Especialista alerta que “Europa sofrerá um duro inverno energético”. Competição pelo abastecimento de gás será “implacável”

O verão ainda agora começou, mas os olhos de muitos estão já postos no inverno que se aproxima. A forte dependência que a Europa ainda tem face ao combustível da Rússia e a perspetiva de cada vez mais interrupções do fornecimento fazem soar os alertas nas capitais europeias.

Em entrevista ao ‘El Mundo’, a Professora de Política Económica na Universidade de Cambridge, Helen Thompson, sugere que a unidade no seio da União Europeia já deu sinais de estar a esmorecer, principalmente no que toca às sanções aplicada à Rússia. Desde logo, aponta o embargo de 90% ao petróleo russo até ao final do ano, que enfrentou a oposição da Hungria, da Eslováquia e da República Checa.

Thomson aponta que “a questão do gás russo é ainda mais controversa”, considerando a dependência profunda que países como a Alemanha e a Itália têm relativamente a esse produto energético fornecido por Moscovo. Ciente dessa divisão entre os 27 Estados-membros, “Putin usará cada vez mais o gás como arma de guerra, para dividir aliados e castigar determinados países, como tem feito com a Finlândia ou os Países Baixos”, diz a especialista. “Se a guerra continuar, a crise energética vai piorar e haverá grandes divisões na Europa”, alerta.

Têm sido observados, e até já são sentidos, os efeitos da guerra russa na Ucrânia sobre os fluxos de abastecimento de combustíveis fósseis à Europa, com alguns países a ativarem planos de contingência para o caso de interrupções ou perturbações e a reativarem centrais elétricas a carvão para garantir a produção de eletricidade.

Com esse pano de fundo, Thompson diz que “a Europa espera um duro inverno energético”. Com a chegada do frio, aumenta o uso de sistemas de aquecimento, fazendo disparar a procura pela eletricidade. Isso fará subir ainda mais os preços e “haverá uma competição implacável para garantir o abastecimento” e antevê que “alguns países vão passar mal, porque têm poucas opções”. Um deles será a Alemanha, “que decidiu apostar firmemente no gás russo e a não abrir portas ao gás natural liquefeito dos Estados Unidos”, afiança Thompson.

A especialista britânica confessa que a guerra da Rússia contra o país vizinho tem motivações “territoriais e ideológicas: a ideia de uma nação ucraniana é intolerável para Putin”, e argumenta que “é certo que a Ucrânia se converteu na cruzada dos interesses energéticos da Europa”. Ela não afasta, contudo, a possibilidade de a guerra poder ter alguma razão energética, tendo em conta que a região do Donbass “é realmente muito rica em recursos naturais”, acrescentando que “parece haver grandes depósitos de gás natural no Mar Negro”.

Olhando para o registo histórico e afastando-se do atual contexto geopolítico, Helen Thompson diz que “os países ocidentais vivem em crise energética desde os anos 70”, e explica que são os curtos episódios de aumentos dos níveis de abastecimento que nos fazem esquecer essa realidade. Contudo, não nega a dimensão e os impactos da situação energética que hoje vivemos, referindo que os problemas no abastecimento se agudizaram com a pandemia, e, claro, “a guerra complicou ainda mais as coisas”.

A União Europeia, pela voz da Presidente da Comissão Ursula von der Leyen e de outros líderes europeus, tem incentivados os seus membros a apostarem na produção de energia através de fontes renováveis. Contudo, essa transformação tem sido posta em suspenso por alguns países, que procuram lidar com os problemas imediatos em mãos.

Ainda assim, Thompson sublinha que a guerra “serviu para deixar claro que é preciso acelerar a transição energética em direção às renováveis, para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis”. Por outro lado, o conflito tem tornado bastante evidente a importância que o petróleo e o gás ainda têm nas sociedades atuais.

Virando o olhar para o futuro, Helen Thompson afirma que “a era do petróleo não vai acabar de um dia para o outro, como não se acabou a era do carvão”, e prevê que as novas fontes de energia trarão profundas transformações geopolíticas, e dá como exemplo o caso da China, que domina os mercados mundiais de terra raras, essenciais para o fabrico de tecnologia usada na produção de energia de fontes renováveis.

A especialista alerta para os potenciais efeitos desestabilizadores da transição energética, com impactos sociais e políticos bem reais. “A minha preocupação é que estejamos a caminhar para um mundo de carros elétricos para os ricos”, remata Thompson.

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