“A gripe aviária é o agente microbiológico mais provável de poder vir a desenvolver uma nova pandemia”, alerta especialista. Que grupos estão em maior risco e quais os primeiros a receberem as novas vacinas da UE?

A Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA) da Comissão Europeia anunciou, na semana passada, a assinatura de um contrato de aquisição conjunta para o fornecimento de vacinas contra a gripe das aves aos países membros da União Europeia, garantindo a disponibilização de 665.000 doses de vacinas contra a estirpe H5N1 do vírus, em sua versão mais atualizada, com a opção de adquirir outros 40 milhões durante a vigência do contrato.

Atualmente, quinze países participam neste programa de compra conjunta, e as primeiras doses serão entregues às autoridades de saúde finlandesas, sabendo-se que pelo menos 20 mil doses serão já entregues aos trabalhadores do país que estão em contacto com aves, como funcionários de aviários, de jardins zoológicos ou médicos veterinários.

São sinais de preparação, os primeiros, perante a ameaça de já ter sido verificada a primeira morte, no México, por uma estirpe da gripe aviária que infetou um homem. Segundo explica Gustavo Tato Borges, em entrevista à Executive Digest, o mais temido é que o vírus sofram mutações que lhes permitam transmitir-se entre humanos (em vez de animal-animal e animal-humano), algo que também é certo que aconteça, “é apenas uma questão de tempo”.

Uma nova pandemia é mesmo uma forte possibilidade assim que tal aconteça, pelo que todos os esforços de prevenção e de antecipação são importantes.

Vemos a UE a garantir, no total, um pacote de 40 milhões de vacinas, com já as primeiras mais de 650 mil a chegarem imediatamente… O que significa isto? Estamos a antecipar-nos (como devemos), e aprendemos com a Covid-19? É real esta ameaça de uma pandemia de gripe aviária?

Gustavo Tato Borges: A verdade é que a vacina para a gripe aviária, para o vírus de pandémico de 2009 já faz parte da nossa vacinação regular sazonal para a gripe, e por isso é uma vacina que já está incluída cá.

Esta nova compra de doses vem de facto tentar minimizar ao máximo a possibilidade de podermos vir a ter um novo impacto dramático nas nossas vidas com o aparecimento de um novo vírus. E a verdade é que volta e meia, felizmente ainda de uma forma muito ligeira, vão aparecendo casos de gripes aviárias (gripes associadas a um vírus aviários, dos animais) e que salta para a nossa espécie, que até agora ainda não conseguiram mutar o suficiente para serem transmissíveis entre pessoas.

Assim que isto aconteça, e é apenas uma questão de probabilidade: Porque vai acontecer. É apenas uma questão de tempo, de uma ocorrência de uma anomalia genética, uma mutação do vírus numa célula humana, para que depois possa vir a causar uma nova doença, e que pode ser um risco grande de uma nova pandemia.

A gripe aviária é neste momento o agente microbiológico mais provável de poder vir a desenvolver-se como um novo agente pandémico. Existem também outras preocupações, como bactérias multirresistentes, e existem outros: qualquer um novo vírus que possa saltar de outras espécies animais. A verdade é que existem condições bastante favoráveis para que um vírus da gripe aviária salte a barreira das espécies devido ao contínuo convívio próximo em algumas partes do globo entre as pessoas e os seus animais, nomeadamente aves.

Com as aves migratórias a transportarem os vírus de um lado para o outro, existe cada vez mais a possibilidade de podermos ter um vírus de gripe aviária a saltar a barreira das espécies, e se conseguir fazer a mutação que referi, para ser transmissível pessoa a pessoa, pois então está aberta uma nova pandemia, e teremos de estar preparados para lidar com ela.

Temos já visto nos últimos meses, o vírus a ganhar grande ‘rapidez’ e a saltar para outras espécies, como vacas, nos EUA. A transmissão para humanos, segundo a OMS ainda “é limitada”, mas ainda assim registou-se no México o primeiro caso de infeção em humanos pela estirpe H5N2, que resultou em morte, e temos também quatro casos nos EUA? Estamos a tempo, já atrasados e em contrarrelógio? Esta evolução do vírus, o processo de mutação e de se tornar agente pandémico, será rápida?

Uma das coisas importantes a referir é um pormenor que referiu, que , na verdade, é um ‘pormaior’: a mortalidade. Cada vez que este vírus consegue saltar a barreira das espécies, tem dado uma mortalidade de 50 a 60% dos casos, sensivelmente. E isto mostra de facto o impacto brutal que pode ter na saúde das pessoas, se o vírus conseguir fazer essa mutação e tornar-se transmissível pessoa a pessoa. A verdade é que já existe há décadas, e tem conseguido, volta e meia, criar algumas infeções, mas em nenhuma delas tem ocorrido essa mutação.

Obviamente que quanto maior for a frequência de casos identificados de gripe aviária, maior a probabilidade de vir a dar o salto. E isto é uma questão de “tentativa e erro”, não conseguimos dar um prazo específico para acontecer. Até agora, que tenha conhecimento, como não houve nenhum caso em que este vírus tenha conseguido ter esta mutação, ainda vamos a tempo de podermos ter uma resposta mais adequada. Mas esta compra de vacinas é uma resposta preventiva, mas reativa ao aparecimento de uma possível nova variante que possa vir a causar uma pandemia.

Devíamos também estar a olhar para outras formas de intervenção que permitissem dar condições adequadas de higiene e salubridade na habitação das pessoas, no contacto entre animais e pessoas, nomeadamente aves, para minimizar ao máximo este convívio próximo e, portanto, esta possibilidade de o vírus passar a barreira das espécies. Esse seria um trabalho de prevenção, e seria importante que o mundo todo se juntasse para garantir estas formas de proteção.

A Finlândia anunciou já que vai começar a vacinar os grupos de risco de contágio, que estão contacto com aves, como trabalhadores do setor avícula ou veterinários. Depois seguir-se-ão outros, como idosos ou doentes crónicos. Quantas destas novas vacinas da deveriam calhar nesta primeira fase (e no bolo todo? E que grupos são mais expostos/vulneráveis, a quem será dirigida esta proteção?

É difícil apontar um número completo de quantas vacinas nos deveriam ser atribuídas, mas tendo em conta os grupos ‘clássicos’ vulneráveis, que já vacinamos habitualmente – para a gripe e Covid -, seriam esses os principais. Falamos dos idosos com 65 ou mais anos, pessoas com doenças crónicas, e todos os trabalhadores que lidam com eles ou com pessoas mais fragilizadas, como profissionais de saúde, trabalhadores de lares, quem faz atendimento ao domicílio para questões de saúde e apoio social, polícia, bombeiros,… Enfim, muitas entidades que poderiam ser alvo de uma vacinação prioritária.

Em Portugal, estamos a falar de cerca de 3 milhões de pessoas, mais ou menos, e o ideal seria termos vacinas para todos estas pessoas. Mas, obviamente, irá depender do mecanismo de solidariedade da UE, da maneira como as coisas estão planeadas, para poderem ser distribuídas. Esperemos que tenhamos um número de vacinas suficiente para estarmos preparados, e que a UE tenha capacidade de poder aumentar o pedido de entregas, conforme houver ou não necessidade.

Que medidas são recomendadas para evitar a transmissão entre animais?

Condições ideais para que possamos ter esta proteção a lidar com os animais e, ao mesmo tempo, infetar infeções nossas: ter um veterinário treinado e habilitado para acompanhar a nossa criação de aves; ter um espaço onde as aves possam pernoitar, comer, desenvolver a sua atividade, que seja protegido de aves migratórias, e que seja localizado fora do espaço habitacional próprio dos humanos. Este último aspeto muito importante, que é uma realidade da Ásia, maioritariamente, em que há aves que partilha o mesmo espaço que as pessoas 24 horas por dia.

E, depois, obviamente que, nos humanos, devemos também ter cuidados como a lavagem das mãos, trocar a roupa de trabalho ao regressar a casa, para não trazer qualquer agente respiratório ou outro dos animais, ter cuidados de limpeza do lar, de manter a salubridade do próprio espaço onde os animais permanecem, para garantir que têm mínimo de limpeza que garanta segurança.

São estes os cuidados genéricos, manter área suficiente para os animais, alimentação e vacinação adequada dos animais.

No caso de suspeita de contacto com animal infetado, como devemos proceder?

Em primeiro lugar, havendo suspeitas de que há animais infetados com a gripe aviária, será sempre muito importante que um médico veterinário os avalie e recolha amostras biológicas para confirmar a presença do vírus. Feita essa confirmação, sabemos que a única medida, neste momento a partir da deteção de determinado conjunto de aves com o vírus, é o abate de todo esse conjunto de animais.

Da parte dos humanos, é importante, a partir do momento em que está detetado o vírus na exploração, fazer uma vigilância adequada da saúde e, não estando preconizada outa medida, faz-se profilaxia pós-exposição. Havendo um caso numa ave, o trabalhador que lida com mais proximidade com estes animais deverá possivelmente fazer algum tipo de quimioprofilaxia até termos a certeza que não esta infetado

E durante duas semanas, 17 dias mais ou menos, manter-se vigilante ao aparecimento de sintomas, já que este é o período de incubação habitual.

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