“Correta gestão de expectativas ajudará a ultrapassar enorme desafio da vacinação”

O presidente da direcção da Associação Portuguesa de Logística (APLOG), Raul Magalhães, explica à Executive Digest quais são os principais desafios para garantir que as tão desejadas vacinas sejam distribuídas com eficácia no mundo inteiro.

Quais são os principais desafios logísticos para a distribuição mundial da vacina contra a Covid-19?

A urgência e a questão  humanitária colocam pressão em toda a cadeia: Fabrico – Distribuição – Aplicação. Estes desafios serão tanto maiores, quanto mais atrasos face ao previsto existirem na capacidade de produção. Em termos de cadeia de valor não é um tema logístico ou seja de armazenagem, manipulação e entrega mas um tema da cadeia de abastecimento como um todo e com especial enfoque a montante…leia-se produção! A gestão das expectativas deve ser feita com todo o cuidado por ser um tema sensível afetando milhões de pessoas e com variáveis nem sempre geridas e dominadas pelos governos ou autoridades de saúde. Isto tornou-se evidente no caso de Portugal, onde já tivemos que atualizar ou refazer o plano e as expectativas iniciais.

Transportando para a escala global, teremos seguramente países ou regiões geograficamente mais isoladas e/ou menos suportadas em termos de infraestruturas ao nível rodoviário ou aéreo, que terão mais dificuldade em dar resposta a este desafio humanitário. Este tipo de situações nestas regiões, obrigará  a soluções dedicadas, com maior impacto nos transportes intercontinentais. No caso da EU, havendo uma grande fatia produzida no seu espaço geográfico, o problema não será tão crítico porque a maioria dos transportes será feito  por via terrestre.

Num plano mais micro/nacional, não podemos esquecer o desafio de fazer um planeamento tão perfeito quando possível por forma a chegar às pessoas certas, de uma forma ágil e rápida, conforme as prioridades de vacinação definidas, incluindo e cumprindo planos de contingência para as vacinas excedentes, de forma a não suscitar qualquer dúvida a quem toma a decisão sobre a quem serão aplicadas.

Qualquer processo ou projeto tem que acautelar os aspetos procedimentais; no nosso caso só após 30 dias do inicio da vacinação foram divulgados os procedimentos sobre excedentes, desistências e critérios de substituição. Uma comunicação transparente e credível, a par de uma correta gestão de expectativas, ajudará e muito a ultrapassar este enorme desafio.

E quais os principais problemas? Por exemplo, vacinas prontas sem uma cadeia de distribuição oleada?

Essa questão não será um problema neste momento. Como já referi, neste momento o tema é a falta de vacinas por questões de produção. Caso este problema não existisse, a cadeia de distribuição desde a  fábrica ao local de vacinação estaria (e está) mais que preparada. Para isso contribui o facto  de nos  transportes intra-EU, uma grande parte ser  distribuída por rodovia, um meio de transporte muito flexível e que facilmente se ajusta a eventuais alterações de volume ou rotas.

No caso de transportes por via aérea, a flexibilidade, agilidade e disponibilidade que existe neste momento são menores, mas falamos sempre no campo de “horas” de diferença. Salientaria que havendo planeamento, não serão de esperar problemas críticos neste aspeto. Os principais problemas estarão mesmo na garantia de não quebra da cadeia de frio, no caso das vacinas que necessitam deste controlo. Este desafio  ocorre  quando as vacinas entram já na capilaridade da distribuição, quando estão muito perto ou já depois do início do processo de descongelação e também no curto período de vida útil que sabemos que têm. Todas estas questões obrigam a uma gestão da  cadeia de uma forma integrada e a um planeamento  com muita flexibilidade.

A vacina que está a ser desenvolvida pela Pfizer e pela BioNtech tem se ser conservada a uma temperatura extremamente negativa. Isto constitui outro grande desafio?

A obrigatoriedade de conservação a uma temperatura extremamente negativa, obriga a entrar numa ramo da logística muito específico, o das cadeias de (muito) frio mas felizmente temos soluções no mercado que permitem fazer face a essa necessidade e sem grandes problemas. Já existem soluções técnicas, pelo que é seguramente mais importante estarmos focados no rigor e controlo das condições de transporte, armazenamento e até manuseamento, que certamente é feito na maioria dos casos por pessoas não tão preparadas como aquelas que lidam com a cadeia logística do frio. Se avaliarmos pelo prisma da simplicidade e facilidade dos processos, qualquer alternativa a estas  vacinas será sempre mais prática, pois permitirá maior dispersão de pontos de entrega por não ser necessário os requisitos e controlo da cadeia de frio. Felizmente, em Portugal temos empresas com infraestruturas de armazenagem e transporte que nos podem deixar descansados neste ponto. O mesmo seguramente não ocorrerá em outras geografias, onde este tipo de vacina pode não ser a mais adequada pela exigência que incorpora.

Os especialistas dizem que esta vacina não pode ser um decalque da forma como é feita a distribuição da vacina da gripe. Porquê?

As condições, fragilidade e características especificas que referi, sem esquecer o sentido de urgência existente, serão certamente o motivo para a não comparação com a vacina da gripe, que já não é novidade para nenhuma das áreas envolvidas no processo. Acresce o facto de a vacina da gripe ser sazonal e não ter a cobertura ao nível planetário e em simultâneo, que é o que neste momento está a acontecer com a da Covid 19.

Considera que, no campo logístico, Portugal está a responder de forma eficiente à vacinação?

Pelo que temos verificado e pela evolução  da operação tudo indica que sim, sabendo que, por vários motivos, o processo vai necessariamente ser mais longo do que o esperado.

Há uma variável que infelizmente não controlamos, que são os prazos e as quantidades entregues pelas farmacêuticas, que obriga a um esforço enorme de constante adaptação e alteração de planos de distribuição. Do ponto de vista de logística/transportes, estamos a responder de uma forma eficiente a todo este processo. Para isso contribui o facto de as farmacêuticas envolvidas no desenvolvimento e fabrico das principais vacinas estarem já presentes em Portugal e com parcerias na área logística que envolvem empresas com infraestruturas de armazenagem, transporte, tecnologia e fundamentalmente quadros humanos de elevada qualidade e profissionalismo.

 

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