Quando os clientes ajudam a definir o preço
Para muitos gestores, a ideia de envolver os clientes na atribuição de preços parece contraproducente. Mas pode estar na altura de se rever essa posição.
Para muitas empresas, a atribuição do preço é sempre um assunto sensível e privado. A gestão tem a obrigação fundamental de agregar os custos e definir um retorno adequado. Mas vale a pena perguntar: o modelo de atribuição de preços de uma empresa é uma das suas principais competências? E será que oferece uma vantagem competitiva? Se a resposta a estas perguntas é “não”, então talvez esteja na altura de repensar a forma como são atribuídos os preços.Este artigo dirige-se a gestores que procuram obter lucros com a diferenciação. Se sentem que a empresa está a perder dinheiro e a lutar para converter a diferenciação do produto em receitas e lucros, então devem pensar em pedir a ajuda de uns parceiros pouco prováveis: os clientes.
É claro que a ideia de trabalhar com clientes numa actividade empresarial tão importante como a atribuição de preços pode ser enervante para os gestores. Todavia, da mesma forma que as empresas actualmente recrutam clientes para melhorarem o design de um produto ou o marketing, os gestores precisam de reconhecer que quem compra os produtos ou serviços de uma empresa determina no fundo o seu valor. Os clientes podem não ter controlo total sobre estas actividades, mas podem certamente fornecer informações importantes. É vital reconhecer que a subcontratação na altura de atribuir preços não é uma proposta tudo-ou-nada: os gestores podem seleccionar os modelos de atribuição de preços que vão da supervisão total à delegação total.
O truque é escolher uma abordagem apropriada às características do mercado em que se encontram e que limitam os custos, reais ou possíveis, que possa surgir.Neste artigo, integramos as visões clássicas sobre a atribuição de preços com as últimas pesquisas e práticas para desenvolvermos uma estrutura simples que ajude os gestores a decidirem o tipo de controlo que devem manter e quanto devem passar para os clientes. Para clarificar, não recomendamos que as empresas despeçam as suas equipas de atribuição de preços e convidem os clientes a pagar o que desejam. Contudo, recomendamos que as empresas vejam de outra forma a sua abordagem à atribuição de preços – uma parte do negócio que pode ser alterada.
Clarificar as escolhas
Os modelos de atribuições de preços, principalmente os que surgiram graças aos avanços nas tecnologias de informação, muitas vezes são difíceis de interpretar e ainda mais difíceis de comparar. Como resultado, muitas empresas sentem dificuldade em decidir qual a abordagem apropriada para os seus devidos mercados. Para clarificar as escolhas, delineámos três filosofias gerais para a atribuição de preços – preços impostos pelas empresas, atribuição colaborativa e preços impostos pelos clientes – e apresentamos modelos específicos dentro de cada um.
Preços impostos pela empresa – Para a maioria das empresas, a abordagem habitual é ter um preço único fixo e vender a qualquer pessoa que esteja disposta a pagar essa quantia. Apesar de existirem visões diferentes dentro de uma organização sobre como chegar ao preço “certo”, não há dúvida de que a empresa tem controlo totanesta abordagem e que os clientes são espectadores. Os preços fixos não se tornaram correntes até ao início da década de 1860, quando John Wanamaker abriu a primeira loja de retalho em Filadélfia. Cristão devoto, Wanamaker acreditava que se todos eram iguais perante Deus, então todos pagariam o mesmo preço. Contudo, na prática, os preços únicos e fixos são economicamente pouco eficientes. Tendo em conta que existem variações na forma como os diferentes clientes valorizam produtos, seleccionar um número implica que os que estão preparados para pagar mais acabam por receber um desconto; os que estão dispostos a pagar menos (mas que ainda são rentáveis) acabam por se afastar.
Uma forma de abordar esta ineficiência é lançar a variabilidade na atribuiçãode preços. Este é o domínio dos preços personalizados, nos quais dados ajudam as empresas a identificarem características do contexto da compra ou do perfil e comportamento dos clientes que têm impacto na disponibilidade para pagar. Nos EUA, por exemplo, o The Wall Street Journal descobriu que a Staples ajustava os preços no seu website, aparentemente com base, entre outras coisas, na distância a que um cliente estaria de lojas físicas da Office Max ou da Office Depot. Similarmente, a Home Depot usava a localização geográfica e o historial do browsing para afinar os preços.
Mas o sucesso dos preços personalizados depende de, pelo menos, três factores. Primeiro, as empresas precisam de dados abundantes e de qualidade. Segundo, precisam de ultrapassar os desafios organizacionais que possam surgir – a dedicação à analítica avançada pode exigir diferentes estilos de gestão e políticas de recursos humanos. E terceiro, as empresas devem estar preparadas para repelirem os clientes que afirmam que esta abordagem não é justa. Ainda que a personalização leve a preços mais baixos, assim como pode levar a preços mais altos, atribuir preços com base em contextos e em informações sobre clientes pode ser uma questão controversa.
A segunda via para uma maior eficiência na atribuição de preços é aumentar a gama de preços. Isto envolve gerir vários pontos de preços e dar a escolha aos clientes. Os gestores têm duas opções: primeiro, podem desenvolver um portefólio de produtos diferentes numa ou mais dimensões – uma avaliação “bom-melhor-o melhor”; segundo, podem oferecer um produto básico, mas configurar a gama de preços à volta de um conjunto de exigências na compra que beneficia a empresa.
O Grupo Volkswagen usa a abordagem de portefólio de produto para comercializar uma vasta gama de automóveis sob marcas que incluem a Volkswagen, Audi, Porsche e Lamborghini. Os clientes podem seleccionaruma combinação de marca, preço e características que geram a maior satisfação para os clientes.
As empresas que procuram a abordagem de portefólio dão aos clientes a oportunidade de pagarem preços mais baixos quando cumprem certos requisitos, como a aquisição antecipada, a aquisição em grandes quantidades ou a aquisição frequente. Esses comportamentos devem aumentar o valor da venda. A questão para os clientes, claro, é se uma possível poupança justifica o custo ou a inconveniência de fazer o que é exigido. Para as empresas um dos grandes problemas é a canibalização: dar descontos aos clientes que estariam dispostos a pagar o preço total.
A realidade é que os menus de preços podem ser frustrantes para os clientes. Se os clientes lutam para compreenderem uma gama de escolhas e não têm a certeza dos produtos que são mais adequados para si, podem pensar que o vendedor não está a ser sincero e está a tentar manipulá-los para adquirirem mais do que aquilo de que precisam ou querem. Atribuição de preços colaborativa – À medida que as empresas se interessam mais pelas abordagens interactivas à atribuição de preços, existem três modelos de colaboração dignos de nota: leilões, leilões diga-o-seu-preço e negociações. Nos leilões, as empresas encorajam os possíveis clientes a licitarem uns contra os outros pelo direito de uma aquisição. Os leilões estão normalmente associados à venda de antiguidades, artigos de colecção, arte ou outros bens únicos.
Todavia, este modelo tornou-se cada vez mais popular noutros contextos familiares. Por exemplo, a Ticketmaster, a empresa de venda de bilhetes de West Hollywood, Califórnia, usa os leilões para atribuir bilhetes de concertos às pessoas que valorizam mais os eventos. As regras para as licitações em leiloes e os processos que determinam o preço final podem variar. Em alguns leilões, os vendedores retêm a opção de evitar uma venda se a licitação mais alta ficar abaixo do preço de reserva; noutros, não existe esse direito. Similarmente, os vendedores podem escolher entre tornar um leilão público ou mantê-lo privado. Independentemente das especificações, não existem preços definidos; chegar a um preço é um processo verdadeiramente colaborativo. Diga-o-seu-preço é um género particular de leilão que exige uma menção à parte. Aqui os indivíduos sugerem o preço da aquisição e as empresas aceitam, rejeitam ou fazem uma contraproposta com um valor mais alto.
Existem dois aspectos dignos de atenção no modelo diga-o-seu-preço. Primeiro, os compradores tomam a iniciativa: contactam a empresa, demonstram interesse e rejeitam todos excepto um pequeno número de preços favoráveis. Segundo, os pormenores da transação podem ser pouco claros se a empresa depende de um intermediário para protegerem a sua identidade ou a identidade do produto. De facto, as vendas canalizadas por retalhistas online como a Priceline ou a Greentoe permitem às empresas libertarem inventário sem canibalizarem as vendas ao preço normal através de canais convencionais. A atribuição de preços pela negociação é o modelo colaborativo mais interactivo. As negociações são habituais nos mercados de negócios, onde as aquisições frente-a-frente fazem sentido, e também nalguns mercados de consumo. Por exemplo, nos serviços financeiros, bancos como o BBVA, com sede em Bilbau, Espanha, publicam taxas de juro para os produtos de crédito, mas dão aos gestores das sucursais espaço de manobra para ajustarem créditos numa base individual.
Em alguns sectores, as negociações nos serviços são habituais. De maneira geral, as negociações são mais privadas e menos estruturadas do que os leilões, e o tom das relações interpessoais cria o resultado. Por isso, uma negociação é mais do que um mecanismo para definir preços; é um processo pelo qual as partes ficam a saber mais uma sobre a outra e, potencialmente, sobre o produto à venda. Claro que é também uma oportunidade para as diferentes partes exercerem influência e ganharem vantagem. No fim, os clientes com boas capacidades de negociação podem ter uma palavra importante a dizer no preço final. Preços impostos pelos clientes – No pague-o-que-quiser, a empresa delega as responsabilidades da atribuição do preço para o cliente. Estes podem pagar o que desejam (até zero) e os vendedores precisam de cumprir o prometido. A Wikipedia, a popular enciclopédia online, usou este modelo desde a sua fundação em 2001. Mas este tipo de atribuição de preço ganhou visibilidade em Outubro de 2007 quando os Radiohead, uma banda de rock inglesa, lançou a versão digital do seu álbum In Rainbows para download sem um preço definido. A limitação óbvia do pague-o- -que-quiser é que os clientes podem sentir-se tentados a enfraquecer as vendas com preços absurdamente baixos.
Uma forma de as empresas mitigarem este risco é pela definição de um preço mínimo. Outra opção é sugerir um pagamento ou desenvolver directrizes para empurrar os clientes para um número mais alto. Por exemplo, a Bonvoy Adventure Travel, de Nova Iorque, revela o custo real das suas viagens e comunica claramente a margem de lucro acrescentada para chegar ao seu preço de retalho; com a sua abordagem “preços flexíveis”, os clientes podem pedir descontos nas viagens.
Atingir o equilíbrio certo
Até que ponto devem as empresas pedir a opinião dos clientes? Seleccionar o modelo de atribuição certo é condicionado por duas considerações importantes. Primeira, todas as situações são diferentes: cada mercado tem os seus desafios únicos e o que funciona num ambiente pode não funcionar noutros locais. Por isso, é útil ter a noção dos modelos que são mais adequados para um ambiente em particular. Segunda, qualquer afastamento de um preço fixo acabará provavelmente por acarretar vários custos. Além das despesas directamente associadas à implementação e gestão de novos processos de atribuição de preços, existe o risco de que um processo mais complexo dê origem a erros.
Compreender o mercado
Para descobrir a melhor forma de atribuir preços, os gestores precisam de fazer as seguintes quatro perguntas:
1. A primeira pergunta serve para sondar os clientes e saber que valor dão ao produto: Existe uma disparidade significativa entre clientes nas avaliações que fazem ao produto? Se a resposta é não, então não há razão para pedir aos clientes que façam parte da atribuição de preços, e possivelmente os gestores ficam melhor se mantiverem o controlo e se atribuírem um preço único e fixo.
2. Contudo, se existem diferenças significativas na forma como diferentes grupos de clientes valorizam um produto, há vantagens possíveis na participação dos clientes, o que leva à segunda pergunta: A minha empresa consegue documentar com confiança estas diferenças entre valores? Se a resposta for sim e os principais estimuladores de valor são conhecidos e observáveis, os gestores que esperam espremer mais receitas do mercado podem avançar e personalizar os preços. Contudo, se os estimuladores de valor não são conhecidos ou são difíceis de discernir, os gestores podem preferir desenvolver um menu de preços que encoraje os clientes a revelarem as suas avaliações através das suas escolhas.
3.Na prática, muitas empresas não possuem os conhecimentos necessários para implementar preços personalizados ou para conceberem menus de preços inteligentes. Se é esse o caso, os gestores devem considerar uma terceira pergunta: Os clientes compreendem o valor que o produto tem para eles? Se os gestores temem que a resposta seja não e que os clientes não têm conhecimentos suficientes sobre o produto, então precisam de um modelo de atribuição de preços que permita às empresas interagirem com possíveis clientes, como a negociação.
4. Por outro lado, se os clientes já estão familiarizados com as ofertas de uma empresa, mas têm avaliações diferentes para as mesmas, as quais são difíceis de identificar pela empresa, os gestores precisam de avançar para a pergunta final: A procura do meu produto irá ultrapassar a oferta? Se a resposta for sim, então talvez faça sentido fazer um leilão, para identificar as pessoas que dão mais valor às ofertas da empresa. Se a resposta é talvez, porém, os gestores precisam de ter cuidado ao entrarem numa situação em que a incerteza na procura coloca demasiada pressão descendente sobre os preços. Por outras palavras, precisam de ter noção da procura antes de definirem um preço. Neste contexto, um modelo diga-o-seu-preço pode ser apropriado. Se a resposta for não, uma empresa pode querer explorar um modelo pague-o-que-quiser – principalmente em produtos como os bens digitais, onde existem poucos custos incrementais associados à venda de unidades adicionais.Quando existe muita oferta e várias avaliações por parte dos clientes, as empresas querem motivar os clientes a revelarem as suas verdadeiras avaliações – avaliações que de outra forma são difíceis de observar e analisar. O pague-o-que-quiser dá aos clientes autonomia para expressarem as suas preferências individuais.
Compreender os custos
A segunda consideração a determinar qual o modelo de atribuição de preços é o custo. Os gestores precisam de avaliar os recursos incrementais necessários (dinheiro, tempo, etc.) para definir e sustentar um sistema novo. Também precisam de avaliar o potencial para erros que possam resultar de uma maior complexidade. Cada abordagem à atribuição de preços apresenta o seu próprio conjunto de questões. Em geral, o problema do custo é maior para os negócios mais complexos que gerem várias linhas de produtos ou, em alternativa, que comercializam poucos produtos comprados frequentemente. Por exemplo, pode parecer pouco prático para as grandes retalhistas leiloar ou negociar os preços de milhares de unidades em stock directamente com os clientes. Todavia, as novas tecnologias facilitam isto. Dois factores adicionais que vale a pena mencionar são o custo variável do produto – o custo de materiais e matérias em bruto, mão-de-obra, etc. – e o custo cognitivo exigido de clientes pelo modelo de atribuição de preços. O primeiro, o custo dos materiais em bruto, é muitas vezes visto como uma procuração para o risco financeiro de delegar a autoridade da atribuição de preços e por isso deve influenciar a escolha de um gestor em relação aos modelos de atribuição de preços. Vejamos o modelo pague-o-que-quiser. A mera ideia de não cobrir custos faz com que os gestores se sintam pouco à vontade – e com razão. De facto, não é coincidência que o modelo diga-o-seu- -preço, o modelo pague-o-que-quiser e outros semelhantes muitas vezes estão associados a produtos digitais, porque o custo incremental associado à venda de unidades adicionais de um produto digital é insignificante. O segundo, o custo cognitivo pra os clientes, é importante porque a participação na atribuição de preços exige esforço e isto pode desmotivar os clientes e fazer com que estes adiem ou abandonem uma aquisição. Os gestores precisam de ter noção desta possibilidade e compreender como pode ser mitigada.
superar a eficiência
A ideia de aproveitar as opiniões dos clientes para obter uma maior quota do valor criado no mercado é intuitiva e tentadora. Todavia, pedir aos clientes para lançarem um preço pode ter benefícios que vão para lá da promoção de maior eficiência. Primeiro, pode promover o compromisso. Pedir aos clientes para participarem na atribuição de preços é uma forma de conceder poder e isso pode estar associado a uma maior satisfação. Quando as empresas definem os preços unilateralmente, os clientes tomam a decisão simples de “não comprar” (será que o produto vale o preço?). Porém, se os clientes têm uma palavra a dizer sobre o preço, então sentem-se mais incentivados a determinar o valor que um produto realmente tem para eles, o que é mais exigente, mas mais interessante. Segundo, dar aos clientes informações sobre preços abre a porta à personalização. Quando os gestores pensam na personalização, normalmente pensam em personalizar as características do produto consoante as necessidades e desejos individuais do comprador. Contudo, esquecem-se que o preço também é uma característica de produto. As ocasiões em que a quantia paga pode ser usada como um sinal de estatuto social (bens de luxo, por exemplo) são um exemplo. Terceiro, a opinião dos clientes pode ser usada para passar informações sobre a empresa ou o produto. Em relação ao próprio produto, é pouco provável que uma empresa ceda controlo na atribuição de preços se não tiver confiança no que está a vender. Subcontratar a atribuição de preços indica assim uma qualidade superior. Por fim, dar voz aos clientes na questão dos preços tem o potencial de reduzir a concorrência. Muitas empresas usam a atribuição de preços para retirar quota de mercado às concorrentes. Se uma empresa dá aos clientes um maior controlo sobre os preços, muda efectivamente a concorrência noutras dimensões, como a qualidade do produto e a gestão de relações.