BCE vai flexibilizar regras orçamentais? É um movimento “natural”, defende especialista
No passado dia 8 de julho, o Banco Central Europeu (BCE) reviu a sua meta de inflação e subiu para 2%, admitindo ainda margem para ser ultrapassada, em períodos transitórios, a primeira revisão estratégica, desde 2003.
Em comunicado, o BCE avança que decidiu substituir a sua atual meta de inflação, definida como um valor “abaixo mas próximo de 2%”, por uma meta mais simples, de apenas 2%.
A entidade liderada por Christine Lagarde esclarece que o objetivo de 2% é totalmente simétrico, ou seja, que os desvios negativos e positivos da inflação face ao objetivo são igualmente “indesejáveis”.
O documento deixa também implícita a ideia de que desvios temporários para cima de 2% são toleráveis pelo BCE, tais como aqueles que se preveem que possam acontecer durante a segunda metade deste ano.
“A medida peca por tardia”, mas é considerada “positiva”
Questionado sobre a oportunidade desta medida, Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades admitiu, em entrevista à Executive Digest, que “esta medida peca por tardia, já que desde 2003 que o BCE não revia a sua estratégia de política monetária, tendo passado os últimos 18 anos a sombra do conservadorismo monetário do Bundesbank”. “Já era altura de o Banco Central Europeu adotar parâmetros de politica monetária mais flexíveis e apropriados para uma união de países tão diversos”, destacou.
O analista salienta, no entanto, que esta é uma medida “positiva”. “Com esta nova meta simétrica, o BCE fica com mais flexibilidade para não ter que subir as taxas de juro mesmo que a inflação na zona euro ultrapasse momentaneamente os 2%, melhorando as perspetivas para a continuação do ciclo de expansão da economia que se iniciou no pós-confinamentos”, explica Ricardo Evangelista.
O especialista acrescenta ainda que esta medida terá um impacto “misto” para o mercado financeiro, dado que, por um lado, “a perspetiva de continuação de uma política monetária acomodatícia, mesmo que surja um pico na inflação, aumenta a confiança dos investidores quanto ao ritmo da recuperação económica, o que favorece os ativos denominados em euros”.
“Por outro lado, a continuação das taxas de juro a níveis muito baixos, mesmo face a uma subida súbita da inflação, poderá gerar perdas para o euro”, adverte.
Confrontado com a possibilidade de esta medida poder ser “a abertura de portas” para uma maior flexibilização das regras orçamentais, como o teto de 60% imposto às dívidas soberanas dos Estados-membros, entre os quais 14 já foram para lá desta regra durante o último trimestre de 2020, Evangelista foi claro: “é natural que, apesar dos assuntos não terem ligação formal entre si, o espírito por detrás da flexibilização da meta da inflação também venha, a certa altura, a manifestar-se através de regras orçamentais mais flexíveis, de forma a permitir a expansão da economia europeia de forma mais equilibrada entre norte e sul”, conclui.