Grávidas portugueses ‘fogem’ para o privado: partos de mulheres estrangeiras na Maternidade Alfredo da Costa batem recordes e levantam dúvidas

A Maternidade Alfredo da Costa (MAC), a unidade de referência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), realizou em 2023 3.837 partos, dos quais apenas 57% foram por mulheres portuguesas. De acordo com a rádio ‘Renascença’, quase um em cada dois bebés que nasceram na MAC eram filhos de mulheres estrangeiras: 1.647 (43%), o mais número desde que há registo.

A procura da MAC em Lisboa por cidadãs estrangeiras – na maior parte dos casos de imigrantes estabelecidos no país – tem vindo a aumentar: em 2015, 83% dos partos eram de mulheres portuguesas, um número que desceu para 57% no ano passado. Houve 20 nacionalidades diferentes a nascerem na MAC: Portugal representou a maior fatia (2.190), seguido pelo Bangladesh (324) e Brasil (321). O Nepal surge em 4º lugar, com 246 e São Tomé e Príncipe em 5º, com 113.

Os dados da MAC revelaram a ‘fuga’ das grávidas portuguesas para o setor privado. “Realmente tem vindo a diminuir o número de cidadãs nacionais a ter o parto na MAC. Não sei se o mesmo se passará ao nível dos outros hospitais, mas provavelmente connosco passa-se exatamente porque a população que reside na nossa área é essencialmente estrangeira”, salientou Ana Fatela, diretora clínica da MAC.

Existe, porém, outra explicação que não pode ser excluída. Muitas portuguesas têm evitado os serviços de Obstetrícia e Ginecologia do SNS para fazer o parto no privado: em 2021, os hospitais privados fizeram quase 30% dos partos na região de Lisboa e Vale do Tejo. No primeiro semestre de 2023, o número de partos no privado em Lisboa subiu 20%, face ao ano anterior.

“Sinceramente, não sei. Sabemos que, por força das circunstâncias, o SNS ter diminuição das suas capacidades, leva a que algumas pessoas também tenham medo de vir ter o seu bebé à maternidade e ao SNS, e o vão fazer aos hospitais particulares”, salientou a responsável.

Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), confessou-se surpreendido com a “dimensão” do crescimento de partos de mulheres estrangeiras na MAC, vendo como um “ponto positivo” para o país e sinal da “qualidade e a segurança que existe em todo o SNS”.

No entanto, o bastonário da OM reconheceu que “é aceitável dizer” que as “mães portuguesas preferem ir diretamente ao privado, tendo em conta tudo aquilo que tem acontecido nas maternidades do país”.

“Muitas vezes as maternidades fecham, muitas vezes as grávidas têm de ser encaminhadas para outros hospitais. E aquilo que uma mãe procura é estabilidade, é alguma tranquilidade, ter a certeza de que será sempre acompanhada da melhor forma, sem nenhuma interrupção. E isso não tem acontecido nas maternidades do SNS”, refletiu.

No entanto, há outro fenómeno que importa ter atenção: o “turismo de natalidade”. Desde 2022, têm surgido casos suspeitos, com possível envolvimento de redes criminosas, de mulheres que chegaram de países do Indostão (Nepal, Índia, Bangladesh e Paquistão). Em 2023, os bebés de mulheres de países do Indostão representaram 18% (695) dos nascimentos na MAC, um aumento de quase 500% (137) face a 2015.

Este crescimento é ainda mais notório quando é feita a comparação com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), origem tradicional de muitos imigrantes em Portugal. Em 2023, de cidadãs dos PALOP, nasceram 392 bebés na MAC (10% do total). Em 2015, foram 165.

Para Carlos Cortes, este fenómeno é “residual”, mas estará em crescimento. “Temos cada vez mais casos, em cada vez mais hospitais, em que esse fenómeno, o ‘turismo de saúde’, acontece. Portugal tem esta característica humanística que é permitir pessoas que necessitam de cuidados de saúde, mesmo provenientes de outros países – com sistemas de saúde, mas provavelmente não tão bons como o nosso –, acabem por vir a Portugal, residam em Portugal durante o momento em que têm de usufruir [dos cuidados], e depois voltem ao seu país”, salientou.

Ana Faleta garantiu que na MAC “não existe um protocolo” para sinalização de possíveis casos de “turismo de natalidade”: o registo informático do SNS não indica sequer quantas consultas de acompanhamento uma grávida teve durante a gestação. Algo que o bastonário dos médicos admitiu ser necessário mudar.

“Era absolutamente essencial existir um mecanismo que pudesse avaliar estas situações. Portugal está no espaço Schengen, há livre circulação. E tem uma relação com os países da CPLP. Era importante termos a noção destes vários fenómenos, nomeadamente do ‘turismo em saúde’, numa perspetiva de estarmos preparados para as várias necessidades que possam surgir”, concluiu.

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