pessoas. Líderes que potenciem as condições para os “gigadesafios” e melhoria da Saúde, fomentando o desenvolvimento de modelos integrados e flexíveis de valor acrescentado, aproveitando a vantagem coopetitiva dos sectores público, privado e social.

A resposta para esta “gigacrise” está essencialmente na liderança do SNS.

[1] Nunes, F., Nascimento, G. e Espanha, R. (2020). Comunicação e organização em cuidados de saúde primários em contexto covid19: duas histórias. Cadernos de Saúde Societal – ISCTE-IUL, 1:67-73.

[2] Schwab, K. (2016). A quarta revolução industrial. S. Paulo: Edipro

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