Talento procura-se!
Por Raul Neto, CEO da Randstad Portugal
Há já alguns anos que o tema da escassez de talento deixou de ser apenas uma buzzword no mundo do trabalho.
O que antes era considerado como algo conjuntural, hoje é algo que faz parte da nossa realidade e de uma forma mais intensa. Prova disso, são os dados que temos atualmente no que respeita à população empregada e à taxa de desemprego. Estamos a falar de 5 milhões de pessoas empregadas, segundo os resultados do Inquérito ao Emprego do INE, no 3.° trimestre de 2023. Um número recorde e que atinge o valor mais alto da série temporal do INE desde 2011. Por seu lado, a taxa de desemprego continua a ter um comportamento bastante estável tendo-se situado nos 6,1%, igual ao trimestre anterior, com um muito ligeiro aumento face aos 6% verificados no 3.° trimestre do ano anterior.
Claro que não podemos deixar de olhar para estes números com ânimo, se pensarmos que em condições normais seriam reflexo de um enquadramento económico saudável e de crescimento. Mas, o enquadramento económico em que vivemos é desafiante, para as pessoas e também para as empresas. A desaceleração da economia é notória, com a variação homóloga do PIB no 3.° trimestre a ser a mais baixa no período pós-pandemia e com uma variação negativa face ao trimestre anterior. A inflação e as taxas de juro que se mantêm em níveis elevados, traduz-se num aumento do custo de vida para a maioria das pessoas, colocam em causa as perspectivas de crescimento das empresas e consecutivamente, condicionam a geração de emprego.
Face a este contexto de incerteza, a atração e retenção de talento ganha uma importância ainda maior. A escassez de talento vai continuar a ser um desafio para a grande maioria das empresas, segundo os últimos resultados do estudo sobre Tendências de Recursos Humanos 2023-2024 lançado recentemente, com 60% das empresas a identificarem este tema como uma das principais dificuldades para o próximo ano. E, se analisarmos mais profundamente este tópico, podemos afirmar que a dificuldade em atrair talento qualificado tem repercussões nas próprias empresas, nomeadamente sob variáveis estratégicas como a competitividade, a produtividade e até mesmo o nível de satisfação dos próprios clientes.
Mas, para limitar o impacto negativo da falta de talento, é preciso também apostar nas próprias empresas. Criar medidas de incentivo ao crescimento e à competitividade das empresas, tornando-as também por si só mais atrativas. E isso faz-se, garantindo as melhores condições de trabalho para as pessoas, sejam estas através da valorização salarial, da criação de modelos de trabalho mais adaptados às necessidades de cada um, da aposta em políticas de flexibilidade ou da promoção da igualdade de oportunidades e do apoio ao crescimento e progressão de carreira.
Agora que nos aproximamos a passos largos do final de mais um ano, acredito que vamos continuar a assistir a um mercado cada vez mais candidate driven, marcado por um aumento no número de ofertas de emprego disponíveis, mas mais difíceis de fechar, o que exige muito mais às empresas no que diz respeito à criação de estratégias mais orientadas para a valorização do talento. Vimos de uma era pós pandemia, de indicadores positivos no que diz respeito ao emprego e à economia. Assistimos a fenómenos como o great resignation e o quiet quitting. E o que é que se segue? A verdade é que o mercado de trabalho está cada vez mais complexo, com cada vez mais mudanças a surgir e os efeitos menos positivos da falta de pessoas, apenas vêm comprovar a importância que estas têm para o verdadeiro sucesso das nossas empresas.
As tendências a que assistimos este ano, vão certamente continuar a marcar o próximo. Estas provocaram mudanças no mercado de trabalho, e, consecutivamente, obrigaram a alterações também nas organizações. Falamos aqui sobretudo da componente tecnológica, como a inteligência artificial ou a automação, que podem originar um agravamento da escassez de talento por exigir um conjunto de novas competências. Por isso, a aposta em programas de reconversão de talentos deverá ser cada vez mais uma prioridade para as empresas. Isto porque, o que vimos, segundo os resultados do Randstad Employer Brand Research 2023, é que apesar da grande maioria dos profissionais (86%) considerarem importante que o seu empregador ofereça oportunidades de reskilling/upskilling, apenas cerca de metade considera que essas oportunidades lhes são efetivamente proporcionadas. E, não nos esqueçamos também que as expectativas e o comportamento das pessoas face ao seu trabalho mudaram: hoje temos uma geração de profissionais muito mais preocupada com o seu propósito e bem-estar, com a garantia da conciliação entre a vida pessoal e a vida profissional e em garantir que os valores da empresa para a qual trabalham estão alinhados com os seus próprios. Além disso, com o aumento da oferta e de opções disponíveis, os profissionais acabam também por se tornar mais seletivos, o que, por si, também traz desafios para as empresas.
A escassez de talento vai continuar a marcar o panorama do mercado de trabalho para o próximo ano e, por isso, é necessário prudência e eficiência na utilização dos recursos que temos disponíveis. Valorizar o talento é crucial, apostar no seu desenvolvimento e crescimento profissional, no alinhamento com as suas expectativas face ao papel que o emprego desempenha na sua vida, reconhecendo que o sucesso das empresas passa em grande parte pelo sucesso do seu capital humano.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 213 de Dezembro de 2023