Embaixada russa em Portugal acusada de tentar enviar estudantes a centro sancionado na Crimeia
A Associação de Ucranianos em Portugal acusou a Embaixada da Rússia de ter convidado quatro estudantes residentes em Portugal para visitarem o Centro Infantil Artek, na Crimeia, uma região ucraniana ocupada pela Rússia desde 2014. Este centro é alvo de sanções internacionais por promover “reeducação patriótica” de crianças, muitas delas ucranianas, forçadas a participar em atividades que apoiam o Kremlin.
Segundo avança a cNN denúncia foi enviada em abril de 2024 ao então recém-empossado ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, mas, segundo a Associação de Ucranianos, não obteve resposta. No e-mail, os representantes da associação alertaram para o facto de a viagem promovida pela embaixada russa violar a legislação ucraniana, considerando que entrar na Crimeia ocupada sem autorização de Kiev é ilegal.
“Organizar a viagem de crianças portuguesas à Crimeia tem como objetivo usá-las como escudos humanos contra o exército ucraniano”, escreveu a associação. A denúncia foi reforçada com preocupações sobre a segurança das crianças, numa altura em que a região enfrenta constantes ataques e tensões militares.
O convite para o Centro Artek surgiu no âmbito de um concurso de recitação realizado em Albufeira, em março de 2024, organizado pelo Conselheiro de Cultura da Embaixada da Rússia e pelo Centro Cristão de Cultura Espiritual “Pokrov”. Participaram oito alunos do primeiro e segundo ciclos, dos quais quatro foram premiados com a viagem ao centro infantil localizado na costa do Mar Negro.
O conselheiro Vladimir Iaroshevskii, que liderou o evento, anunciou publicamente os prémios, mas a embaixada russa esclareceu posteriormente que os convites foram feitos a “cidadãos russos residentes em Portugal”. Apesar do anúncio, a viagem acabou por não acontecer “por motivos pessoais”, segundo a embaixada, mas foi deixada em aberto a possibilidade de ser retomada no futuro.
O Centro Infantil Artek foi sancionado por várias entidades internacionais, incluindo a União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido, por estar alegadamente envolvido na deportação forçada de crianças ucranianas e na sua “reeducação patriótica”.
De acordo com relatórios de instituições como o Departamento de Estado norte-americano, o centro acolheu, até ao final de 2022, mais de 4.500 crianças, muitas delas retiradas das regiões de Kherson e Zaporizhzhia durante ataques russos. Algumas destas crianças continuam detidas contra a vontade das suas famílias, sendo obrigadas a apoiar publicamente a Rússia.
A União Europeia incluiu o Artek no seu pacote de sanções em junho de 2024, apontando-o como um local onde crianças ucranianas são forçadas a produzir materiais de apoio aos soldados russos. O Reino Unido também impôs sanções em 2023, classificando o centro como parte de uma estratégia russa para “desestabilizar a integridade territorial da Ucrânia”.
Especialistas consideram que a promoção de viagens ao Artek pode ser parte de uma estratégia russa para recrutar simpatizantes ou futuros agentes de influência. “O objetivo é identificar crianças e redes familiares que possam ser úteis ao Kremlin no futuro”, afirmou um investigador anónimo especializado em influência russa.
Felipe Pathé Duarte, professor e investigador na Universidade Nova, descreveu a iniciativa como uma tentativa de “normalizar a ocupação ilegal da Crimeia” e influenciar a perceção internacional sobre a região. Para o académico, estas ações configuram “operações de influência” que procuram condicionar opiniões em países da NATO, como Portugal.
Em resposta às acusações, a Embaixada da Rússia em Portugal defendeu que o Artek é um local seguro, que recebeu mais de 41.000 visitantes em 2024. No entanto, criticou os países ocidentais, incluindo Portugal, pelo envio de armas para a Ucrânia, acusando-os de contribuir para a escalada do conflito.