MIT: Como as empresas líderes estão a inovar remotamente

O “novo normal”, o “próximo normal” e “o grande recomeçar” são frases utilizadas por líderes empresariais e políticos para descrever o mundo em que vivemos actualmente. Qualquer que seja a preferência, há um consenso generalizado de que colaboradores e clientes nunca mais voltarão ao antigo normal. E como poderiam fazê-lo? Milhares de empresas, incluindo Cirque du Soleil, Hertz, J. Crew, J.C. Penney, Le Pain Quotidien e Virgin Atlantic, já declararam falência – um aumento de 43% em relação a esta época no ano passado – e milhares de outras estão prestes a fazê-lo. Veja-se o HSBC, por exemplo, que acaba de acelerar os seus planos de cortar 35 mil postos de trabalho em vários países. Embora este desespero não seja surpreendente, dado que a pandemia quase destruiu o sistema financeiro global, outras multinacionais estão a comportar- -se de forma muito diferente, ainda que enfrentem o mesmo choque existencial.

Dentro destas empresas mais bem-sucedidas, o ritmo da inovação está de facto a acelerar, levando a melhores resultados para trabalhadores e clientes. Durante a primeira vaga da COVID-19, por exemplo, a Mastercard e a Microsoft juntaram-se para acelerar a inovação no comércio digital e nos ecossistemas das startups, a PepsiCo lançou uma nova era de agilidade operacional e a Apple empenhou-se em tornar-se totalmente neutra em carbono.

Para compreender como e por que razão ocorrem estas inovações, estudámos mil líderes de inovação em 17 países entre Abril e Agosto de 2020. Dada a recente investigação académica e as perspectivas dos executivos que sugerem que a inovação requer uma interacção pessoal, procurámos compreender como estas empresas inovaram com sucesso num ambiente de trabalho remoto. Ao utilizarmos e analisarmos dados de múltiplas fontes – incluindo entrevistas, observações e inquéritos – conseguimos identificar dois pólos de inovação, o que sugere que, regra geral, as empresas de todo o mundo responderam à perturbação provocada pela COVID-19 de uma de duas maneiras.

Um grupo a que chamámos de “lamentadores” adoptou uma abordagem conservadora para a mudança. Estas empresas sentiram dificuldades na adaptação porque a pandemia global desencadeou sentimentos de perda e vazio entre os trabalhadores, muitos dos quais experimentam altas taxas de depressão (53%), ansiedade (55%) e mesmo PSPT, perturbação de stress pós-traumático, (32%), sentimentos associados à solidão, ao isolamento e à baixa tolerância à angústia. Por estas razões, 87% dos lamentadores concentraram-se principalmente no que podiam controlar: em primeiro lugar, alterando e reformulando os seus escritórios, e em segundo lugar gastando uma enorme carga cognitiva a debater como costumava ser o trabalho e no que se poderá tornar.

Estes sintomas clássicos de paralisia nas decisões surgiram porque, no meio da pandemia, muitas normas sociais mudaram demasiado depressa para serem apreendidas e integradas numa visão coerente do mundo. Como nos disse um colaborador: «A incerteza nem sequer chega perto de explicar a situação – “Ainda não podemos tomar quaisquer decisões, [por isso] vamos ver onde estaremos daqui a alguns meses, e depois seguimos a partir daí. Não há uma urgência desesperada; lembrem-se, estamos todos no mesmo barco”.» Este ponto de vista ajuda a explicar porque é que, ao contrário do nosso segundo grupo, menos de 10% dos lamentadores pensam sequer na inovação – e, de forma bastante preocupante, mais de 90% ainda não estão preparados para inovar utilizando um modelo de trabalho remoto.

O nosso segundo grupo adoptou uma abordagem radicalmente progressiva. Chamamos-lhes “agitadores”. Incluem os melhores inovadores do mundo, incluindo o Twitter e a Amazon, cuja transição ágil para inovações rápidas, incluindo um serviço radical baseado em assinaturas no Twitter e um serviço de entrega de mercearias da Amazon que expandiu a capacidade de entrega em 160% e aumentou as vendas em 40% e os lucros em 100% – gerando um aumento de 37% nos lucros de toda a empresa. Estas duas empresas são a epítome do perfil dos “agitadores”, 98% dos quais gerem um modelo empresarial baseado em plataformas, onde os utilizadores podem funcionar como compradores e vendedores, leitores e escritores, consumidores e criadores – uma tendência comportamental crescente referida como “prosumidores”, indivíduos que esbatem a linha entre as actividades de produção e consumo.

Descobrimos que este modelo de negócio existe em simbiose com o “Rendanheyi”, uma filosofia que significa “funcionário e cliente tornam-se um só”, inicialmente desenvolvida na Haier, a maior fabricante mundial de aparelhos eléctricos, e posteriormente adoptada intencionalmente pela Amazon, Apple, eBay, Facebook, Netflix, Twitter, Uber e YouTube, entre outros. Dentro destas empresas, o conceito de distância refere-se à regularidade das interacções com os prosumidores e à amplificação da influência que liga as marcas a novos consumidores – os futuros prosumidores. Para exemplificar, vejamos o frigorífico inteligente da Haier, que analisa os artigos à medida que são colocados dentro dele, e recomenda receitas, sugere listas de compras e informa os consumidores através de uma aplicação móvel quando faltam mantimentos. Os consumidores que encomendam este frigorífico controlam inteiramente as suas especificações e podem mesmo falar directamente com o engenheiro de montagem através de videochamada para o alterar à medida que está a ser montado e programado.

O Twitter gere práticas de comunicação semelhantes em tempo real, o que encaixa no seu mantra “Serviço ao cliente digital é serviço ao cliente visível”. A empresa prepara sempre os seus colaboradores para personalizarem as interacções com os clientes, assinando os seus nomes na comunicação escrita. Este método reduziu significativamente a distância entre colaboradores e clientes e permitiu que os funcionários dominassem as relações com os clientes em nome da empresa. Esta abordagem é de certa forma radical, como nos disse um vice-presidente, acrescentando: «Perder tempo a interagir com o público cria sempre dividendos. Mas lembrem- -se, um apoio eficaz exige [que] comuniquem frequentemente e estabeleçam expectativas.»

Assim que a COVID-19 nos atingiu, os agitadores aumentaram as suas interacções com os clientes; o Twitter, por exemplo, viu um aumento médio de interacção de 29% em comparação com esta altura no ano passado. Pelo contrário, muitos lamentadores reduziram a sua comunicação e ligação aos clientes, devido em parte ao encerramento de escritórios, à passagem para o trabalho em casa e a uma dependência excessiva de chatbots (que, por acaso, está em último lugar em termos de satisfação do cliente). Os agitadores reconhecem que o empenho nas relações é vital para transformar os clientes em prosumidores, e os prosumidores em leais embaixadores da marca. Durante este processo, os agitadores ganham uma melhor noção dos seus consumidores, o que ajuda a suportar as decisões sobre os produtos e serviços a desenvolver e como o fazer. Além disso, descobrimos que estas interacções ajudam os agitadores a demonstrar empenho, a partilhar conhecimentos e a fazer com que os clientes se sintam valorizados e essenciais em geral, o que gera lealdade em mais de 62%.

SEIS PASSOS PARA A CRIAÇÃO DE VALOR DO CLIENTE

O nosso estudo procurou partilhar perspectivas de como os líderes podem inovar sob um modelo de trabalho remoto para desenvolver uma lealdade esporádica pela criação de valor para o cliente. Os nossos resultados identificaram seis passos sequenciais que os agitadores tomam para o conseguir. Assim, quer queiram transformar uma organização lamentadora numa agitadora ou estejam a tentar lançar um novo empreendimento, eis como o podem fazer.

Passo 1: Definam um prazo e mantenham-se fiel a ele. Os colaboradores precisam de estar a salvo e seguros, tanto emocional como cognitivamente, antes de surgirem novas ideias. Trabalhar a partir de casa tornou difícil para muitos lamentadores separarem verdadeiramente a vida doméstica da vida laboral, e mais de 76% substituíram o tempo das deslocações por mais tempo a trabalhar. Isto está a causar burnout, portanto a reformulação de uma noção de ordem proporcionará estrutura e familiaridade em tempos de incerteza.

Ao manterem um horário semelhante e encontrarem- se regularmente com colegas, embora virtualmente, 84% dos lamentadores preservaram o ritmo da vida quotidiana que existia antes da COVID-19, o que ajuda a manter o bem-estar emocional e cognitivo. Contudo, para fazer isto bem, é preciso definir sistemas claros de envolvimento fundamental. Por exemplo, as actualizações das equipas são partilhadas usando quadros de discussão assíncronos e grupos no WhatsApp; os check-ins são feitos através reuniões pessoais pelo Zoom ou Teams; e as decisões são tomadas utilizando chamadas áudio síncronas, e não reuniões por vídeo. Além disso, os almoços virtuais, durante os quais é proibido falar de trabalho, permitem aos colaboradores manter o tipo de conversa casual que ajuda a construir fortes ligações entre as equipas. Estas interacções constituem a base de um diálogo estável, que sustenta os estados emocionais e cognitivos positivos dos colaboradores.

Passo 2: Introduzir a cultura de serviço. Assim que os colaboradores aprendem a comunicar remotamente, o passo seguinte é inverter a pirâmide de importância e estatuto, para que todos e tudo se concentre no apoio às equipas que contactam com o cliente.

Este conceito foi adoptado por 94% dos agitadores, promovendo o trabalho colaborativo, substituindo o individualismo e promovendo o colectivismo. Os agitadores fazem-no removendo a estrutura de comando e controlo – normalmente caracterizada por estruturas orgânicas piramidais, por uma gestão de linhas antiquada, por camadas de autoridade e por vias tradicionais e rígidas de progressão e recompensa – que é a antítese da sua cultura de serviço.

Na ausência dessa hierarquia, as equipas focadas no cliente podem florescer – com ramificações potencialmente consideráveis tanto para receitas como para lucros.

Passo 3: Transformar líderes em coordenadores. A remoção do comando e controlo e a introdução de equipas focadas no cliente exigem que a liderança e as responsabilidades dos líderes evoluam. Isto porque, dentro de uma cultura de serviço funcional, a inovação não se limita a uma só equipa; as empresas agitadoras abrangem redes interdependentes e interligadas de pequenas equipas que procuram incessantemente aumentar o valor do cliente através de ciclos de desenvolvimento rápido. Sem estarem sobrecarregadas pela hierarquia ou pela burocracia, estas equipas lideradas por colaboradores promovem a colaboração e recompensam a realização colectiva. A liderança, portanto, torna-se de certa forma redundante. Dentro de 96% dos agitadores, as antigas noções de liderança foram substituídas pela coordenação, um conceito que fomenta o trabalho em colaboração, substitui o individualismo e apoia o colectivismo, dando aos colaboradores individuais autonomia para satisfazerem as necessidades dos clientes enquanto trabalham para um objectivo comum como parte de uma equipa.

Passo 4: Juntos, reduzir a distância do cliente. Com os coordenadores a posto, todos podem trabalhar em conjunto para alcançar um objectivo comum: criar valor para o cliente reduzindo a distância cliente-colaborador. Esta abordagem transforma a comunicação tradicional com o cliente em algo muito mais profundo, caracterizado dentro de 84% dos agitadores como interacções contínuas, de baixa fricção e personalizadas. Estas interacções permitem feedback em tempo real dos clientes e proporcionam uma noção mais forte de propósito e satisfação aos funcionários. Esta autonomia radical, encontrada dentro de 81% dos agitadores, cria relações que alimentam um maior empenho na inovação – porque os colaboradores sentem-se motivados para procurarem constantemente valor em nome dos seus clientes.

Passo 5: Deixar os colaboradores dominar as relações com os clientes. A autonomia radical só funciona se os colaboradores forem autorizados a dominar a relação com cada cliente, o que vai contra os conselhos convencionais de muitos gestores. Mas confiar aos colaboradores as relações com os clientes melhora a probabilidade de inovações: 91% dos colaboradores dos agitadores disseram-nos que apreciam a visibilidade dos seus contributos, o que por sua vez ajuda a aumentar a sua motivação e produtividade, levando a mais inovação. O desafio do lamentador, portanto, é permitir e estimular a relação entre cliente e colaborador, fornecendo um ecossistema no qual as inovações podem ocorrer – e, mais importante, acreditando que a sua força de trabalho identificará inovações significativas.

Passo 6: Gamificação. As estações de trabalho dos funcionários da Amazon apresentam uma lista de jogos com gráficos de aspecto retro, tais como MissionRacer, PicksInSpace, Dragon Duel e CastleCrafter, para tornar o trabalho mais divertido. Os colaboradores podem comparar os seus progressos a nível individual ou em grupo. Os vencedores recebem o direito de se gabar e “moedas swag” que se podem trocar por recompensas. Este conceito de gamificação foi também adoptado por 76% dos agitadores para monitorizarem o contributo dos seus colaboradores nas inovações. Descobrimos que 81% dos funcionários com este tipo de gamificação nos seus locais de trabalho desfrutaram mais significativamente do seu emprego como resultado.

Em última análise, a inovação é crucial para a sustentabilidade empresarial, especialmente nesta era disruptiva. Os seis passos que o nosso estudo identificou permitem que os colaboradores aproveitem esta nova criatividade e gerem inovações que apoiam o desenvolvimento de produtos e serviços à distância. Tudo o que lhe resta, portanto, é decidir se são lamentadores ou agitadores.

Copyright © Massachusetts Institute of Technology, 2020. Todos os direitos reservados. Distribuído por Tribune Content Agency LLC. Traduzido e publicado com autorização.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 178 de Janeiro de 2021

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