Daniela Braga: Uma portuguesa no topo da Inteligência Artificial

Sem capitais próprios e sem recorrer a crédito bancário. Foi assim que a empreendedora Daniela Braga fundou a DefinedCrowd (agora Defined.ai), uma startup especializada em dados para Inteligência Artificial (IA). Em agosto de 2015 juntou uma equipa de quatro elementos, mas dois não sobreviveram à incorporação da empresa nos seis meses iniciais. O terceiro saiu mais tarde. Durante este período, a empreendedora marcou um almoço com investidores num restaurante de Seattle, nos EUA, apresentou a empresa num powerpoint e conseguiu sair com o primeiro cheque: 200 mil dólares de financiamento para arrancar o negócio. O investimento inicial durou um ano e, entretanto, montou uma subsidiária em Portugal, com escritório em Lisboa e no Porto. Mais tarde, conseguiu também os primeiros clientes.
Antes deste almoço, Daniela Braga já contava com um percurso profissional de sucesso. Após a licenciatura e o mestrado em Portugal, fez investigação na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e deu aulas na Universidade da Corunha durante dois anos, até que entrou para a Microsoft (nesta empresa trabalhou em Portugal, China e Estados Unidos). Deixou a empresa fundada por Bill Gates em 2013 e transferiu-se para a norte-americana Voicebox. Depois, decidiu mudar de vida.

A evolução da Inteligência Artificial foi a janela de oportunidade. Daniela teve a noção que não existia nenhuma empresa que oferecesse dados com a qualidade necessária, em tempo útil, e à escala global. Os investidores do restaurante de Seattle gostaram do projeto. Assim, o ponto de partida seria o de replicar o cérebro humano numa máquina, mas sem as limitações de capacidade de memória e armazenamento.
Desta forma, parte do trabalho da DefinedCrowd implica analisar e catalogar dados para clientes. Em alguns casos, estas tarefas são feitas por pessoas que se inscrevem numa plataforma online da empresa e que são pagas por cada tarefa desempenhada. Cada pedaço de informação é validado a pente fino por uma equipa especializada em deteção de fraude.
A empreendedora, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, tem membros do ‘board’ ou clientes a ligarem-lhe a qualquer momento. Esteja nos Estados Unidos, Europa ou Austrália pedem-lhe reações a notícias do mundo tecnológico, sugerem-lhe potenciais financiadores ou convidam-na para eventos. A expansão da empresa traduz-se nas escassas horas de sono: Daniela dificilmente tem horas certas para dormir e as notificações do WhatsApp estão sempre a cair no telemóvel.

CONSÓRCIO
A Defined.ai, principal fornecedora de dados, ferramentas e serviços superiores de Inteligência Artificial (IA), anunciou recentemente o consórcio Accelerat.ai, um projeto aprovado pelo Governo Português através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Este novo consórcio representa um investimento de 34,5 milhões de euros que se destinam a acelerar a transformação digital dos sectores público e privado de Portugal. O projeto, nascido no âmbito das Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial, liderado pelo IAPMEI, é também o primeiro de muitos projetos do Centro de Excelência em IA de Portugal.
O consórcio visa facilitar o desenvolvimento de aplicações de IA fiáveis ​​e a utilização de dados recolhidos de forma ética em língua portuguesa de Portugal. De acordo com Daniela Braga «este novo consórcio tem uma missão muito clara: desenvolver programas de IA de língua portuguesa europeia, algo que, até à data, ainda não tem sido abordado de forma eficiente no campo da IA ​​Conversacional, especialmente no setor público e domínios específicos da indústria». 

Acrescenta ainda que «se um programador quiser usar interfaces de voz no mercado português, vê-se na obrigação de usar modelos genéricos com bastante margem de erro ou em inglês e português do Brasil, não sendo este o idioma preferencial dos portugueses. Colmatar esta lacuna é um dos principais objetivos deste consórcio que agora anunciamos».
Além da Defined.ai – que irá liderar o novo consórcio – fazem parte da Accelerat.ai, um conjunto de empresas que inclui Devscope, NOS, Instituto Superior Técnico de Lisboa, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, FC.Id e INESC-Id. Empresas como a IBM, Microsoft, Axians, Talkdesk e KPMG juntam-se com potenciais parceiros e/ou conselheiros. Na lista de clientes interessados estão a Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco e Santander (no sector da banca), SPMS e SNS (no Ministério da Saúde), AMA (Transformação Digital), Ministério da Segurança Social, EDP e Galp (nos sectores da eletricidade e gás), a NOS, e ainda a Worten e a seguradora Fidelidade.
O novo consórcio irá criar 44 novos postos de trabalho qualificado em Portugal, e contará ainda com o contributo de milhares de portugueses que, em regime “crowd-source”, criam os dados para o desenvolvimento desta tecnologia.  

Daniela Braga, CEO da Defined Crowd, em Lisboa.

TECNOLOGIA
O novo consórcio Accelerat.ai irá desenvolver uma tecnologia exclusiva que pode ser facilmente expandida para outros mercados da UE, e que permitirá otimizar o atendimento ao cliente nos sectores público e privado através de assistentes virtuais emparelhados com centros de contacto como um serviço em português europeu. Com estas melhorias, estima-se que será possível reduzir os custos alocados ao automatizar 80% das resoluções de apoio ao cliente. A Accelerat.ai dará aos clientes acesso à tecnologia de IA mais recente de uma forma independente do fornecedor de cloud, infraestrutura ou tecnologia.

Os clientes poderão escolher qual a tecnologia, seja modelo completo de IA conversacional, componente de reconhecimento de voz (ASR), componente de processamento de linguagem natural (NLP) ou resposta de texto para voz (TTS) que melhor se enquadra no seu serviço. O modelo de negócio será também baseado em subscrições flexíveis e fáceis de configurar.
«Algumas das aplicações terão avatares de voz e vídeo que falarão com as pessoas, tornando possível encomendar comida por voz sem tirar os olhos do jogo de futebol ou confirmar a receção do cheque família e transferi-lo para a conta poupança enquanto se conduz», esclarece Daniela Braga.
O atendimento ao cliente estará disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana e a um custo extraordinariamente mais reduzido. Inicialmente concebido para ajudar os portugueses, este sistema irá impactar todos os cidadãos da UE no futuro devido à sua modularidade multilingue.

TASK FORCE
São doze os elementos que integram a “task-force” da Administração Biden, criada para desenvolver a estratégia em torno da Inteligência Artificial. E entre esses doze elementos encontra-se Daniela Braga. A portuguesa faz parte do grupo que tem por missão o aconselhamento do governo federal dos EUA, mas também a elaboração de um guia para a criação do centro de pesquisa nacional de inteligência artificial, uma plataforma de partilha de investigação, dando aos estudantes e investigadores de inteligência artificial acesso às ferramentas computacionais, dados, ferramentas educativas e apoio ao utilizador.
«Um ano e meio depois apresentámos o relatório ao Congresso. Deu muito trabalho, mas foi muito interessante. Não faz sentido criar uma agência independente, mas um comité que tem a participação das principais agências que investem em IA. O “timeline” são quatro anos depois de 2023, alinhado com as eleições, até 2027», refere. 

Os EUA são o país do mundo que mais investe em IA. Segundo um relatório da Universidade de Stanford, investiram 55 biliões de dólares, uma tendência sempre crescente e estável, seguidos China (17 biliões) e o Reino Unido (5 biliões). De facto, a Europa e segundo vários estudos, está uma década atrasada face à realidade norte-americana neste domínio. «A China está taco a taco com os Estados Unidos em patentes, publicações e inovação. A diferença é que a abordagem à política de dados é muito diferente. O governo chinês tem controlo sobre os dados, os modelos e toda a estratégia».
Com clientes entre as maiores empresas do mundo, como a IBM, Microsoft ou Oracle, a empresa ambiciona tornar-se unicórnio. No entanto, Daniela Braga não quer arriscar uma data. «Os unicórnios não se fazem em poucos anos, normalmente precisam mais de 10. E quem chega mais depressa, também pode ter uma morte mais rápida», sublinha a fundadora. 

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