“Ainda estamos tão cansados”: Médicos europeus preparam-se para segunda vaga da covid-19
Durante o pico inicial da pandemia, na Primavera, o vírus deixou os profissionais de saúde demasiado cansados e sobrecarregados para pensarem no futuro. Cinco meses depois, houve tempo para reflectir. O ‘The Guardian’ recolheu testemunhos de médicos de Espanha, França e Alemanha, que contam a sua experiência na linha da frente no combate à pandemia.
No início do surto, não havia tempo “para ficar zangado ou para perguntar por que é que as coisas eram organizadas daquela forma”, contou Sara Gayoso, médica no hospital El Escorial, perto de Madrid, ao The Guardian no final de Março.
Nas últimas duas semanas, Espanha registou mais de 35.000 novos casos – dois terços deles em apenas três regiões: Catalunha, Aragão e Madrid.
Gayoso dificilmente pode suportar a ideia de uma segunda vaga tão devastadora como a primeira. “Nem sequer quero pensar nisso”, disse. “Teríamos obviamente de fazer o que pudéssemos, mas ainda estamos tão cansados que não sei se teríamos força para voltar a passar por tudo outra vez”.
Pelo menos por enquanto, o hospital onde Gayoso trabalha não está a ver uma situação semelhante à registada na Primavera. Como refere, foram implementados novos protocolos, adquiridos ventiladores e equipamento de protecção pessoal (EPI). Além disso, os profissionais de saúde foram aconselhados a tirar já férias, antecipando um Outono mais agitado, devido à covid-19 e à gripe.
França
Os casos também estão a crescer em França, onde o Presidente Emmanuel Macron convocou uma reunião na próxima semana do Conselho de Defesa do país.
Macron apelou para “a maior vigilância” e apelou às pessoas para “usarem sistematicamente máscaras” no interior e “quando não for possível manterem a distância de segurança”.
As declarações do Presidente francês surgiram quando o número de novos pacientes diagnosticados com o coronavírus aumentou 33% na semana entre 27 de Julho e 2 de Agosto, de acordo com o organismo de saúde pública, Santé Publique France. Na semana anterior, houve um salto de 57% no número de novos casos.
“Neste momento, não estamos a ver casos graves o suficiente nos hospitais e nos cuidados intensivos para identificarmos uma segunda vaga, mas há definitivamente um surto”, diz Serge Smadja, médico de clínica geral em Paris.
Tal como os seus colegas dos Pirenéus, Smadja não quer considerar um regresso à primeira vaga. “Não queremos reviver aquilo que passámos antes”, confessou.
Alemanha
Na quinta-feira, o ministro da saúde alemão, Jens Spahn, disse que o aumento diário de cerca de 1.000 casos era actualmente “controlável” para o sistema de saúde, mas avisou que não se deveria permitir que o nível fosse muito superior.
A principal associação de médicos da Alemanha – Marburger Bund – acredita que o país já está a vivenciar uma segunda vaga. Ou, como disse a dirigente da associação, Susanne Johna: “Encontramo-nos numa segunda subida, plana para cima”.
Os hospitais da Alemanha deveriam estar agora em melhor posição para enfrentar a situação, graças à introdução de camas especialmente equipadas com instalações adequadas para tratar os casos, disse Johna.
No entanto, sugeriu que o país estava “em perigo de desperdiçar o sucesso que alcancou até agora, por causa de uma combinação de repressão e de um desejo de que as coisas voltassem ao normal”.
Pensar no futuro
À medida que o número de casos aumenta pela Europa, crescem também os apelos a uma investigação adequada sobre a forma como as coisas foram tratadas durante o primeiro semestre de 2020.
Na quinta-feira, um grupo de 20 peritos de saúde espanhóis solicitou à revista científica Lancet uma avaliação independente da resposta espanhola à pandemia – avaliação que “não deve ser concebida como um instrumento de atribuição de culpas”, ressalvaram.
A ideia era antes estabelecer exactamente como é que um país com “um dos sistemas de saúde com melhor desempenho no mundo” tinha registado mais de 300.000 casos, mais de 28.000 mortes – a maioria das quais em lares – e viu mais de 50.000 trabalhadores de saúde infectados com o vírus.
Os signatários não são os únicos a pedir ‘lições’ o mais rapidamente possível.
“Em Março e Abril, todos podíamos dizer, ‘isto apanhou-nos de surpresa’ – e essa foi a desculpa usada quando o sistema não conseguir lidar com tudo”, disse Pablo Cereceda, cirurgião no mesmo hospital que Gayoso.
“Mas agora não podemos dizer que não fomos avisados”. Tivemos três meses de ‘cessar-fogo’ e se não o aproveitámos ao máximo, será um desastre”, alertou.