Criar um gigante mundial na gestão de risco
Há 18 anos, sete gestores portugueses juntaram-se para criar a wedo. agora, a líder global na gestão de fraude sai do universo sonae, atinge a maioridade e está a retomar a trajectória de crescimento
O co-fundador e CEO da WeDo Technologies é matemático e isso fá-lo gostar de problemas como poucos. Mas não é isso que o torna tão peculiar. Para além do seu jeito informal é também dos poucos, senão o único, que diz publicamente o valor do seu salário. Mas já lá vamos. Rui Paiva tinha 35 anos quando, com seis amigos – Fernando Videira (actual CFO da WeDo), João Moita (COO da WeDo), Rui Pereira, (co-fundador e VP de Digital Transformation da Outsystems), Nuno Homem (partner da Agile-tm), Miguel Esteves (CIO da Worten), José Bacelar Lourenço (CEO da Act Now) – criou uma empresa para prestar serviços à Optimus.
A ideia era passar de mero parceiro a fornecedor. «Na altura, Paulo Azevedo era presidente da Optimus e em conversa chegámos à conclusão que fazia sentido estar numa lógica de fornecedores e não ser o suporte a um operador. O Paulo [Azevedo] disse-nos logo, até pela cultura empreendedora da Sonae, que queria ser sócio e criámos a empresa com o objectivo de apoiar as telecoms em serviços de gestão.
Fizemos um spin-off em 2001, em que 44 pessoas dos sistemas da Optimus vieram connosco», recorda. No mesmo ano, estenderam o apoio a empresas de telecomunicações e venderam um projecto de cinco milhões à brasileira Oi. Logo de seguida ganharam outro projecto em Espanha. E de um dia para o outro já tinham 400 colaboradores. Outra das muitas histórias é em torno do nome. «Nas reuniões internacionais dizíamos “We do this…”, “We do something…”, até que um francês meio irritado nos diz “Devem ser a WeDo company, já que fazem tudo”. E foi assim que decidimos o nome da empresa!».
Em seis anos, isto em 2007, compraram três empresas de diferentes nacionalidades: irlandesa, inglesa e brasileira, passaram de WeDo Consulting para WeDo Technology. E em 2012 avançam para a compra de uma empresa nos EUA. 2014 foi o melhor ano de sempre em encomendas, através do non tech, e 2018 o de sucessos: mais clientes, expansão do portefólio de produto e a chegada a novos países e sectores.
ESTRATÉGIA
Apresentam-se como líderes globais na gestão de fraude e garantia de receita. «Essencialmente a empresa faz duas coisas: revenue assurance, procura ineficiências de informática e processos e corrije-as, recuperando dinheiro; e anti-fraude e somos a maior do mundo a fazer isso», assegura o CEO da WeDo.
Hoje, são cerca de 600 colaboradores de 21 nacionalidades, distribuídos por nove países e quase 300 clientes em 120 países, e querem retomar a trajectória de crescimento. Num ano marcado pela venda da WeDo pela Sonae à Mobelium, em-presa de serviços financeiros mobile e de tecnologia para o sector das telecomunicações, detida pelo grupo Audax. A operação foi comunicada ao mercado no dia a seguir à entrevista. Antes era detida pela Sonae IM, da Sonaecom. «A estratégia passa por criar um gigante mundial de prestação de serviços na área da gestão de risco», explica-nos Rui Paiva por email, garantindo manter-se à frente da WeDo após a venda, ainda que não seja clara a estratégia da Mobelium. «Esta venda faz parte do crescimento da WeDo.
Podemos dizer que é a 3.ª fase de um processo que começou em 2001 e que evoluiu até este momento. A fase um, de 2001 a 2007 foi a nossa origem e os nossos primeiros passos na internacionalização. A dois, de 2007 a 2009 foi a fase de aquisições, trazendo novas empresas, colegas, clientes, serviços e mercados. E agora, estamos perante o início da fase três, essencial para o desenvolvimento. Podemos assegurar que toda a equipa de gestão executiva irá manter-se nas suas funções. O objectivo é que trabalhem juntamente com a nova empresa para reforçar as suas soluções», acrescenta ainda Rui Paiva.
Quer também apostar no crescimento não orgânico, havendo já três empresas no radar para fusão e aquisição (F&A). «Para o ano, gostava de voltar ao “non tech”. O nosso negócio é fazer isto bem em telecomunicações, mas quero fazer a mesma coisa em vários sectores. E já o fazemos em hospital, banca. Os mais naturais para nós são as utilities e healthcare. Mas já temos muitos clientes como a Brisa, o Grupo Mello, a EDP, a 7Eleven, a Best Buy», afirma.
NEGÓCIO
Num dia recuperaram 50 milhões de dólares a um cliente. E este é apenas um dos vários exemplos. «Estamos a falar de dinheiro que se perde por ineficiência, quando detectado inclui-se na cadeia e é recuperado. O que temos em métricas é que nos piores casos recuperamos 0,5% a 5% da receita da empresa. Isto muitas vezes é mais do que um ano de vendas, é bottom line, directo. E estamos a falar de empresas que facturam 1 ou 2 “bis”», detalha o CEO.
Quando fala de erros, refere-se sempre ao universo das grandes empresas, com diferentes softwares instalados, que têm de ser compatíveis com os anteriores. «Segundo o que dizem os analistas, a indústria que mais necessidades tem são as companhias aéreas. Aquilo é muito complexo. Estes podem ter perdas de 8% do total da receita», explica enquanto deixa escapar que vai fechar dois contratos este mês. Outro dos focos da WeDo passa pelo alargamento do “footprint” e o crescimento de 10%, valor esse sem F&A nem a venda à Mobelium.
CULTURA
Para o CEO, a maior conquista da WeDo é a cultura da empresa. Montada e desenhada de tal forma que acredita que podia trabalhar qualquer outro produto. «Somos organizados e transparentes, o que nos permite partilhar tudo e isso faz com que todos se sintam muito tranquilos». É assim que retoma um assunto que lhe dá um novo brilho no olhar: o White Book. «Está lá tudo, desde processos ao que se pode ou não fazer. Não tenho mesmo de me preocupar». Costuma dizer que tem exactamente os mesmos direitos que os outros, viaja na mesma classe, trabalha num openspace, a única coisa é que ganha mais, mas mesmo isso está descrito no White Book. O ordenado auferido é entre 13 e 15 mil euros. E não tem problemas nenhuns em dizer o valor exacto. «O salário não pode ser tabu».
Agora com 52 anos, Rui Paiva diz ser um líder próximo, embora cada vez menos. «Somos muitos, fisicamente não estamos no mesmo espaço, passo muito tempo fora, há muitos pisos e tenho outra idade. Vou dizer uma coisa que é mesmo importante para a WeDo e que estamos a passar. Por isso é que acho que a gestão tem de mudar a determinada altura. Quando temos uma empresa, que envelhece e não há problema porque envelhecemos todos, mas quando estão todos na mesma fase, todos jovens, têm o mesmo conjunto de objectivos, isso é mais fácil. Não cria tantos choques culturais na organização.
As empresas têm de se preparar para que o CEO não esteja muito longe da base. Tem de haver um rejuvenescimento», salienta. Ainda que faça questão de ressalvar que os mais velhos são muito importantes, pelo que devem ter papéis de advisory. «A Sonae faz isso muito bem, o Paulo [Azevedo] fez 10 anos, agora a Cláudia [Azevedo] e assim sucessivamente. Aqui os mais jovens têm 22 anos e os mais velhos têm 50 anos. Eu era o motivador de serviço, era a parte activa. A coisa chata também de envelhecer é que quando vou a eventos as pessoas não estão tanto comigo, distanciam-se, fazem cerimónia e eu sou informal».
Revela ainda que dentro de quatro anos quer fazer o “give back”, que é aquilo a que chama de dar aulas, escrever… não sabe se continuará na empresa, mas acredita que haverá pessoas certamente mais capazes. Diz não estar a preparar a sucessão. Isto, porque «nesta empresa é muito fácil» alguém assumir a sua função. «Está tudo organizado. O que é fundamental é uma pessoa com carisma. Na gestão o importante não é convencer as pessoas, é preciso é fazer com elas. Os gestores têm aquele sentimento de mostrar que têm de ganhar a todas as pessoas em todas as batalhas e com isso mostrar que se é mais poderoso, mas isso não deve ser assim. Temos de jogar em comum, todos temos valências. Tenho de ser a pessoa que aceitam que ainda consigo fazer esse papel, no dia que não me aceitarem não serei eu».