“Contratar não está mais difícil do que em tempos anteriores. Reter é que se torna mais complicado”, diz CEO da Multivision

O setor tecnológico continua em exponencial crescimento numa era de transformação digital, no entanto, o recrutamento e retenção de profissionais continua a ser um desafio para os gestores.

A Executive Digest falou com Edson Leite, CEO da Multivision, empresa de outsourcing em TI, para conhecer a realidade do setor da TI em Portugal, os principais desafios e oportunidade, e as estratégias que devem ser adotadas pelas empresas para captar e reter talento.

Durante o seu percurso profissional, Edson Leite passou por empresas como a Siemens, Celfinet e Ericsson, tendo fundado, com dois sócios, a Multivision em 2007.

 

A pandemia de Covid-19 veio alterar o paradigma do trabalho, abrindo as portas a novos modelos e formas de trabalhar. Qual a sua opinião sobre a realidade atual do setor tecnológico em Portugal?

A pandemia de Covid-19 trouxe uma mudança significativa na forma como as empresas em todo o mundo operam. O setor tecnológico em Portugal não é exceção e tem sido afetado por essas mudanças, mas também tem sido capaz de se adaptar rapidamente às novas realidades do mercado.

Muitas empresas de tecnologia em Portugal adotaram o trabalho remoto para manter as suas operações durante a pandemia. Essa mudança de paradigma pode ter implicações duradouras para o setor de tecnologia em Portugal, já que muitas empresas acreditam que o trabalho remoto ou hibrido pode ser uma opção viável para os negócios. Outras, como a Multivision preferem manter o trabalho presencial.

Além disso, Portugal tem sido um destino popular para empresas internacionais de tecnologia que procuram estabelecer uma presença na Europa. O país oferece um ambiente favorável aos negócios, mão de obra qualificada e uma localização estratégica. O governo português também tem oferecido incentivos para atrair investimentos estrangeiros no sector de tecnologia.

No entanto, como em qualquer sector, o sector de tecnologia em Portugal enfrenta desafios, incluindo a escassez de mão de obra qualificada e a concorrência de outros países da UE. Mas, no geral, a realidade atual do sector tecnológico em Portugal é positiva e o país está bem posicionado para continuar a crescer nesse setor.

 

Defende o trabalho 100% presencial. Quais são para si as vantagens e desvantagens deste modelo?

Embora esta abordagem possa não parecer a mais consensual, nos dias de hoje, o facto é que nos permitiu ultrapassar os 2 anos de pandemia de forma coesa, organizada e com menos ansiedades. Além disso, e de acordo com a minha experiência é a forma mais acertada para o futuro.

Na Multivision continuamos a defender o trabalho presencial por questões de proximidade, de construção e manutenção de laços – quer interpessoais quer à empresa –, pela saúde (equilíbrio mental e físico) e também porque acreditamos que as pessoas se sentem bem no escritório. Por outro lado, porque é desta forma que integramos melhor os novos colaboradores, sobretudo os mais jovens e também aqueles que vêm de fora do país e encontram na empresa rapidamente uma rede de suporte.

Existem ainda crenças relacionadas com produtividade, relações digitais e fadiga digital.

Apesar de defendermos o trabalho presencial pelas razões já referidas, isto não significa que não sejamos flexíveis em relação aos horários, e que não exista a consciência que por vezes são necessários momentos de isolamento para a realização de determinadas tarefas específicas.

 

Os modelos de trabalho totalmente remoto e híbrido vêm para ficar?

Acredito que precisamos de mais algum tempo para estudar e definir políticas que sejam funcionais e possam ser adequadas e asseguradas de forma transversal, por todas as áreas. Mas realço que é importante perceber que o trabalho remoto e híbrido também apresenta desafios, como a manutenção da cultura empresarial, a comunicação efetiva entre a equipa, a proteção dos dados da empresa e a garantia de que todos os funcionários tenham acesso às ferramentas e recursos necessários para realizar o seu trabalho.

Portanto, é provável que muitas empresas em Portugal continuem a adotar modelos de trabalho remoto e híbrido, mas é importante lembrar que esses modelos podem não ser adequados para todas as empresas ou funções. Algumas empresas ou funções podem exigir mais colaboração e interação pessoal, e outras podem exigir que os funcionários estejam presentes fisicamente em determinados momentos ou locais.

 

Numa altura em que se verifica uma dificuldade de recrutamento no setor de IT, as empresas que recorrem exclusivamente a modelos de trabalho presencial podem perder talentos que procuram outro tipo de modalidade?

Atualmente, a retenção de talentos é um desafio para qualquer empresa quer tenha uma cultura de trabalho presencial, híbrida ou remota.

Acredito que um dos grandes problemas é a escassez de profissionais qualificados (formados) face às necessidades dos projetos existentes e da quantidade de profissionais requisitados.

Dos formados para a Indústria existe uma redução natural, que resulta em ainda menos os competentes para os projetos em específico.

Além disso, há que referir a atitude “rockstar” dos qualificados, a que se tem vindo a dar respaldo de forma generalizada com a injeção de capitais na indústria de forma inorgânica e não decorrente do crescimento das operações.

Outro ponto que destacaria é o facto dos processos de recrutamento e seleção serem muitas vezes apressados e superficiais, bem como contextos de trabalho remoto, só têm vindo a construir uma geração desligada, descomprometida, e por vezes, até arrogante.

Tenho falado com inúmeras pessoas da indústria, e na sua maioria demonstram algum desespero em conseguir garantir a resposta aos compromissos que estabelecem, sobretudo pela ausência de consciência, regulação, articulação e comunicação honesta.

Contratar, não está mais difícil do que em tempos anteriores. Reter é que se torna mais complicado.

No entanto, é importante ressaltar que nem todas as funções no setor de TI podem ser executadas remotamente, e algumas podem exigir a presença física no escritório ou em outros locais. É importante que as empresas avaliem as necessidades associadas a cada função e definam um equilíbrio entre a flexibilidade do trabalho remoto e a necessidade de trabalhar presencialmente para garantir a eficiência da equipa e atinjam os objetivos de negócios.

 

A multiculturalidade é uma mais-valia para as empresas?

Sim, a multiculturalidade pode ser uma grande mais-valia para as empresas. A diversidade cultural traz consigo uma ampla variedade de perspetivas, experiências e habilidades que podem enriquecer o ambiente de trabalho e melhorar o desempenho da empresa.

Além disso, a multiculturalidade pode ajudar as empresas a atender melhor os seus clientes em mercados globalizados, oferecendo uma visão mais ampla e sensível às diferenças culturais. Isso pode resultar num aumento na eficácia e eficiência dos negócios, bem como numa melhor adaptação a diferentes culturas e mercados.

No entanto, é importante lembrar que a diversidade por si só não é suficiente para garantir sucesso empresarial. Acredito que as empresas precisam também de ter políticas e práticas que valorizem e promovam a diversidade, criando um ambiente inclusivo e respeitoso para todas as culturas envolvidas. Na nossa empresa, 50% dos nossos colaboradores são brasileiros. Para todos os que vem de outros países, a Multivision tem o cuidado de os ajudar a instalar no país, e faz questão que a empresa forneça uma rede de suporte para uma ambientação mais rápida e fácil.

 

O que devem as organizações fazer para reter o talento internacional?

Para reter talentos internacionais, as organizações podem adotar algumas estratégias, tais como:

– Oferecer pacotes de remuneração e benefícios atraentes (salários competitivos, pacotes de benefícios, como seguro saúde, moradia, auxílio-educação, entre outros);

– Oferecer oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional (investir em formação, mentoria, coaching, e oportunidades de aprendizagem contínua);

– Criar um ambiente de trabalho inclusivo, promovendo a diversidade e a inclusão para criar um ambiente de trabalho acolhedor e respeitoso para todos os colaboradores, incluindo os talentos internacionais;

– Facilitar a adaptação cultural: oferecer suporte em termos de adaptação cultural, como cursos de línguas e programas de intercâmbio cultural, de forma fazê-los sentirem-se mais confortáveis e integrados à cultura da organização;

– Proporcionar oportunidades de networking dentro e fora da organização para os ajudar a sentirem-se mais integrados no seu trabalho e carreira.

Na Multivision disponibilizamos um serviço de acompanhamento para os nossos talentos internacionais, através do nosso parceiro Ei!. Isto é, desde o pedido de visto, até ajuda para encontrar casa, tratar de documentação na segurança social ou outros organismos públicos, nós damos o suporte para se instalarem em Portugal.

 

No que respeita ao setor de IT, quais os principais perfis e características que as empresas procuram nos candidatos?

Cada vez mais, as empresas procuram pessoas que estejam alinhadas em termos de soft skills, tanto quanto de hard skills. Se, durante muito tempo, as competências técnicas de um candidato eram suficientes, hoje procuram-se perfis com boa comunicação interpessoal, pensamento disruptivo, sentido crítico para melhoria de processos, capacidade de inovação, entre outras. Com o aparecimento de tantas bibliotecas opensource e ferramentas de inteligência artificial, o trabalho operacional passa a ser muito mais eficiente. Nesse sentido, o valor que o profissional agrega a um projeto, vai além do desempenho da função – ele deve também ser agente de mudança dentro da equipa, conduzindo ao crescimento do negócio e/ou produto que estão a desenvolver.

Com o crescimento tecnológico, quebram-se também as barreiras geográficas – as equipas são cada vez mais multidisciplinares e multiculturais, adotando maioritariamente o inglês como língua oficial do projeto/empresa. Ter fluência em inglês (mas também em qualquer outra língua estrangeira de relevância) é, com certeza, um fator diferenciador e eliminatório nos processos de recrutamento das empresas com que colaboramos.

 

Quais as perspetivas no que respeita ao recrutamento para o setor de IT em Portugal no futuro?

O nosso histórico mostra que o setor de IT em Portugal está em constante mudança, e somos nós – empresas especializadas neste tipo de recursos humanos – que temos de nos adaptar. Obviamente que fatores como a inflação, constrangimentos na cadeia de distribuição global e até a atual guerra na Europa, têm impacto em qualquer tipo de negócio.

Por exemplo, os dados demonstram que as empresas de desenvolvimento de hardware, efetivamente estão, e continuarão, a ser afetadas por estes fatores.  No entanto, a estimativa de crescimento para software houses e restantes organizações dedicadas a serviços de IT é positiva e exponencial. Apesar do lay-off em massa que algumas das grandes empresas da área (Google, Microsoft, Amazon, entre outras) têm vindo a implementar desde 2022, a inovação tecnológica não irá estagnar. Cabe-nos a nós – empresas de recrutamento especializado – criar novas parcerias com os negócios emergentes e continuar a contribuir para o crescimento deste mercado, no nosso país.

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