Conheça os grandes CEOs que “saíram do armário” (há um português)
Um verdadeiro líder deve assumir a sua orientação sexual para servir de exemplo para outros e promover a diversidade e a igualdade dentro e fora da empresa ou, pelo contrário, manter a sua vida privada para evitar o escrutínio público?
Maio 2007
Lord Browne, então CEO da BP, demite-se do cargo após um ex-namorado ter vindo denunciar a sua orientação homossexual. Lord Browne estava na petrolífera desde 1966 e terá sido sob sua gestão que a BP conheceu a fase de maior expansão e diversificação.
Maio 2014
Lord Browne lança o livro “The Glass Closet”, com o subtítulo “Por que razão sair do armário é bom para os negócios” e declara que lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais (LGBT) devem revelar publicamente a sua orientação sexual.
Outubro 2014
Tim Cook, presidente-executivo da Apple, publica uma carta aberta na Bloomberg Businessweek onde revela a sua homossexualidade e na qual defende que esta lhe permitiu compreender melhor o que é pertencer a uma minoria. «Possibilitou-lhe tornar-se mais “empático”, ter “confiança” em ser como é e ser superior à “adversidade e fanatismo”. “Também me deu a pele de um rinoceronte, o que dá muito jeito quando se é CEO da Apple”».
É grande a distância que separa Lord Browne de Tim Cook. Não só a nível temporal como de formato. O chief executive da BP não revelou, foi revelado e optou por sair da multinacional a que se tinha entregue ao longo de 41 anos. Em “The Glass Closet” recorda o momento da sua saída: «Senti-me como se o ar tivesse sido sugado de dentro do veículo. Ao afastar-me da empresa que ajudei a construir senti-me a morrer por dentro. Durante décadas, disfarcei e afastei uma grande parte da minha vida para impedir que isto acontecesse. Esquivei-me, fugi e fui evasivo o máximo que pude. Mas naquele dia, quase inevitavelmente, os meus dois mundos colidiram. No rescaldo, perdi o emprego que estruturara toda a minha vida. Após todos aqueles anos de preocupações e medos não consegui deixar de pensar que os medos tinham finalmente justificação. Naquele momento, estava convencido que tinha tido razão.»
Hoje, e ainda em entrevista recente ao “Financial Times”, diz-se um homem optimista, reafirma que continuará a encorajar os outros para «que sejam eles próprios» e gostaria de ter a certeza «que ninguém iria voltar a passar por aquilo» que ele próprio viveu na primeira pessoa. No entanto, na mesma entrevista admite que o nível de competitividade na esfera empresarial é elevado, que haverá muitos gestores «que não estão dispostos a fazer esse sacrifício», o de revelar a vida privada.
Desde 2007 que Lord Browne é partner da Riverstone, uma empresa de private equity de energia e electricidade.
Mas ainda há pouco tempo, um novo elemento da BP – Paul Reed, CEO do negócio Integrated Supply and Trading – deixou que a sua homossexualidade fosse tornada pública, ao aceitar pertencer à lista OUTstanding in Business. A petrolífera britânica louvou a atitude de Reed, citando-o como exemplo das suas políticas internas de diversidade e inclusão, que promove junto dos seus colaboradores.
Líder assumido
Tim Cook assumiu a presidência da Apple em Agosto de 2011, após a renúncia de Steve Jobs, não tendo sido esta, no entanto, a primeira vez que o antigo director de operações ficava à frente da multinacional tecnológica. Tinha sido Cook a dirigir o rumo da empresa em 2004, durante dois meses, quando Steve Jobs foi sujeito a uma operação, e repetiu o feito em 2009. Licenciado em Engenharia Industrial pela Universidade de Auburn, em 1982, Tim Cook iniciou a sua carreira dentro da IBM, onde esteve 12 anos. Passou para a Compaq e daí para a Apple.
Até à sua declaração pública, em Outubro, tinha fama de ser reservado e viciado em trabalho. Aliás, o próprio confirma-o nas primeiras linhas escritas: «Ao longo da minha vida profissional, tentei manter um nível básico de privacidade. As minhas raízes são humildes e não gosto de chamar a atenção sobre mim próprio. A Apple já é uma das empresas mais observadas no mundo e gosto de manter o enfoque nos nossos produtos e nas coisas incríveis que os nossos clientes fazem com eles».
Mas os dados estavam lançados e Tim Cook abriu a porta do armário. «Percebi que o meu desejo de privacidade pessoal me tem impedido de fazer algo mais importante (…) Durante anos, fui sincero com muitas pessoas em relação à minha orientação sexual. Muitos dos meus colegas na Apple sabem que sou gay e não parece fazer diferença na forma como me tratam. Claro que tive a sorte de trabalhar numa empresa que adora a criatividade e a inovação e sabe que só pode florescer abraçando as diferenças das pessoas. Nem todos têm a mesma sorte.
Apesar de nunca ter negado a minha orientação sexual, nunca a reconheci publicamente, até agora. Por isso serei claro: tenho orgulho em ser gay e considero que ser gay foi um dos maiores dons que Deus me deu. Ser gay deu-me uma profunda noção do que significa pertencer a uma minoria e forneceu-me uma janela para os desafios com que as pessoas de outros grupos minoritários lidam todos os dias. Tornou-me mais solidário, o que levou a uma vida mais rica. Por vezes foi difícil e desconfortável, mas deu-me confiança para ser eu próprio, para seguir o meu caminho e para ultrapassar as adversidades e a intolerância. Também me deu a pele de um rinoceronte, o que dá jeito quando se é o CEO da Apple». E foi ainda mais longe, sublinhando as próprias reflexões de Lord Browne: «Se saber que o CEO da Apple é gay pode ajudar alguém com dificuldade em aceitar como é, ou confortar quem se sente só, ou inspirar as pessoas para insistirem na igualdade, então vale a pena trocar isso pela minha própria privacidade. (…) A privacidade continua a ser importante para mim, e gostaria de manter uma parte dela. Fiz da Apple a minha vida profissional e continuarei a gastar todo o tempo que passo acordado a tentar ser o melhor CEO que possa ser. (…) Quando chego ao escritório todas as manhãs, sou cumprimentado pelas fotografias emolduradas de King e de Robert F. Kennedy. Não vou fingir que escrever isto me coloca no mesmo patamar que eles. Tudo o que faz é permitir-me olhar para eles e saber que estou a fazer a minha parte, mesmo que pequena, para ajudar os outros. Construímos juntos o caminho para a justiça, tijolo a tijolo. Este é o meu tijolo.»
Reacções ao anúncio do CEO da Apple? Várias, em particular nas redes sociais, e de diferentes personalidades.
Anthony Watson, CIO da Nike e membro da direcção do GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) escrevia: «Obrigado Tim Cook por te afirmares publicamente e mostrares ao mundo que se pode ser um executivo de sucesso e LGBT! Hoje é um GRANDE dia»; enquanto o CEO da Microsoft, Satya Nadella dizia: «Inspirado por Tim Cook: “A questão mais persistente e urgente da vida é ‘O que é que estás a fazer pelos outros’?».
E em Portugal?
António Simões, presidente da HSBC no Reino Unido – eleito como o gay mais influente da rede de executivos OUTstanding in Business, que seleccionou uma lista com os top 50, publicada no “Financial Times” – é um caso único entre portugueses gestores de topo que assumiram a sua homossexualidade. Mas não confirma de todo a regra. António Simões vive há anos fora de Portugal. Os membros da lista tinham que dar a sua autorização e Simões aceitou, por sentir “que há uma responsabilidade de ser um modelo”, disse ao “Público” por telefone, a caminho da cerimónia da distinção. “Sempre vivi num ambiente com muito apoio dos amigos e da família, quando comecei a trabalhar o ambiente não era tão inclusivo como é hoje”, lembra, explicando que nunca “encontrou qualquer tipo de discriminação”, mas que o mesmo não se passa em todo o lado. A importância desta distinção é o facto de poder “ajudar outros”. Na realidade, em 76 países do mundo, a homossexualidade ainda é considerada crime.
A lista OUTstanding in Business estreou-se em 2013 e quer aumentar a visibilidade, inspirar, ser a voz dos executivos LGBT no mundo dos negócios e promover a diversidade nas empresas (coming out é a expressão usada em inglês para quem assume publicamente a sua sexualidade). A publicação dos Top 50 apareceu num suplemento do FT dedicado ao tema. “A lista dos 50 OUTstanding é a prova de que os executivos LGBT estão a fazer uma enorme diferença e contribuição para a economia. Mostra que uma pessoa se pode assumir e ter sucesso”, escreve o fundador.
Na lista dos 50 estão homens como Vincent François, da Société Générale (26.º), Paul Reed, CEO do negócio Integrated Supply and Trading da BP (3.º) e mulheres como Beth Brooke, vice-presidente da administração da empresa EY (2.º), ou Claudia Brind-Woody, vice-presidente da IBM (6.º).
As nomeações foram feitas através de uma campanha nas redes sociais e apoiada por empresas como Google, BP e Barclays. As escolhas seguiram cinco critérios: liderança (posição e influência), ser um modelo de inspiração (aberto sobre a sua sexualidade dentro ou fora do trabalho), contribuição para a causa LGBT, ter sucesso e marcar a diferença desafiando os estereótipos.
Fernando Neves de Almeida, managing partner da Boyden global executive search, admite que no momento de recruta, a orientação sexual ainda pode ser vista como um problema junto de algumas empresas. Em especial, considera, «em sectores mais conservadores e se essa orientação for evidente. Noutros sectores, menos conservadores, isso não constitui problema algum. De alguma forma as organizações reflectem o sentimento da sociedade relativamente a essa questão. O preconceito é menos generalizado, mas existe», diz.
Já Marta Santos, section manager da Hays Portugal, refere que «quando uma empresa recruta, pretende identificar talento, não procurando factores como género, orientação sexual ou religião». Esta responsável da multinacional de recrutamento indica que «a orientação sexual não é, nem pode ser um critério».
De qualquer forma, Fernando Neves de Almeida esclarece nunca ter tido necessidade de estar atento a esse tema no momento de entrevistar e recrutar: «Apenas uma vez, que me recorde, apresentei um candidato/a com orientação sexual não convencional conhecida e isso não teve qualquer impacto negativo no cliente», confirma. Assim como garante nunca ter sido obrigado a recusar qualquer potencial candidato para uma posição de liderança devido à sua orientação sexual, algo que é partilhado também por Marta Santos.
Então, por que é que nenhum CEO português se assumiu até hoje? «Acredito que a nossa sociedade possa, em alguns sectores mais conservadores, penalizar pessoas que se assumam como não convencionais na orientação sexual. Para que isso não constitua ameaça, a autoconfiança e a independência pessoal tem de ser tal que esse factor se torne irrelevante, mesmo que conhecido. E isso, em Portugal, não é fácil», advoga Fernando Neves de Almeida.
Já Marta Santos refere que «tratando-se de uma questão associada ao foro pessoal, e não profissional, cabe a cada um decidir aquilo que pretende ou não divulgar relativamente à sua vida privada».
E se é um facto que os tempos empurram para uma maior tolerância à diferença, em diversas vertentes, o responsável pela Boyden não deixa contudo de salientar que haverá sempre líderes conservadores, «moralmente falando, que discordam que aceitar a diversidade seja um atributo de um verdadeiro líder, e outros, mais liberais em termos de moral e costumes, que vêm nessa aceitação, ou mesmo promoção, uma virtude que engrandece o líder».
No entanto, para Marta Santos um líder deverá ter uma «postura “open-minded” para que novos conceitos, metodologia e estratégias possam ter lugar. Vivemos num mercado volátil, em constante mutação, pelo que quanto maior a abertura para olharmos as diferenças, melhor nos adaptaremos e maior será a probabilidade de sucesso».