O dilema de “sair do armário” no trabalho por um ex-CEO
O antigo CEO da BP, John Browne, argumenta que sair do armário por vontade própria é o caminho certo para os colaboradores LGBT em “The Glass Closet”
Em “The Glass Closet”, John Browne, antigo CEO da BP, reflecte profundamente sobre as consequências de esconder a sua orientação sexual na sua vida e carreira. O seu relato dolorosamente honesto e empolgante coloca as memórias de outros CEO – incluindo o seu próprio primeiro livro, “Beyond Business: An Inspirational Memoir from a Visionary Leader” a um canto.
Comparemos, por exemplo, a descrição de Browne do dia 1 de Maio de 2007, quando se despediu da BP após um tribunal britânico ter dado permissão ao Daily Mail para publicar alegações de comportamentos pouco adequados proferidas por um antigo namorado.
Em “Beyond Business”, Browne relembra a sua despedida da sede da BP em Londres através da multidão de jornalistas e, entrando no seu automóvel, com uma única expressão de emoção a revelar a epítome do eufemismo britânico: «Foi intrusivo e desagradável.»
Eis o mesmo momento em “The Glass Closet”:
«Senti-me como se o ar tivesse sido sugado de dentro do veículo.
Ao afastar-me da empresa que ajudei a construir senti-me a morrer por dentro. Durante décadas, disfarcei e afastei uma grande parte da minha vida para impedir que isto acontecesse. Esquivei-me, fugi e fui evasivo o máximo que pude. Mas naquele dia, quase inevitavelmente, os meus dois mundos colidiram. No rescaldo, perdi o emprego que estruturara toda a minha vida.
Após todos aqueles anos de preocupações e medos não consegui deixar de pensar que os medos tinham finalmente justificação. Naquele momento, estava convencido de ter tido razão.»
Dito isto, Browne, cuja liderança franca sobre alterações climáticas e direitos humanos me inspirou a trabalhar na BP, onde estive nove anos, convenceu-me com a sua história pessoal, mas o mesmo não aconteceu ao seu argumento central. O seu livro indica que as lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais (LGBT) devem revelar publicamente a sua orientação sexual.
O problema é que as histórias que conta sobre os danos nas carreiras de todas as pessoas que fizeram o mesmo são demasiado persuasivas. Allan Gilmour perdeu a corrida para o lugar de topo na Ford após 34 anos na empresa. Há quem sugerira que a sua sexualidade teve influência nisso. Vandy Beth Glenn foi despedida da Georgia General Assembly logo após ter demonstrado a sua intenção de fazer a transição de homem para mulher.
Fiquei convencida do debate de Browne sobre, como ele o diz, «as consequências de se ser pouco autêntico». Browne refere histórias de outros executivos LGBT na sua própria história para mostrar o quão fechados têm de ser para manter os colegas e parceiros empresariais à distância, tornando impossível criar confiança e explorar todo o potencial da sua faceta profissional.
Mas depois surgem as histórias mais problemáticas, que revelam uma realidade que Browne reconhece: «Não posso dizer com toda a certeza que a carreira de alguém não será afectada se revelar a sua orientação sexual. Gostava de poder dizer aos gays que tudo ficará bem, mas as provas recolhidas aqui sugerem que continuam a existir riscos.»
Browne relembra uma jovem que lhe contou que o seu despedimento traumático da BP convenceu-a a permanecer no armário na sua empresa de petróleo e gás, a quem ele responde: «Essa não é a lição certa a retirar das minhas experiências. A vida dupla que levei não deve ser vista como exemplo para uma carreira profissional. Deve ser vista como um aviso.» Mas quem é Browne para dizer que a conclusão a que cada um chega para a sua vida é a errada?
Browne tenta contrapor as histórias negativas com provas positivas. Mas apesar de existirem relatos de indivíduos que revelaram a sua orientação sexual no trabalho e tiveram sucesso profissional, os “Benefícios de Sair do Armário”, como é intitulado um dos capítulos, são colhidos pelas empresas que apoiam um ambiente amigável para LGBT.
As provas são consistentes. Browne sugere que os possíveis colaboradores heterossexuais vêem o tratamento dado a colaboradores LGBT como um sinal da cultura geral da empresa. E depois há o tamanho do mercado LGBT, que Browne acredita ser acessível apenas a empresas que apoiam internamente a comunidade.
E apresenta recomendações práticas: as empresas devem estabelecer políticas que beneficiam casais do mesmo sexo e que proíbem especificamente a discriminação com base na orientação sexual; devem activar grupos de recursos para LGBT e aliados; e devem usar inquéritos anónimos para avaliar o seu processo. É dif ícil imaginar por que razão qualquer empresa (tirando as fundamentalistas) argumentaria que isto é uma má ideia. Mas o argumento de Browne é que demasiadas empresas colocam a protecção de LGBT nas políticas gerais de não discriminação, o que não chega para abordar especificamente a homofobia e para fazer com que os colaboradores LGBT se sintam protegidos. Cita um inquérito nos EUA em que 80% dos inquiridos LGBT afirmaram que quando se candidatam a um emprego, é “muito importante” ou “bastante importante” que o possível empregador possua políticas para a igualdade de LGBT e diversidade.
Se Browne tivesse admitido a sua orientação sexual mais cedo, teria conseguido chegar ao topo da BP? Browne apenas diz, uma e outra vez, que nunca saberá.
Mas para mim a questão hipotética mais interessante na intersecção da carreira e da sexualidade de Browne nem sequer está no livro: Se Browne tivesse saído do armário como CEO da BP, teria capacidade para mudar algumas das leis e atitudes que, segundo ele, fizeram com que permanecesse em segredo durante tanto tempo? E quais as responsabilidades e oportunidades que os líderes de negócios como ele possuem para influenciar não só as suas próprias empresas, como também um contexto mais geral?
«O meu medo de ser descoberto surgiu da minha crença de que não poderia estar no mundo dos negócios como uma pessoa abertamente homossexual num país que criminaliza a homossexualidade», escreve, citando especificamente a Rússia como um desses países, onde a BP tem interesses comerciais. Mas também escreve de Vladimir Putin: «Não compreendo as suas atitudes em relação à sexualidade, mas sei que Putin é pragmático. Para mim, a legislação russa anti- -homossexuais é uma questão mais política do que propriamente uma aversão sincera em relação aos homossexuais.»
No primeiro livro de Browne, ele relembra a sua última reunião com Putin em Março de 2007, na “dacha” de Putin, fora de Moscovo:
«Estava muito descontraído nesse ambiente, com o seu cão, e falámos com menos formalidade do que o normal. Talvez o cão tenha ajudado; pareceu gostar de mim. Putin comentou a consistência da BP, que tínhamos cumprido as nossas promessas e que eu tinha sempre objectivos claros perante ele.»
Na altura, as audições privadas sobre a vida pessoal de Browne, que em breve se tornariam públicas, já estavam a decorrer. Os serviços secretos russos tinham claramente um ficheiro sobre ele – Browne relembra que um agente lhe disse que sabiam que seria o próximo CEO da BP – e é difícil imaginar que Putin não soubesse da situação de Browne.
Confiando na avaliação de Browne ao pragmatismo de Putin e ao seu respeito pela BP, parece pouco plausível que este tivesse largado Browne e a BP como parceiros de escolha caso Browne tivesse revelado a sua orientação sexual.
Saltemos para os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi: a Human Rights Campaign falou com os patrocinadores dos JO para condenarem as leis anti-LGBT da Rússia e a AT&T e outras empresas responderam, mas Moscovo manteve as leis. Contudo, não deixo de pensar se o apoio de um CEO que possuía o respeito de Putin e que liderava uma empresa com enormes investimentos a longo prazo na Rússia – não apenas um patrocinador olímpico cuja marca poderia ficar ameaçada por algumas semanas de Jogos Olímpicos – poderia ter alterado o desfecho.
Como colaborador da BP, vi em primeira mão como Browne usou a sua plataforma para mudanças positivas em relação às alterações climáticas e aos direitos humanos: não só mostrando o que era possível na empresa, mas também alterando o debate público e ajudando a criar iniciativas que juntaram empresas, governos e a sociedade civil e que fizeram avançar o debate global.
Em parte graças às palavras e acções de líderes como Browne, como o falecido Ray Anderson, da Interface, e como Jeffrey Hollender, que cofundou a Seventh Generation, o movimento ambiental tem chegado às empresas, à medida que estas compreendem que conseguem atingir uma maior eficiência, poupança e a boa vontade dos colaboradores e do público ao minimizarem os desperdícios e maximizando a ecologia. O movimento LGBT pode aproveitar essa vaga.
Claro que Browne também personificou os desafios de alinhar as aspirações com a realidade empresarial. O negócio de energias alternativas que Browne lançou com pompa e circunstância em 2005 não sobreviveu à sua saída, o que sugere que o seu valor não é tão óbvio para outros dentro da empresa. Vários acidentes terríveis durante os últimos anos de Browne como CEO podem ter pressagiado o desastre Deepwater Horizon em 2010 e certamente enfraqueceu as credenciais ecológicas de Browne e da BP.
A liderança do CEO em qualquer questão é essencial, mas é insuficiente por si só. Como Browne revela em “The Glass Closet”, é vital incorporar políticas e processos.
Por muito que me custe dizê-lo, acabei “The Glass Closet” a sentir que o seu subtítulo “Por que razão sair do armário é bom para os negócios” é mais um desejo que a realidade. Revelar a orientação sexual ainda tem os seus riscos, apesar de ser um bom negócio para as empresas que apoiam um ambiente no qual esses indivíduos podem trabalhar sem medo de assédio ou discriminação. No final, porém, se continuarmos a dizer que sair do armário é um bom negócio e bom para as pessoas nos negócios – e, mais importante, se líderes empresariais como Browne o dizem a líderes como Putin – talvez um dia isso se torne realidade.