Um pequeno ganso, identificado pela mancha branca na testa e pelos anéis amarelos em redor dos olhos, está no centro de um dos conflitos fronteiriços mais improváveis de 2025. A disputa envolve Suécia e Noruega e tem raízes que remontam a várias décadas, no tempo em que Estocolmo começou a investir milhões de coroas num programa para salvar o ánsar pequeno, a ave mais ameaçada de extinção no país.
O incidente que reacendeu a polémica ocorreu este ano, quando um destes gansos suecos atravessou a fronteira para território norueguês. Em resposta, a Agência de Ambiente da Noruega emitiu ordem de abate, alegando que a medida visa proteger a sua própria população de ánsar pequeno.
Ambos os países albergam exemplares desta espécie, mas conservacionistas noruegueses defendem que as duas populações devem manter-se isoladas para preservar as características naturais.
Ingar Jostein Øien, diretor do Departamento de Conservação da BirdLife Noruega, declarou ao El Confidencial que “as medidas para evitar a mistura das duas populações são uma prioridade” e que a ordem de disparar tem “o completo apoio” da sua organização. Segundo Øien, os gansos suecos representam “uma potencial ameaça” devido ao programa de reintrodução iniciado nos anos 70, que inclui a libertação de aves criadas em cativeiro com exemplares importados de outros países e a utilização de “pais adotivos” — barnaclas-de-faces-brancas — para alterar rotas migratórias.
Este último método visava afastar os gansos da rota tradicional pelo leste europeu até à Grécia, onde a caça intensiva, especialmente na Rússia, tinha dizimado a população. No entanto, a Noruega rejeita a estratégia e alerta para “o enorme risco” de aves menos adaptadas se reproduzirem com a população selvagem, ameaçando o sistema migratório natural.
Suécia defende programa como “sucesso”
A perspetiva norueguesa é fortemente contestada em Estocolmo. Sarah Nordlinder, diretora do projeto de conservação da Associação Sueca de Caça, classificou-a como “conservadora” e “difícil de entender”, apelando a “uma posição colaborativa entre os dois países, com um objetivo comum de conservar estes gansos únicos ameaçados”.
Daniel Bengtsson, diretor de conservação da BirdLife Suécia, também rejeita os receios de Oslo, considerando “muito perturbadora e provocadora” a ordem de abate. “Se usássemos os mesmos argumentos dos noruegueses, poderíamos começar a disparar contra os gansos deles sempre que aparecessem na Suécia — algo que nunca faríamos!”, afirmou.
Segundo a Agência de Ambiente da Noruega, não há confirmação de que o ganso sueco tenha sido abatido. É possível que tenha conseguido acasalar e integrado a migração dos gansos noruegueses rumo à Grécia.
Conflito recorrente
O choque diplomático não é novo. Em 2015, um ganso sueco que atravessou a fronteira foi abatido por ordem das autoridades norueguesas, levando a Suécia a insistir que a reprodução cruzada não representava qualquer ameaça. No ano seguinte, a BirdLife Noruega publicou um relatório crítico de 150 páginas contra o programa sueco.
Entre as objeções está o receio de hibridação com espécies semelhantes, como o ánsar-careto. Um estudo encomendado pelo Governo sueco à Universidade de Estocolmo, liderado pelo investigador espanhol David Díez del Molino, procurou avaliar o risco de introgresso — a transferência de material genético entre espécies.
Após sequenciar o ADN de gansos suecos, noruegueses e russos, a equipa concluiu que não havia sinais significativos de introgresso. Díez del Molino revelou ainda que os gansos noruegueses estão geneticamente mais próximos dos russos do que se supunha, questionando a narrativa oficial de Oslo.
O cientista classificou a ordem norueguesa como “uma medida bastante agressiva para uma pobre espécie que está a tentar sobreviver” e lembrou que o debate envolve não apenas conservação, mas também “política e dinheiro”. Se uma espécie for considerada “introgredida”, pode perder acesso a financiamentos europeus de preservação.
“Conhecia um pouco a história da espécie, mas não sabia que ia ser tão política”, afirmou, acrescentando que recebeu pressões de agências e cientistas envolvidos. “Eu faço ciência, vejo os resultados e digo o que há.”














