Fatura a pagar pelo PRR vai deixar “cada país da UE com menos liberdade orçamental nos próximos 30 anos”

Hoje Ursula Von der Leyen aterrou em Lisboa para cumprir o protocolo e entregar oficialmente a António Costa o Plano português de Recuperação e Resiliência, aprovado por Bruxelas. No seu discurso, a presidente da Comissão Europeia anunciou que este será um forte impulso “para o crescimento económico” do país, porém, terminada a “pompa e circunstância” e “os holofotes”, o que dizem os especialistas sobre esta “bazuca”?

A Executive Digest foi ao encontro de Nuno Sousa Pereira, Head of Investments da Sixty Degrees, para quem é importante lembrar a forma como este plano será financiado, ou seja, “através da emissão substancial de dívida, o que  deixará cada país da União com menos liberdade orçamental nos próximos 30 anos”.

“É fácil de constatar que várias taxas e impostos estão já a ser concertados a nível europeu (imposto sobre a utilização de plástico ou parte das taxas sobre o comércio eletrónico) e que serão fontes de receita direta da Comissão Europeia, fazendo o bypass aos orçamentos locais”, salienta o especialista.

Por outro lado, Sousa Pereira explica ainda que, sendo parte dos apoios prometidos sob a forma de empréstimo, a sua tomada vai resultar no aumento da dívida dos países, alguns dos quais com níveis de dívida já muito elevado face ao PIB (como Portugal e Itália, entre outros).

“Por esta razão, após 2026, vai ser necessário incorrer num esforço orçamental suplementar para pagar esses empréstimos. Tal esforço implicará mais impostos sobre os cidadãos e as empresas, menor investimento público, um corte na despesa pública ou uma combinação entre eles”, frisa o financeiro.

Questionado sobre a possibilidade do PRR poder influenciar o aumento da inflação e do aumento de preços em alguns setores, Nuno Sousa Pereira lembra que “as leituras de inflação já estão a subir, com especial destaque para a componente dos preços da energia”. No entanto, o especialista reconhece que, “como alguns destes fundos patrocinam o investimento massivo concertado, é normal que possam colocar uma pressão adicional sobre os recursos disponíveis, não só ao nível das matérias-primas como também do fator trabalho”.

Relativamente à possibilidade de o investimento privado em Portugal poder ficar “adormecido” com o PRR, o especialista lembra que uma das principais críticas feitas a este plano “diz respeito à sua reduzida aportação de fundos ao setor privado e à quase total preferência pelo setor público”.

Nuno Sousa Pereira não esquece que “existe um desequilíbrio evidente entre investimento público e investimento nas empresas, que serão destinatárias de apenas 4,6 mil milhões de euros, até 2026, com os objetivos de re-industrialização, capitalização e apoio à criação de emprego. O investimento privado em Portugal enfrenta inúmeras barreiras, sejam elas burocráticas, financeiras ou fiscais, que barreiras deverão ser ainda maiores neste caso, pois a “máquina” do Estado está completamente focada e interessada nos “investimentos” ao abrigo do PRR”, acrescenta.

Por outro lado, o executivo acredita que os bancos também deverão mostrar maior incentivo em financiar os investimentos no âmbito do PRR, pela maior segurança, uma vez que parte dos fundos é “garantido” pela União Europeia, o que lhes diminuirá o valor em risco nos projetos em causa.

Para além disso “existe também o potencial de desenvolvimento de uma franja empresarial dependente das verbas do programa, cujo objetivo é a criação de projetos sobredimensionados numa tentativa de maximizar os apoios concedidos sem grandes preocupações de viabilidade, como já aconteceu no passado”.

Assim sendo, Nuno Sousa Pereira deixa uma recomendação: “Para que o PRR tenha efeitos duradouros, de longo prazo, a maior fatia do Programa deveria ser destinada à dinamização de projetos privados inovadores e geradores de riqueza, acompanhada por uma componente de responsabilização empresarial que pudesse implicar uma completa retirada de apoios em caso de  má gestão, o oposto do que temos vindo a assistir com a TAP”.

“Além disso, seria sensato garantir que em caso de aplicação dos fundos por multinacionais, o comprometimento com os investimentos em Portugal é de longo prazo. Deveriam por isso existir cláusulas de defesa para os interesses do país, evitando assim os erros cometidos em apoios concedidos no passado, essencialmente fiscais, cujos beneficiários acabaram por diminuir ou mesmo encerrar os investimentos que detinham em Portugal”, defende o especialista.

Face a tudo isto, e interrogado pelo verdadeiro impacto da “bazuca” na economia do país, Nuno Sousa Pereira lembra que “a experiência passada de anteriores programas, nomeadamente relacionados com o recebimento de fundos comunitários, deixa muitas dúvidas sobre o potencial impacto positivo do atual PRR na economia portuguesa”.

“Os resultados obtidos com todos esses programas foram fracos, tendo em conta a divergência do PIB per capital nacional face à média europeia nas últimas décadas. De facto, o problema de Portugal não parece ser propriamente a falta de estímulos, já que vários programas têm sido implementados uns a seguir aos outros. Neste contexto, torna-se ainda mais difícil acreditar que o recente PRR possa ter impactos verdadeiramente positivos no crescimento económico português”, explica o Head of Investments da Sixty Degrees, para quem “a provável subida da carga fiscal, o aumento do nível geral de preços e a forma como ambos penalizarão as já parcas poupanças”, serão fatores agravantes, deste possível fiasco.

“O nosso país tem tipicamente problemas de controlo e responsabilização dos investimentos, sendo que um dos maiores riscos identificados é a alocação sobredimensionada desses apoios que acabam por não se materializar em projetos empresariais e se dirigem à especulação imobiliária, algo que em nada contribui para a melhoria das condições de vida do cidadão em geral”, conclui Nuno Sousa Pereira.

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