Finanças queixaram-se ao BdP sobre bancos que falharam envio de declarações das amnistias fiscais
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais classificou hoje de “inaceitável” a falta de resposta dos bancos que intermediaram a regularização de capitais ocultados no exterior, adiantando que fez queixa ao Banco de Portugal dos 24 bancos em falta.
Em causa está o cumprimento do disposto na lei do Orçamento do Estado para 2019 (OE2019) que veio obrigar os bancos que intermediaram regularizações de capitais dos seus clientes no âmbito dos Regimes Excecionais de Regularização Tributária (RERT), a enviar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) as respetivas declarações de regularização para que esta as pudesse comparar com a informação que consta das que foram remetidas pelo Banco de Portugal.
Das 25 instituições financeiras envolvidas, apenas uma enviou as referidas declarações segundo assinala o relatório provisório sobre os três RERT (realizados em 2005, 2010 e 2012) que a Autoridade Tributaria e Aduaneira enviou ao parlamento, documento que esteve na origem da audição de hoje ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Questionado sobre a resposta dos bancos, António Mendonça Mendes disse ser “inaceitável” que estes não tenham dado cumprimento a uma lei da Assembleia da República, tendo decidido dar conhecimento desta situação ao Banco de Portugal (BdP).
“O que determinei é que fosse dado conhecimento ao Banco de Portugal do incumprimento de uma lei da Assembleia da República, porque isso é inaceitável”, disse o secretário de Estado, para precisar que, havendo uma lei a dizer que as instituições financeiras tinham de enviar as referidas declarações à AT, “não há nenhuma razão para essas 24 não o fazerem”.
A denúncia dos casos ao supervisor financeiro foi a solução encontrada por António Mendonça Mendes perante a ausência de um quadro sancionatório que permitisse à AT ter um poder coercivo e exigir o envio das declarações, porque a lei não configura este ato como uma obrigação fiscal.
“Parece-me que é uma questão de princípio: seja um banco, seja uma mercearia, se a lei dispõe uma obrigação, não se pode alegar que a informação já foi dada [através das declarações enviadas pelo BdP]. E não havendo mecanismos na lei fiscal nem enquadramento para levantar um auto de notícia, achei que esse comportamento deve ser comunicado ao Banco de Portugal” referiu o governante, acrescentando que o BdP, enquanto supervisor do setor financeiro, “deve tomar isso em consideração”, pois não lhe parece “admissível que uma instituição de crédito não cumpra uma lei da AR”.
Ao longo desta audição, requerida pelo PCP e aprovada por unanimidade, deputados dos vários partidos questionaram António Mendonça Mendes sobre os resultados apurados pela AT na sequência da informação sobre estas amnistias fiscais que a AT passou a dispor.
De acordo com o relatório provisório da AT, aderiram aos três RERT um total de 3.837 contribuintes (alguns usaram mais do que um dos RERT) que, no seu conjunto, apresentaram 6.524 declarações de regularização tributária.
Recorde-se que estas amnistias fiscais permitiram a regularização de depósitos, certificados de depósito, valores mobiliários, apólices de seguro do ramo ‘Vida’ ligados a fundos de investimento, operações de capitalização e ainda partes de capital (este último apenas elegível no RERT III) que não se encontrassem em território português no último dia do ano que antecedeu a entrada em vigor destes regimes.
Em troca, os titulares destas contas bancárias pagaram uma taxa de imposto de 5% nas ‘amnistias fiscais’ de 2005 (ou 2,5% se o valor fosse investido em dívida pública) e 2010 e de 7,5% na de 2012.
No seu conjunto, os três RERT permitiram a regularização de 6.018 milhões de euros, sendo 3.445 milhões atribuíveis ao RERT III, o único que não obrigava ao repatriamento de capitais – ainda que nos outros dois, apesar de o repatriamento ser uma das condições, nada obrigava a que, posteriormente, os valores não pudessem de novo ser parqueados no exterior.
O valor pago em imposto foi – e este era o único dado já conhecido – de 384,8 milhões de euros, mas a AT afirma não dispor de informação que lhe permita calcular o imposto em causa se sujeito taxa normal.
Os valores levaram o deputado do PCP Duarte Alves a assinalar que estas amnistias fiscais passam a mensagem de que “há um fisco com mão pesada para os que cumprem” e uns “regimes de privilégio apenas acessíveis a uma minoria” e a questionar o facto de em 1.218 procedimentos de inspeção, apenas 61 contribuintes tenham invocado a adesão aos RERT.
Na resposta, Mendonça Mendes salientou que uma das orientações que saiu de todo este trabalho é de que a AT reavalie as matrizes de risco no sentido de aumentar a eficácia das inspeções.
Mariana Mortágua, do BE, por seu lado, insistiu em saber em que países ou jurisdições se encontravam os rendimentos declarados ao abrigo destes RERT que apelidou de “lavandarias fiscais”.
Mendonça Mendes não referiu as jurisdições, mas adiantou que a análise aos RERT dará ainda origem a informação suplementar que chegará ao parlamento através de um anexo ao relatório contra a fraude e evasão tributária e aduaneira.