«A solução para sermos mais digitais é apostarmos mais nas pessoas»

Quais as grandes tendências do sector segurador em termos de inovação?

As seguradoras trabalham continuamente na melhoria da sua proposta de valor, nomeadamente para clientes, para parceiros (especialmente os mediadores) e para colaboradores. Há cinco grandes fontes de valor que têm tido especial foco das seguradoras:

Prevenção. São cada vez mais os exemplos a nível mundial da personalização das condições do seguro automóvel e a condução segura, do seguro de saúde ou vida e a prática de um estilo de vida saudável.

Serviços. O papel das seguradoras vai cada vez mais além da tradicional protecção e cobertura de sinistros para o auxílio à resolução e prevenção. Os serviços de assistência no seguro automóvel ou nos seguros casa, e a oferta complementar nos seguros de saúde, são exemplos daquilo que tem sido a evolução da oferta, que passa a ser cada vez mais abrangente nas necessidades dos consumidores.

Experiência do consumidor. É provavelmente a área em que é mais visível a aposta das seguradoras, com cada vez mais processos digitais, apps e portais. Normalmente, a seguir ao preço, a (má) experiência é o factor mais importante para os consumidores mudarem de seguradora. As seguradoras continuam a trabalhar naquilo que são as principais razões para esta má experiência e que se resume a: informação desalinhada ou insuficiente entre os vários interlocutores; processos lentos ou complicados; reduzida disponibilidade ou conveniência dos serviços de atendimento.

Ecossistemas digitalmente integrados. Há estudos que apontam que a relevância dos ecossistemas na economia pode atingir 35% em 2025, e é por isso que cada vez mais a apresentação de uma oferta integrada com parceiros de outros sectores, seja no próprio produto ou nos serviços de assistência, está no centro da proposta de valor e dos argumentos de diferenciação das seguradoras. Os clientes procuram soluções, mais do que produtos.

Colaboração multidisciplinar. A única forma de sair vencedor de um mercado crescentemente ágil e competitivo é sermos capazes de colaborar de forma cada vez mais rápida para a resolução de problemas ou a captura de oportunidades. Isto é verdade, quer no campo interno, em que a digitalização das companhias é hoje uma realidade, quer no externo, em que proliferam as parcerias para desenvolvimento de novas soluções.

Quais os grandes investimentos em inovação que estão a fazer neste momento?

A primeira área de investimento está relacionada com a criação das bases sustentáveis para o futuro. Integrarmos as companhias locais numa única operação e ligarmos esta ao Grupo Generali e a todas as suas ferramentas é uma actividade que, embora idealmente invisível para o mercado, vai permitir implementar em Portugal, de forma instantânea, tudo o que o Grupo Generali está a fazer nas mais de 50 geografias onde está presente.

A segunda área tem por base os múltiplos projectos de transformação em que temos apostado e dos quais eu destacaria:

• Inovação em novos produtos, serviços de assistência e prevenção, e nos processos de venda e gestão cada vez mais simples. A título de exemplo, o novo produto de Seguro Casa é a melhor resposta de mercado para as famílias portuguesas cobrirem as suas múltiplas necessidades associadas ao seu lar, de forma totalmente adaptável aos riscos e necessidades de cada família. No segmento de PME temos já seguros de saúde e vida competitivos e de contratação muito fácil, diferenciadores em Portugal.

• Inovação no serviço, com cada vez mais self-service e canais digitais. Hoje já é possível gerir, incluindo participar, monitorizar e interagir para a resolução de um sinistro nos nossos seguros totalmente através de canais digitais. Também na gestão contratual, hoje já conseguimos fazer várias operações, por exemplo, pedir uma carta verde ou uma referência MB através de chatbot no site, WhatsApp ou mesmo no call center através de um sistema IVR com reconhecimento de voz natural, sem precisar de falar com um operador.

• Inovação na cadeia de valor, com cada vez mais parcerias com outras entidades, como, por exemplo, a AdvanceCare em saúde, a EuropAssistance em assistência ou com startups como a SwordHealth. Esta última é um excepcional exemplo de inovação, e ainda para mais nacional, no qual podemos providenciar tele-reabilitação de forma muito mais frequente, mais cómoda e a um custo mais baixo para um segmento relevante dos nossos clientes, como alternativa a sessões presenciais de fisioterapia.

A terceira área tem a ver com os nossos colaboradores. Sermos inovadores no futuro só será possível se conseguirmos atrair e desenvolver o melhor talento no presente. É por isso que estamos a investir em digitalizar toda a companhia, tornando- a mais móvel e com o maior número possível de processos internos digitais.

Como se caracteriza o consumidor actual?

Os consumidores são e acompanham as sociedades em que vivem. Por isso, é natural que ajustem os padrões de exigência e as necessidades em função dos estilos de vida e das soluções à disposição. Em particular, destacaria as três características principais:

• O aumento do usufruto em detrimento da posse. Não é por acaso que a rede com mais camas não tem uma única propriedade, ou a maior rede de transportes não tem veículos. Esta mudança obriga-nos a todos a repensar a cadeia de valor e a forma como mantemos a nossa relevância nos novos mercados que vão surgindo. É por isso mesmo que a Generali tem uma área dedicada só a pensar em parcerias e onde temos uma posição de destaque no mercado.

• A importância da experiência e da conveniência. O que no passado era medido em dias ou semanas, é hoje avaliado ou exigido em segundos, 24 horas por dia, 365 dias por ano. É uma diferença enorme a vários níveis, da disponibilidade dos canais (cada vez mais digitais) ao redesenho e automatização dos processos e à nossa capacidade de resposta em serviços fundamentais, como a assistência.

• Reduzida atenção. Cada vez mais os consumidores dedicam menos tempo a saber todos os detalhes do produto. A nossa linguagem tem de ser mais simples, mais “crystal clear”, e por isso temos trabalhado nos últimos anos num projecto para comunicarmos com linguagem de nível B1, que é compreendida por 80% da população portuguesa.

De que forma a Inteligência Artificial (IA) e o Machine Learning (ML) estão a contribuir para o desenvolvimento de novos serviços para este consumidor?

A IA, o ML e outros conceitos já se tornaram praticamente commodity nos dias de hoje. Não podemos desenhar um produto ou um processo sem incorporar estes elementos. Um exemplo disso é o sistema IVR com reconhecimento de voz natural, de que já falei, em que a única forma de conseguir evoluir é a de ir aprendendo a cada chamada o que correu bem para melhorar e assim aumentar a sua relevância. Em alguns serviços começámos com níveis de 0% no início do ano, e hoje já temos a grande maioria de respostas a serem dadas com exactidão através de processos automáticos – esse é o caminho. O grande desafio que temos é ao nível da utilização dos dados. Por um lado, temos um crescimento exponencial dos mesmos e, pela primeira vez na história, temos capacidade para o explorar. Por outro lado, esse poder também nos dá uma responsabilidade acrescida na gestão e protecção desses mesmos dados e na forma como os utilizamos.

Apesar da inovação e tendo em conta as marcas de seguros que já existem apenas online, faria sentido que a venda de seguros ocorresse exclusivamente pela via digital?

O crescimento do mercado directo é uma profecia já com pelo menos 15 anos – até agora não se concretizou, mas como todas as profecias que não apontam uma data, haverá um dia em que pode acontecer. A verdade é que a nível global, entre 2013 e 2018, o peso do canal directo no total de prémios de Property & Casualty manteve- se constante nos 10%. O crescimento na maioria dos países, com algumas excepções, bem justificadas, como é o caso do Reino Unido, tem sido muito ténue. Claro que os impactos da Covid-19 poderão fazer-se sentir também neste domínio, mas ainda é cedo para saber todo o alcance destas mudanças.

A Generali tem a vantagem de ter múltiplas operações, essencialmente de agentes, mas também directas em alguns países. Portugal é um desses casos, em que temos em paralelo com a Tranquilidade a LOGO, que é um caso de sucesso no mercado directo em Portugal.

Há um segmento de consumidores que quer tratar dos seguros de forma autónoma e digital e para o qual as seguradoras directas são a solução mais natural. Mas a maioria dos clientes está nos chamados ROPO (Research Online Purchase Offline), que têm um peso entre 50% a 80% dependendo dos países e dos ramos de seguros. Para estes clientes, o aconselhamento por um profissional de seguros é fundamental e os mediadores serão os melhores interlocutores.

Quais as principais preocupações em termos de segurança e como estão a ser endereçadas?

Há quatro grandes áreas de segurança às quais dedicamos uma enorme importância:

Cibersegurança. Penso que hoje já é do conhecimento generalizado a importância deste tópico. Esta é uma área onde temos dedicado mais tempo e recursos, próprios e de empresas especializadas.

Protecção de dados. Já referi a importância deste tema e é algo que não podemos descurar.

Directiva da Distribuição de Seguros. Embora muitos não coloquem este tema como segurança, é para nós também ele um tema crítico neste domínio. Temos que garantir que os processos de pré-venda, venda e pós-venda são robustos e que protegem a companhia, o cliente e o intermediário de eventos futuros relacionados com esses processos.

Redução do risco operacional. A maioria dos nossos planos de continuidade de negócio foram desafiados com a epidemia da Covid-19 e serviram para nos lembrar da importância destes temas.

Que alterações todas estas mudanças provocam a nível interno nas seguradoras?

A resposta pode parecer aparentemente um pouco paradoxal, mas a solução para sermos mais digitais é apostarmos mais nas pessoas. Vão ser as pessoas, nomeadamente os nossos colaboradores, a fazer esta mudança, e por isso é fundamental que consigamos reter e atrair o talento e também converter as competências das nossas pessoas. É relativamente óbvio para todos que a resposta a estes desafios exige skills diferentes daqueles que foram necessários nas respostas aos desafios do passado. A chave está em associar as novas competências ao saber e experiência do passado. Por outro lado, o alinhamento de todos em torno do caminho e do que é preciso fazer para lá chegar é fundamental.

Outro elemento é a necessidade de conciliar a agilidade e celeridade enquanto organização e o objectivo de sermos parceiros dos nossos clientes e mediadores à resiliência operacional que situações inesperadas, como esta que vivemos, nos exigem.

Finalmente, e em particular nos temas de segurança, temos que perceber a importância que cada um de nós tem na protecção de todos. Cada um de nós é a primeira linha de defesa que tem que contribuir para operarmos todos num ambiente seguro e robusto.

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