NATO: O alargamento de 2004 que sossegou a Europa e irritou a Rússia

Há 20 anos, em 29 de março de 2004, a NATO assistiu à mais relevante expansão da sua história, com a adesão de sete novos países da Europa de Leste, numa decisão que irritou a Rússia.

Com a chegada deste grupo de países da esfera de influência da antiga União Soviética – Bulgária, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Letónia e Lituânia – a organização respondia a uma aspiração dos Estados Unidos de consolidar, à margem da União Europeia (UE), a posição da NATO nas fronteiras com a Rússia.

O Kremlin respondeu com desconfiança a esta expansão, por este grupo incluir três estados bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia – e pela intenção subjacente de criar uma plataforma de defesa no leste da Europa, em território onde, até 1995, a Rússia tinha estacionado tropas.

Para vários analistas, a expansão da NATO em 2004 – que foi formalizada na cimeira de Istambul, em 28 e 29 de junho desse ano – constituiu um marco relevante para o confronto entre o Ocidente e a Rússia, fornecendo os primeiros dados para o argumento russo do “fim da segurança na Europa”, que tem servido para o Presidente Vladimir Putin justificar recentes posições de força, nomeadamente na Ucrânia.

Eis algumas perguntas e respostas sobre o alargamento da NATO em 2004.

Foi este o primeiro alargamento da organização na Europa de Leste?

Não. Em 1999, três países do Pacto de Varsóvia – República Checa, Hungria e Polónia (chamado Grupo de Visegrado) – já tinham aderido à NATO, apesar dos veementes protestos diplomáticos da Rússia, que viu essa decisão como uma primeira ameaça à segurança na Europa na era pós Guerra Fria.

Nessa altura, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Andrei Kozyrev, salientou o desagrado do Kremlin pela adesão à NATO de países que considerava aliados naturais de uma nova ordem política que se estava a desenhar.

O alargamento incluiu todos os países que nessa altura desejavam integrar a NATO?

Não. A Croácia tinha iniciado, em 2002, um plano de ação para aderir à Aliança Atlântica, mas acabou por não ser incluída no grupo que formalizou a adesão em 2004, tendo formado em 2003 a Carta do Adriático, juntamente com a Albânia, para continuar nesse rumo.

Estes dois países acabariam por integrar a NATO a partir de 2009.

Que outros alargamentos da NATO tinham existido até então?

Desde a sua criação, em 1949, a NATO expandiu-se em diversas ocasiões distintas, a partir do grupo de 12 membros fundadores originais: Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos.

A Grécia e a Turquia aderiram em 1952, estendendo a aliança ao sudeste da Europa.

A Alemanha tornou-se o 15º membro da NATO em 1955; a Espanha aderiu em 1982; e em 1990, na sequência da reunificação alemã, toda a Alemanha ficou sob a égide da defesa da NATO.

A queda do Muro de Berlim e a dissolução do Pacto de Varsóvia após o fim da guerra fria abriram caminho a uma maior expansão para leste.

As novas democracias da Europa central e de leste estavam interessadas em aderir à aliança e cimentar a sua nova liberdade e, em 1999, a República Checa, a Hungria e a Polónia tornaram-se os primeiros antigos membros do Pacto de Varsóvia a aderir.

Que novos alargamentos existiram desde 2004?

Em 2009, a Croácia e a Albânia tornaram-se membros.

Em 2017 foi a vez do Montenegro e em 2020 a Macedónia do Norte tornou-se o 30º membro da Aliança Atlântica.

As mais recentes adesões ocorreram nos últimos meses, com a chegada da Finlândia (2023) e da Suécia (2024).

Qual o interesse particular dos Estados Unidos na expansão da NATO em 2004?

Desde o fim da Guerra Fria que os Estados Unidos passaram a recear que a UE passasse a ter um papel determinante na nova ordem mundial, em particular na região leste da Europa, se a NATO ficasse desguarnecida nessa zona.

No mandato do presidente republicano George W.H. Bush, no final dos anos 80 do século passado, o Congresso norte-americano dividiu-se entre aqueles que defendiam um alargamento da NATO a leste e aqueles que sugeriam uma maior coesão entre o grupo de países da Aliança Atlântica.

No mandato seguinte, do democrata Bill Clinton, em 1992, sobretudo após uma importante vitória dos republicanos nas eleições intercalares de 1994, os Estados Unidos passaram a advogar de forma mais sistemática uma posição favorável à expansão da NATO no leste da Europa, alegando a necessidade de a Aliança Atlântica não deixar à UE a função exclusiva de segurança nessa região.

Como reagiu a Rússia a esta expansão?

O Kremlin reagiu com preocupação a este alargamento da NATO, sobretudo por causa da adesão de três países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) que eram considerados como “o estrangeiro próximo” – uma expressão usada por políticos russos para as nações que não se esperava que agissem contra os interesses estratégicos russos.

Quando, quatro anos depois, em 2008, a NATO aceitou as aspirações da Geórgia e da Ucrânia a integrarem a Aliança Atlântica, o Kremlin reagiu de forma dura, iniciando mesmo um breve conflito com as autoridades georgianas na Ossétia do Sul e na Abcásia, que Moscovo considerava serem estados independentes.

Logo em 2004, o Parlamento russo (Duma) pediu ao Governo para rever a sua política de defesa e o líder do Comité de Segurança Nacional, Viktor Zavarin, sugeriu mesmo um afastamento estratégico relativamente aos três países bálticos que tinham aderido à NATO.

Nos meses seguintes, as Forças Armadas russas reforçaram as suas posições nas regiões de fronteira com os países da Aliança Atlântica.

Ao mesmo tempo, o diretor do influente Instituto de Análise Estratégica, Serguei Oznobishchev, escrevia na Rossiskaya Gazeta, em março de 2004, que a expansão da NATO significava um falhanço para a diplomacia russa e um importante marco para o futuro da Europa.

Na análise deste influente diplomata, os países bálticos tinham aderido à NATO por “receio genético” da antiga União Soviética, então já Rússia, acusando Moscovo de “ter falhado em contrariar esse receio”.

De quem partiu a iniciativa do alargamento da NATO no leste da Europa?

A expansão da NATO deve-se à confluência de interesses dos países ocidentais e dos países do antigo Pacto de Varsóvia em partilhar plataformas comuns de segurança e defesa, em particular para contrariar o que consideravam – já nessa altura – ser uma tendência expansionista e imperialista do presidente russo Vladimir Putin.

Os planos para o alargamento da Aliança Atlântica começaram a ser desenhados em 1995, quando a NATO divulgou um documento com os requisitos para essa expansão, alertando para os riscos dessa, nomeadamente o de a tornar menos eficaz e mais homogénea.

Que vantagens viram os países ocidentais no alargamento da NATO de 2004?

Quando soube da decisão final de aceitação do grupo de sete novos países, o então secretário-geral da Aliança Atlântica, Jaam de Hoop Scheffer, disse: “Nada poderia ilustrar melhor o valor duradouro da ligação transatlântica”.

No seu discurso de boas-vindas ao novo grupo de membros, o então presidente dos EUA, George W. Bush, referiu-se aos sete países como “amigos antes de serem aliados e aliados na ação antes de serem aliados por tratado”, lembrando o papel que já tinham desempenhado nos conflitos no Afeganistão e no Iraque.

Diversos líderes europeus, nessa altura, sublinharam a importância do papel dos novos países na sedimentação dos mecanismos de segurança na Europa de Leste, para dissuadir potenciais ameaças de agressão de países vizinhos, em particular a Rússia.

Esses mesmos líderes salientaram ainda a coincidência do alargamento da NATO com o alargamento da UE, recordando que estas duas organizações constituem uma parceria estratégica fundamental para a estabilidade na Europa.

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