O sonho de querer ser a mais bem-sucedida do mundo
É o senhor que quer dar continuidade ao legado e levá-lo mais longe, a diferentes territórios, outros mercados e novas marcas. Fernando Da Cunha Guedes, o quarto presidente da sogrape, já elevou a empresa a uma das mais inspiradoras da europa. Mas o seu sonho é que, a prazo, esta seja “a mais bem-sucedida empresa familiar de vinhos, do mundo”
É a maior empresa portuguesa de vinhos e um player que já merece respeito a nível mundial. A Sogrape, hoje na terceira geração, mantém- -se familiar mas com gestão profissional, o que a tem levado a vários mercados e facilitado o crescimento orgânico e por aquisição. Prossegue a sua vocação internacional – ou não tivesse a sua história começado com Mateus, o vinho da garrafa-cantil hoje presente em praticamente todos os países –, afirma-se focada na qualidade, diz-se fiel à inovação e não descura o desenvolvimento de marcas de nível global. Fernando da Cunha Guedes é o neto mais novo do fundador. Não estava propriamente na “linha de sucessão”, e só assumiu os comandos a 1 de Janeiro de 2015 após confirmação da doença (esclerose lateral amiotrófica) do irmão Salvador. Mas, o quarto presidente executivo da empresa tem sido garante da continuidade que bem sabe conjugar com expansão. De resto, um dia depois de almoçar com a Executive Digest, anunciava a entrada na região de Lisboa com a aquisição da Quinta da Romeira.
Actualmente, a Sogrape emprega cerca de um milhar de trabalhadores, tem 1500 hectares de vinha plantada (mais de metade em Portugal) e comercializa cerca de 135 garrafas por minuto, com operações em Portugal, Espanha, Chile, Argentina e Nova Zelândia. “Na Sogrape fazemos amigos antes de fazer negócios”, dizia Fernando Van Zeller Guedes que, no Verão de 1942, fundou com amigos a então designada Sociedade Comercial dos Vinhos de Mesa de Portugal. Numa indústria em que o cariz familiar do negócio contribui para a construção de uma imagem de respeitabilidade, de compromissos a longo prazo e de consolidação da identidade corporativa, a citação é repetida em todos os eventos corporativos de relevo. Como o que, em Janeiro de há dois anos, assinalou o início das comemorações dos 75 anos da maior empresa portuguesa de vinhos.
O actual presidente diz-se hoje um verdadeiro amante de vinho. Gosta de beber, às refeições, e confessa que poderia ser enólogo. Mas a aprendizagem, essa, fá-la no terreno, no dia-a-dia e na experiência que vai coleccionando. Do portefólio total da empresa não consegue apontar o seu eleito mas, para o dia de Natal, escolheu Legado.
«A empresa nasce de um acto de inovação [a criação do Mateus Rosé]… Por isso, quando asumi os comandos estava consciente dos desafios, inspirado neste passado que é muito rico em inovação e com motivação para que esta mesma inovação se mantenha no nosso dia-a-dia.
A Sogrape teve três grandes líderes: o meu avô, o meu pai e o meu irmão mais velho. Curiosamente, três pessoas completamente diferentes e que marcaram muito bem as fases da vida da empresa. O meu avô, mais virado para o Marketing e a inovação, criou o Mateus Rosé e tornou-o num produto mundial. O meu pai, inclinado para a produção, em bom tempo se apercebeu que não podíamos depender exclusivamente de Mateus e começou o processo de diversificação. Plantou vinhas de Norte a Sul do País, fez adegas, criou marcas, avançou com compras no Dão, Alentejo, Vinhos Verdes, entrou no vinho do Porto com a casa Ferreirinha, depois mais tarde Offley e Sandeman. Fez um conjunto de operações que transformaram uma empresa exclusivamente Mateus Rosé em líder do sector dos vinhos em Portugal. Isto é uma obra inequívoca, que se deve atribuir ao meu pai. E uma terceira fase, com o meu irmão Salvador, que combinava umpouco dos dois, uma certa vocação para o Marketing, mas que teve também a ousadia de saltar as fronteiras, começar a desenvolver a nossa actividade noutros países. Ao meu irmão fica associada a expansão internacional. Infelizmente, foi-lhe diagnosticada uma doença que não lhe permitiu continuar à frente da empresa, acabando por ter eu de o suceder.
Nunca esperei um dia estar aqui. Comecei numa área completamente diferente, na banca. Mas desde que me lembro que vinho e Sogrape eram assuntos presentes no dia-a-dia familiar. Por isso, quando comecei a estudar sabia que um dia acabaria por ir parar à Sogrape. Não porque me sentia obrigado, mas porque nasci com aquilo, sabia que ia estar associado e ligado toda a vida. E isso acabou por acontecer mais tarde. Tirei Gestão, mas não tinha uma ideia clara onde queria chegar. Comecei pela área Financeira, onde aprendi imenso. Gosto de poder tocar nas várias áreas e ver o filme completo, não gosto de estar restrito e focado numa parte do todo.
A verdade é que comecei a fazer carreira primeiro no BPI, onde aprendi imenso, depois no BBVA, numa área mais comercial. Um certo dia, o meu pai chama-me e diz que eu tinha de ir para a Sogrape, que não ia ser um bancário toda a vida. Lembro-me perfeitamente de ter respondido: “Eu quero é ser banqueiro”.
Mas fui para a Sogrape e, quando entrei – o que era muito característico do meu pai e das suas ideias – tive de começar pelo princípio. Entrei em 1996, com 28 anos para o gabinete de controlo de gestão, picava o ponto e não podia entrar no corredor da Administração. Na altura, trabalhávamos cinco analistas a reportar ao director Francisco Sotto – hoje, administrador da Sogrape. Foi o meu primeiro mentor, é uma pessoa que conhece a empresa de uma ponta à outra. Ao fim de seis meses fui envolvido num projecto de estudo de novos investimentos e como tinha experiência na área da banca, foi-me entregue esse trabalho que me levou ao mercado argentino. Começámos a dar os primeiros passos na internacionalização, sabíamos para onde não queríamos ir: basicamente para países em que a situação macroeconómica e política estivesse complicada. Queríamos ir para o novo mundo para complementar o negócio. Na altura não tínhamos muito como agregar a países como França e Espanha, mas estava asurgir esta nova categoria de novo mundo com vinhos tradicionais.
A Argentina foi escolhida por ser o mercado com mais potencial e encarregaram- -me de estudar o dossier. Fizemos uma primeira viagem, a segunda, acabamos por fazer uma aquisição e depois havia que geri-la. E um dia sou chamado ao gabinete do meu pai, que me comunicou que eu ia para lá. ainda perguntei se havia alternativas, mas disse-me que não. Fui para a Argentina com 29 anos. Foi o meu segundo passo na Sogrape.
Lembro-me de chegar à Argentina e não haver email. Instalámos o primeiro email com modems. Foi um desafio tremendo, tinha como missão levar a cultura e a maneira de gerir da Sogrape e foi uma experiência inacreditável, valepor 10 cursos. Tive de voltar a aprender tudo de raiz numa cultura que era completamente diferente da nossa, e numa empresa com 170 pessoas. Além do mais, era o primeiro projecto de internacionalização da empresa. Na altura, custou-me muito. São 14 horas de viagem, não conhecia ninguém, nem há relação entre os dois países. Do ponto de vista pessoal foi difícil, mas profissionalmente também. Custou-me muito perceber como é que funcionava e se geria e depois fazer a integração da cultura argentina na cultura Sogrape.
A primeira decisão que tomei foi provavelmente a instalação da linha de comunicação para integrar duas realidades tão diferentes.
Na altura, a empresa tinha os escritórios em Buenos Aires e as vinhas em Mendoça, estamos a falar de duas horas de avião e de duas culturas totalmente diferentes.
Acabei por regressar a Portugal em 2001, mais por questões familiares, ainda que a experiência tenha sido óptima. Gosto de ver a cadeia toda e na Argentina isso acontecia, desde a produção da vinha, da plantação, da adega, do lançamento de marcas, da reformulação do portefólio. Quando cheguei, voltei a ser um elo da cadeia e isso custou-me.
ENTRE A BANCA E A ENOLOGIA
Hoje, se voltasse atrás, provavelmente seria enólogo. Gosto muito de beber e bebo muito, com moderação. Bebo muito porque bebo todos os dias. A coisa que mais gosto, depois de um dia de trabalho, é chegar a casa e abrir uma garrafa de vinho. É importante provar vinhos de outras regiões e empresas. Mas, em casa, quase sempre bebo Sogrape.
Não consigo eleger um vinho, mas todos nós que trabalhamos na Sogrape temos no Mateus [Rosé] um lugar muito próprio e um carinho especial pelo Legado, feito de uma vinha com mais de 100 anos. Em 2008, o meu pai escolheu, em conjunto com a equipa de enologia do Douro, este vinho para testemunhar tudo aquilo de bom que se pode fazer. Tem muita qualidade e uma carga emocional forte.
Claro que estudamos a concorrência. Num país como Portugal, que cada vez mais se afirma como um produtor de vinhos de grande qualidade, mais do que concorrentes, as empresas têm de ser parceiras. Portugal é um mercado pequeno, lá fora somos todos iguais, todos do mesmo tamanho, o mercado é tão grande e temos uma quota tão pequena, que temos de nos ver como parceiros. Temos de promover e dinamizar, em conjunto, a categoria Portugal nos mercados internacionais. Felizmente está a acontecer. Sempre acreditámos que o dia dos vinhos portugueses ia chegar. Nós, como empresa, sempre apostámos nas castas portuguesas e quando nos apercebemos que havia uma moda das castas internacionais fomos produzi-las lá fora, porque jamais nos conseguiríamos diferenciar no mundo internacional com um Merlot produzido aqui. Temos mais de 300 castas em Portugal e isto é um activo vivo. Sempre acreditámos nele.
Qual a boa notícia? É que esse momento não sei se está a chegar ou se já chegou.
Se virmos as revistas da especialidade estamos muito bem cotados, o passo seguinte é passar isso para o consumidor. Nas viagens que tenho feito, tenho sentido que os vinhos portugueses jáestão no consumo, os especialistas são muito experimentalistas e Portugal tem despertado enorme curiosidade.
Há uns anos fundimos a nossa empresa no Reino Unido com a de um grande distribuidor inglês muito focado na restauração e em produtos premium. Essa equipa – 180 pessoas – acreditava que Portugal ia ser the next big thing e por isso quis-se associar a nós. Hoje, representamos cerca de 25% do portefólio dessa empresa. Eles acreditam que Portugal é a próxima grande descoberta.
Em Espanha já temos uma operação que corre muito bem mas gostávamos de crescer ainda mais, organicamente e por aquisição. Da experiência operacional que temos, há um limite mínimo de volume de produção abaixo do qual não faz sentido comprar. Por outro lado, acreditamos que há quatro regiões espanholas que já fazem a diferença – Rioja, Rias Baixas, Rueda e Ribera del Duero – e que irão continuar a fazer no futuro. É nelas que queremos estar e reforçar. No ano passado, comprámos uma pequena adega na região de Rueda. Mas queremos reforçar a nossa posição na Rioja, pelo que se aparecer alguma coisa que tenha um fit estratégico interessante, estamos abertos a analisar. Sabemos onde queremos estar e nos segmentos onde devemos apostar. Mas o mercado espanhol é muito fechado e todas as empresas são familiares, o que dificulta o processo. No vinho, as aquisições são sempre difíceis. Há muitas empresas familiares e os laços afectivos são muito fortes com as marcas.
VALOR HUMANO
Acredito muito nas pessoas. No último ano estive muito envolvido em três projectos que considero fundamentais para uma empresa que se quer desenvolver no futuro: um de talento – ter as pessoas certas nos lugares certos, a trabalhar em equipa e a falar uma só voz; o segundo, é um projecto de comunicação porque não faz sentido termos equipas em diferentes países se não partilharmos os mesmos valores e o mesmo sonho, experiências e conhecimentos; o terceiro, de inovação. Na nossa estratégia há três pilares fundamentais: pessoas, inovação e agilidade.
Para o sucesso de uma empresa é essencial pôr as pessoas a falar e a trabalhar em equipa. Aliás eu devia estar mais perto das pessoas e isto é uma crítica que me fazem muito. Aceito-a e é um desafio, quero estar mais perto e comunicar mais com as pessoas, que estão na empresa e fora.
Acho que devo ficar na presidência enquanto a empresa precisar de mim e eu lhe conseguir dar algo. O que pode não coincidir. Por vezes, nos processos de sucessão, as coisas arrastam-se. O ensinamento que me deram um dia é muito importante: “Arranja o teu substituto enquanto tiveres condições para poderes remediar no caso de teres errado”.
Que legado quero deixar? Sou um continuador. Quero manter o que está bem feito e fazer com que a empresa continue a passar para o patamar seguinte. Há um sonho que é de um dia virmos a ser admirados como a mais bem-sucedida empresa familiar de vinhos, do Mundo. Este é o nosso sonho, que nos move. É uma ambição gigantesca, como o era levar os vinhos portugueses lá fora. Mas, mais que ambição, é um sonho, importante para alinhar toda a empresa!
O que mais queria, mesmo, era garantir que este projecto se mantenha nas gerações futuras. Os assédios de venda são permanentes e constantes. A resposta – minha e dos meus irmãos – é sempre uníssona: a Sogrape não está à venda.
Para isso, é fundamental criar as condições familiares e empresariais para que isso continue a acontecer. Isso é o que eu gostava no dia em que me retirar: deixar a empresa em melhores condições do que a recebi, para assegurar esse desejo. Temos a sorte do capital estar super-concentrado na nossa família e estamos todos alinhados. Por isso, o que fizemos foi ter um protocolo familiar, ainda promovido pelo meu pai e feito pelos três irmãos, há uns 15 anos. Neste momento, estamos numa fase de trazer as novas gerações ao protocolo, para perceber se se identificam com ele ou se é preciso actualizar algumas matérias. Por exemplo, o protocolo exige que se tenha experiência profissional relevante fora antes de poder entrar na Sogrape.
Tenho três filhos. Um já acabou Gestão, outro está a tirar o curso e o mais novo tem 11 anos. Mas nunca os incentivei a que um dia tenham um papel na Sogrape. A acontecer tem de ser natural.
EXPANSÃO, SEMPRE
Actualmente produzimos em cinco países. Além disso, temos a nossa rede de distribuição internacional própria – nos EUA, Angola, Inglaterra e China. Nas unidades de produção – Portugal, Espanha, Argentina, Chile e Nova Zelândia – há duas que consideramos prioritárias (Portugal e Espanha). Por isso não negamos aquisições, até porque o nosso historial de crescimento foi sempre misto. Em Portugal, faz sentido em qualquer região desde que complemente a nossa estratégia de crescimento de portefólio. Estamos sempre atentos.
De todas as decisões que tomei, talvez destaque a reestruturação que estamos a fazer nos EUA. Tínhamos uma operação comercial importante mas temos a ambição de fazer mais. O mercado dos EUA é o maior do mundo, o que mais cresce e o que vende mais caro. É absolutamente determinante na estratégia de qualquer empresa de vinhos. A nossa ambição de crescimento nos EUA, a cinco anos, é, no mínimo, duplicar o que fazemos hoje.
Devemos manter o que está bem feito, mas continuando a fazer diferente. A combinação dos dois é que garante o sucesso futuro.»