Notícias sobre transição energética propagam populismo de extrema-direita em Portugal, revela estudo

A transição energética verde tem sido retratada na comunicação social em Portugal através de um discurso polarizado entre “o bom” e “o mau”, o que propaga um tipo de retórica tipicamente associada ao populismo de extrema-direita, de partidos como o Chega. Um estudo do Centro de Investigação e Intervenção Social do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa – indicou que os discursos dos jornais analisados tendem a apresentar essas medidas ora como apenas positivas e um motivo de orgulho para o país, reforçando assim posições nacionalistas; ora como apenas negativas, evidenciando a corrupção por detrás da transição que continua a beneficiar só alguns – Governos, grandes empresas de energia, grandes cidades – e a prejudicar sempre os mesmos, as pessoas comuns e o mundo.

Os especialistas debruçaram-se sobre 465 artigos do ‘Correio da Manhã’, ‘Observador’ e ‘Público’, e concluíram que os media portugueses difundem habitualmente uma perspetiva simplista da transição, em vez de promoverem um debate mais informado e com dados objetivos que integre os vários impactos, positivos e negativos, que as energias renováveis podem ter, especificamente de larga escala e que pertencem a grandes empresas de energia.

Essa abordagem mais multidimensional, e com mais informação, seria “um discurso com capacidade para promover uma transição para a energia verde mais justa”, referiram as investigadoras, “mas é um tipo de discurso, por enquanto, menos difundido do que os outros”.

“Numa análise qualitativa, conseguimos perceber que o discurso dos órgãos de comunicação social, não só não tende a questionar esses aspetos, como acrescenta ambivalências que podem, mesmo que indiretamente, incentivar a adesão a discursos dos partidos de extrema-direita em Portugal”, indicou Susana Batel, docente e investigadora do Iscte e coordenadora deste projeto.

A análise aos artigos publicados entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021 permitiu identificar diversos padrões nos temas das notícias. As investigadoras destacaram a presença de um tipo de discurso de competição entre estados na transição para energias verdes, o qual apela ao sentido de identidade nacional e orgulho nacionalista.

No caso de Portugal, esse discurso apresenta-o como um “país moderno”, ideal para a implementação de tecnologias para a transição verde, mas essas mesmas notícias fogem a discutir temas como “a defesa do interesse público nos negócios das energias renováveis”, afirmou Susana Batel.

Noutros casos, as notícias focam-se nas injustiças económicas, sociais e ambientais associadas à transição verde. Em Portugal, esta transição tem-se materializado em grande parte na construção de novas infraestruturas de larga escala, como mega centrais solares e parques eólicos, mas as comunidades envolvidas – na sua maioria rurais – apesar de serem diretamente afetadas pelas mudanças, raramente são envolvidas e ouvidas de forma efetiva nas decisões, razão pela qual estão pouco presentes nos trabalhos jornalísticos publicados.

“O discurso de que esta transição continua a beneficiar só certas elites – sejam Governos, grandes empresas ou cidades –, prejudicando sempre as pessoas comuns, um discurso típico dos populismos de extrema-direita, está presente nos media, mas estes não abrem o debate”, referiu.

De acordo com a investigadora, “os meios de comunicação social tentam seguir princípios de objetividade e imparcialidade e de dar voz ora a um lado ora a outro das questões, mas dar voz às questões é pô-las em relação e questionar criticamente que interesses estão a ser defendidos, por quem, para quê e com que impactos”.

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