Fibras de amianto cancerígenas na água potável são uma ameaça oculta, alertam especialistas

O amianto está proibido em 69 países, mas, no entanto, ainda se esconde nos edifícios, nos aterros sanitários e mesmo na canalização. Há uma aceitação geral de que a inalação pode ser letal, mas cientistas e ativistas têm manifestado uma preocupação crescente sobre os riscos potenciais da ingestão.

As preocupações sobre o amianto na água potável centram-se principalmente na exposição através da deglutição, com cancros do cólon, estômago e esófago potencialmente associados.

Arthur Frank, professor de saúde pública e de medicina na Universidade Drexel, em Filadélfia (Estados Unidos), é um dos principais especialistas internacionais em amianto. “Os tipos de cancro que se podem contrair por ingestão seriam os do trato gastrointestinal, esófago, estômago, até mesmo intestino delgado, e depois cancros do intestino grosso e renais” explicou, citado pela publicação ‘EUobserver’.

“E tem havido cada vez mais dados acumulados sobre isso… os cientistas, em geral, estavam mais preocupados com a inalação de amianto, que é a forma como a maioria das pessoas está exposta. E pouca atenção, e pouca revisão, e pouca pesquisa foi financiada para analisar o papel do amianto ingerido.”

Em outubro de 2021, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre o amianto: a resolução original mencionava tubos de cimento-amianto em decomposição e apelava a uma abordagem preventiva – monitorização regular das fibras na água “no caso de haver risco para a saúde humana” e a um plano para remover os tubos da rede europeia de água potável. A resolução também apontou o risco das fibras libertadas e ingeridas causarem cancro na garganta, estômago e reto.

No entanto, nem o foco nos canos de água nem o cancro por ingestão sobreviveram às negociações finais entre o Parlamento da UE, o Conselho e a Comissão. Nenhuma destas passagens foi incluída na Diretiva relativa ao trabalho sobre o amianto, que entrou em vigor em toda a UE em 2023.
A Comissão Europeia, no entanto, foi informada antes: em 2017, quatro eurodeputados italianos alegaram que 100 mil quilómetros de canalizações de água foram afetados por fibras de amianto libertadas em toda a Itália. Perguntaram se a comissão tinha conhecimento, se sabia que o amianto ingerido é cancerígeno e que medidas concretas deveriam ser tomadas.

A resposta, dada pelo então comissário europeu para o Ambiente, Kemanu Vella, foi que o executivo da UE estava de facto consciente dos riscos da decomposição dos tubos de amianto. A proibição geral do amianto na UE desde 2005 incluía canalizações de água feitas de cimento-amianto, que só poderiam ser usados até ao final do tempo de vida útil.

Os tubos de cimento-amianto foram instalados em todo o mundo a partir do início de 1900, com amianto misturado ao cimento para melhorar sua resistência sob stress. Em Itália, por exemplo, segundo o ‘Investigative Reporting Project Italy’ (IRPI), cerca de metade das autoridades locais forneceram respostas sobre os serviços de água que supervisionam, sendo responsáveis por cerca de 245 mil quilómetros de tubagens, dos quais 22 mil foram construídos em tubulação de cimento-amianto.

De acordo com Fiorella Belpoggi, ex-diretora científica do Istituto Ramazzini, salientou que “é muito plausível que a ingestão cause problemas de saúde”, acrescentando que “se o amianto causa tumores por inalação, é difícil acreditar que a ingestão da mesma substância cancerígena não seria perigosa”.

Na Eslovénia, um centro de jornalismo de investigação descobriu que cerca de 4,4% dos tubos eram feitos de cimento-amianto, mas que em alguns municípios esse número chegava aos 30%. Na Dinamarca, existem 1.119 km de tubos de cimento-amianto e a água potável não é testada rotineiramente, denunciou a ‘TV2/Nord’. A Agência Dinamarquesa do Ambiente garantiu que nenhuma fibra de amianto é libertada para a água a partir das tubagens – no entanto, nunca foi feito um teste.

No Reino Unido, existem 37 mil quilómetros de tubulações de cimento-amianto, representando entre 2 e 27% das tubagens em diferentes empresas que fornecem água no Reino Unido, de um total de cerca de 340 mil km.

Na Croácia, foi descoberto que existem cerca de 2.575 km de tubulações de água de cimento-amianto, após resposta de quase metade dos distribuidores públicos de água, o que equivale a cerca de 5,2% de toda a rede de abastecimento de água do país.

Apesar do conhecimento generalizado de que as fibras de amianto ingeridas são potencialmente cancerígenas desde a década de 1960, o reconhecimento internacional não levou a qualquer ação legislativa por parte das autoridades de saúde.

Arthur Frank apontou, num artigo recente, críticas à OMS por subestimar o papel da exposição ambiental nos níveis crescentes de mulheres diagnosticadas com cancros relacionados com o amianto e sugeriu que organismos internacionais como a OMS e a IARC analisem mais profundamente a exposição ambiental no futuro, juntamente com a exposição ocupacional.

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