Opinião: Sai RGICSF… entra CAB

Maria Soares do Lago

Advogada sénior de Bancário e Financeiro e de Mercado de Capitais da Morais Leitão

Estou convencida de que ninguém que trabalha na área, jurista ou não jurista, foi capaz de evitar deixar escapar um “Finalmente!!” quando ouviu falar do plano de passarmos a ter em Portugal um Código da Actividade Bancária (“CAB”).

Isto porque o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), que tem servido de regime regulatório geral, foi tão frequente e extensivamente alterado e aditado – muitas vezes para transpor directivas europeias complexas, como a directiva da resolução bancária – que se tornou cada vez mais difícil de ler, interpretar e aplicar.

Boas notícias, portanto, o plano de reconstruir o regime geral, com uma sistematização pensada de raíz e tendo presente a actividade bancária dos dias de hoje, já tão distante da realidade de 1992, quando foi publicado o RGICSF.

Poder-se-ia começar logo por embirrar com o nome – discutindo se “actividade bancária” é redutor, já que se regula tão mais do que a actividade dos Bancos. Parece, no entanto, óbvio que o nome exigia simplificação: ninguém que não fosse actor profissional conseguia dizer RGICSF sem arriscar cobrir de perdigotos o seu interlocutor, e no contexto internacional era praticamente obrigatório atalhar para “Banking Law” se se quisesse que alguém percebesse ao que nos estávamos a referir.

Por isso troco de bom grado esse embaraço por um termo – talvez – menos rigoroso.

Um projecto desta magnitude merece mais, merece que todos os trabalham no sector, e os curiosos – e quem mais quiser! – leiam as 687 páginas do projecto de diploma legislativo com atenção e visão crítica. O legislador pode nem sempre acertar, pode nem sempre ser o mais claro possível, mas quem tem que interpretar a lei pode aproveitar estas oportunidades raras de contribuir, apontar pontos fortes e fracos, discutir melhorias e alternativas. Não o fazendo perderá argumentos para criticar no futuro.

Naturalmente que na data em que escrevo este texto não concluí (aliás, não concluímos, já que toda a equipa está envolvida e a fazer um grande esforço nesse sentido uma vez que o prazo de consulta pública não é muito alargado) ainda esse trabalho.  Creio, aliás, que, no limite, só se testará a sério o novo CAB no dia a dia, na sua aplicação aos casos concretos, às questões específicas colocadas pelos Clientes.

Mas o CAB é mais do que uma sistematização e melhoramento do RGICSF, também traz novidades. Para além da transposição de directivas europeias, diz-nos o Banco de Portugal que há novidades decorrentes da prática e experiência de supervisão acumuladas e outras que procuram acomodar as preocupações suscitadas e as recomendações emitidas pelas comissões parlamentares de inquérito que têm decorrido sobre estes temas.

Destas novidades destacaria, deixando de fora novidades importantes, claro, mas escolhendo as que me parecem ser mais inesperadas, aguardadas ou que merecem pronúncia mais assertiva no âmbito da consulta pública:

– Estabelecimento de um tipo único de sociedade financeira, extinguindo-se as sociedades financeiras creditícias, ou seja, as sociedades de desenvolvimento regional, as sociedades financeiras de crédito, as sociedades de investimento, as sociedades de locação financeira, as sociedades de cessão financeira e as sociedades financeiras de microcrédito.

– Integração no CAB de actividades como a locação financeira e a cessão financeira, anteriormente reguladas em legislação avulsa.

Integração no CAB de parte do regime de liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras. A consulta pública pede expressamente opinião sobre se se deveria ir mais longe, integrando todas as regras sobre dissolução e liquidação no CAB. Creio que a resposta é um claro sim: não vejo nenhuma razão para que estas matérias continuem a ser tratadas em diplomas separados, dificultando a sua interpretação e aplicação.

– Regulação expressa da subcontratação da actividade por parte das entidades supervisionadas.

Proibição da comercialização junto de investidores não profissionais de instrumentos financeiros emitidos pela própria instituição ou entidades relacionadas. Esta proibição é possivelmente inédita, provavelmente decorrente das situações problemáticas encontradas aquando da aplicação de medidas de resolução ao BES – é um trabalho que ainda estamos a concluir, mas até agora apurámos que não existe nem se espera que exista, por exemplo, em Itália, França e Espanha. Na consulta pública o Banco de Portugal põe à consideração se seria mais adequado, ao invés de uma proibição absoluta, serem criados deveres específicos de fundamentação e de controlo interno inerentes a este tipo de comercialização. Instintivamente antevejo que a maior parte das respostas irá no sentido de implementar essa alternativa.

– Atribuição ao Banco de Portugal o poder de aplicar medidas pecuniárias compulsórias em caso de incumprimento de decisões através das quais se impôs a adopção ou cessação de determinada conduta.

Proibição de operações com entidades sediadas em países considerados não cooperantes, que podem implicar medidas tão fortes como a limitação ou cessação do exercício de actividade de sucursais da instituição em países terceiros.

E agora: ao trabalho, que ainda há muito para explorar!

 

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