Covid-19: Médicos de Saúde Pública denunciam falta de “plano de contingência” em Portugal para responder a “descontrolo” de casos

Se durante a pandemia ficámos ‘habituados’ a relatórios, primeiro diários, depois semanais, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e da DGS sobre a situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal, desde que a OMS declarou o fim da emergência global da doença, em maio deste ano, deixaram de se conhecer publicamente os dados e números sobre a situação pandémica. Gustavo Tato Borges, presidente da Associação nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), em entrevista à Executive Digest, considera que seria necessário um plano de contingência desenhado para esta fase, de forma a garantir a vigilância epidemiológica e, caso a doença ‘ganhasse terreno’ entre os mais vulneráveis, permitisse uma ação rápida e eficaz.

Esta quarta-feira, o diretor regional da OMS para a Europa, Hans Kluge, manifestou-se preocupado com a redução da vigilância epidemiológica da covid-19 em muitos países, desde que foi declarado o fim da emergência sanitária global. “Compreendo perfeitamente a posição do diretor da OMS. O facto não haver vigilância epidemiológica adequada, relativamente a uma doença para a qual, infelizmente, ainda não há grandes armas, a não ser a vacinação, e a qual continua a acometer principalmente os nossos mais velhos e os mais fragilizados, é um preocupação coerente, até com a linha de pensamento que a OMS tem tido ao logo da luta contra a pandemia. De facto era bom termos dados mais concretos, mais estruturantes e acima de tudo completos relativamente ao que é a evolução da pandemia em Portugal”, começa por indicar Gustavo Tato Borges à Executive Digest.

No entanto, o especialista indica que há que ter em conta o peso, em termos de recursos, que voltar à vigilância epidemiológica anterior teria, perante o benefício que traria.

“Temos de pensar efetivamente o esforço que vamos colocar, e qual o resultado que vamos obter. E nesta fase, em que temos uma grande proporção das pessoas vacinadas com uma ou duas doses de reforço, e temos campanhas de vacinação dirigidas a pessoas mais vulneráveis, se calhar não vale a pena estarmos a fazer vigilância epidemiológica de todos os casos que aparecem, mas apenas um estudo e acompanhamento dos mais graves”, afirma o médico.

Tato Borges explica que a DGS deixou de fazer a publicação regular dos números da Covid-19, mas que esses são do conhecimento das autoridades de saúde. No entanto, defende o especialista, também não seria viável voltar à vigilância de todos os casos, já que em Portugal, “não há nenhum mecanismo especifico dirigido à Covid-19, seja para aumentar número de pessoas em isolamento, ou para poderem faltar ao trabalho com remuneração a 100%, seja o que for.”

O presidente da ANMSP diz que é necessário “um equilíbrio”. “No inverno vão aumentar os casos, os internamentos, os óbitos, como acontece todos os anos. Precisamos é de perceber se há ou não excesso de mortalidade, excesso de recurso aos serviços de urgências e de aumento de internamentos, acima do esperado. Se houver, teremos que implementar algumas medidas, eventualmente. Se não, as coisas seguem o seu curso, e continuamos, sempre apostando numa comunicação adequada com a população, e se calhar, nesse aspeto, estamos um pouco mais frágeis neste momento, menos efetivos”, admite Tato Borges.

Hans Kluge, da OMS, afirmou “que estaremos mais bem preparados agora, mas ainda não estamos completamente preparados”, e Gustavo Tato Borges aponta alguns caminhos que ainda falta percorrer, nomeadamente a criação de um “plano de contingência” que permita, por um lado, vigiar, e ao mesmo tempo garantir ação rápida a um ‘descontrolo’.

“Os países todos devem ter um plano de contingência que seja acionável rapidamente, eficaz, de acordo com um nível de risco, e ter esses níveis definidos. Infelizmente em Portugal não conheço documento que diga efetivamente o que vamos fazer se atingirmos determinado nível de ocupação hospitalar, de recursos a urgências ou nível de mortalidade. E precisávamos de ter isso definido. Tivemos durante um período na pandemia, mas esses documentos agora não se aplicam”, lamenta

Em Portugal, defende o especialista, “precisávamos de um plano de contingência adequado a esta fase, de vigilância e de adaptação a uma nova realidade”.

“Para estarmos melhor preparados esses planos têm de estar a ser definidos agora, para que quando for necessário já toda a gente saiba o que fazer”, indica.

Gustavo Tato Borges acrescenta que outro aspeto em falta é inovação tecnológica no campo da medicação adequada para esta doença.

“A vacina faz o seu efeito, mas precisamos ainda de tratar pessoas doentes e vulneráveis. Por isso, um tratamento efetivo seria extremamente importante vir a ter disponível”, termina o responsável, em declarações à Executive Digest.

 

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