Explicador: Afinal, o que é a pobreza energética? E qual o cenário em Portugal?

A Pobreza Energética caracteriza-se pela incapacidade económica de um individuo aquecer ou arrefecer a sua casa face ao seu rendimento. Portugal surge em 4º Lugar (Eurostats, 2019), no topo da lista dos países mais pobre energeticamente pela Directorate-General for Energy, com uma taxa de 16.4% de incapacidade em manter adequadamente a habitação aquecida.

Torna-se quase incompreensível, até mesmo questionável, como Portugal pode estar tão mal classificado energeticamente, com o típico clima ameno e uma predominância de dias com sol. No topo da lista, lidera a Suécia e a Finlândia, países com invernos longos, frios e secos, com temperaturas predominantemente abaixo do 0ºC durante vários meses. A pergunta que se coloca é: Porquê?

Neste sentido, apresentam-se 5 pontos “focais” que todos devem assumir sob a forma de analogia à visão periférica. Uma visão profunda, descentralizada, fora do foco principal, capaz de ver o que está ao nosso redor, caso estejamos a olhar em frente.

 

Uma visão periférica acerca da pobreza energética

 

Assim, parte da pergunta pode ser rapidamente descortinada pelo baixo salário médio português e da relação custo de vida Vs rendimento.

Portugal é um dos países com o salário mínimo europeu mais baixo segundo dados publicados pela Eurofound a junho de 2023, muito distante de Suécia e da Finlândia, que apesar de não terem ordenado mínimo definido, dados pelo Wage Centre apontam para valores compreendidos entre 1,500-2,000 euros por mês.

Outra justificação que pode ser dada, passa pelo custo associado a uma casa passiva. Uma casa com uma arquitetura moderna, confortável, que maximiza os ganhos e minimiza as perdas. Este tipo de construção requer uma quebra do paradigma, quer do ponto de vista arquitetónico, quer do ponto de vista da engenharia que até então vem sido aplicado à construção em Portugal. É verdade que se assiste a uma mudança constante no tipo de habitação nova que surge, bem como no tipo de materiais aplicados às mesmas, contudo, muito ainda tem de ser realizado no que se refere a uma habitação com mais anos de edificação (tipicamente, de construção indisciplinada, com baixo nível de isolamento e com enormes pontes térmicas), onde o custo de investimento para um utilizador a conseguir tornar numa casa passiva será, por si só, elevado. Portanto a adoção de soluções passivas ao nível do edificado é imprescindível para garantirmos (sobretudo no Inverno) que qualquer tipo de energia calorífica produzida no interior do edifício não se dissipe com facilidade.

Este tipo de intervenções inicia-se logo pela escolha da orientação das fachadas e com seleção de envidraçados de elevado desempenho, como também apostar na aplicação de elevado isolamento, com uma construção “air tight”, que permite tornar o edifício praticamente hermético, nunca esquecendo as necessidades de renovação de ar necessárias de serem cumpridas, quer para garantir a saúde ocupacional dos diferentes espaços, quer para estar de acordo com os requisitos legislativos.

Claramente, estas implementações têm um custo acrescido comparativamente a uma construção típica, compreendido entre 5 a 20%, segundo Daniel Kress, fundador da Smart Plus Academy na Austrália.

O custo da energia em Portugal é também outra justificativa para a baixa aplicabilidade do conceito. Segundo dados publicados pela EDP, a julho de 2021, acerca do preço da eletricidade para consumidores domésticos na União Europeia relativamente ao poder de compra, Portugal encontra-se em 4º lugar, o que indica que os portugueses têm menor poder de compra quando comparados à média europeia.

Do ponto de vista do custo da energia segundo a mesma fonte, a carga fiscal é também um fator limitativo, uma vez que a conta da fatura da eletricidade ao final do mês duplica com a aplicação dos impostos e encargos, quando comparada com meses anteriores.

Diretamente relacionado com o rendimento médio da população ativa portuguesa e tendo em conta o custo médio de vida, entende-se que a tecnologia (quer construtiva quer mecânica) adotada para a habitação em Portugal, será logicamente dependente do poder de compra que cada cidadão ativo tem. De acordo com os sensos de 2021, dados fornecidos e tratados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), 30% dos portugueses afirmam não usar nenhum tipo de aquecimento, 26% usam aquecimento recorrendo a equipamentos móveis (aquecedores elétricos e/ou a gás), 14 % utilizam lareira aberta, 8% recorrem a recuperador de calor e somente 16% tem aquecimento central.

Já relativamente ao aquecimento de água, dados da mesma fonte afirmam que 36% dos portugueses usam gás natural e cerca de 33% utiliza gás GPL, em garrafa ou botija. Num país tão exposto a sol, somente 10% dos portugueses recorre a um equipamento solar térmico.

Tanto para aquecimento ambiente como aquecimento de água, constata-se que o custo de aquisição pode estar muitas vezes na origem da falta de adoção dos equipamentos.

Num artigo da revista Sustainable Cities and Society (volume 82, 2022), foi publicado um estudo comparativo de sistemas energéticos, acerca da diferença de desempenho energético sazonal (SCOP) na EU. Constatou-se que lareiras abertas (utilizada por 14% dos portugueses, de acordo com os sensos) é o aquecimento menos eficiente, sendo os mais eficientes os sistemas de aquecimento centralizados elétricos, nomeadamente as bombas de calor. Todavia, o custo inicial acaba por recompensar a médio/longo prazo, ou seja, o Payback do equipamento, dependendo do tipo de sistema adquirido. Por exemplo, se o consumidor investir num equipamento eficaz (que faz corretamente) e eficiente (recorrendo a menor energia), este poupará na fatura final do mês, daí a importância de saber analisar a etiqueta energética de cada equipamento.

Da mesma forma é de primordial importância conhecer que tecnologias aplicar a cada tipo de habitação e saber como funcionam para tirar maior proveito delas, ou até, ponderar a combinação de tecnologias, por exemplo, para aquecimento de água ter coletor solares e, em caso de incapacidade, associar-se um termoacumulador ao sistema.

Todos os equipamentos, para climatizarem um determinado espaço, necessitam de vencer a inércia térmica a si associada até se atingir um equilíbrio térmico. Este processo deve ser processado com o tempo necessário, pois não se trata de um procedimento instantâneo, mas sim constante. Para tal, o procedimento é estabelecer uma temperatura de setpoint de conforto térmico, aproximadamente 20º no Inverno e 25º no Verão, e aguardar que o espaço atinja o equilíbrio.

Por último, mas certamente a força motriz para a mudança, a Educação. O papel da educação é essencial para mudar a mentalidade e fatores culturais intrínsecos. Em contexto de opinião político-social, o tema surge apelidado de Iliteracia Energética, caracterizada pelo desconhecimento de soluções de mitigação do problema. Apostar na educação, fazendo chegar a informação a todos os cidadãos é o passo necessário à realização da vontade de viver numa uma casa confortável. Da mesma forma incentivos políticos e económicos devem ser direcionados para colmatar as vulnerabilidades e atuar em realidades e não em paradigmas.

Apresentados os cinco pontos de vista periféricos, imagine-se agora uma visão expandida em “looping”, onde a sociedade é devidamente formada, onde os rendimentos são superiores e mais semelhantes aos praticados na UE, onde habitamos em casas passivas e que menores custos de energia requerem, onde seremos conscientes de adotar soluções tecnológicas adequadas e eficientes para colmatar as necessidades energéticas requeridas.

Uma visão expandida acerca do futuro energético

O maior investimento para a maioria dos seres humanos é precisamente a casa. A casa que é um reflexo de quem lá habita. A mesma ampara quem lá dentro mora, portanto, esta significa conforto, segurança e proteção. Não sejamos pobres de espírito, vivendo uma fábula infantil conhecida por todos, iludidos com o impulso por fazer da forma fácil e rápida, que acabam por trazer consequências no futuro. Sejamos passivos nas nossas casas, nunca nas nossas decisões! Sejamos mais Homens de ambição, gestores das nossas decisões baseadas na consciência, na tecnologia e no Mundo que nos sustenta e se segue.

 

Inês Teixeira
Projetista na dte – instalações especiais

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