MIT: Aroma empresarial – A expansão do olfacto digital

O aroma de pão acabado de cozer a passar pelos corredores dos supermercados. O café acabado de fazer numa casa para venda. A riqueza do couro do interior de um carro novo. Podemos nem sempre perceber, mas o nosso sentido de olfacto é central para muitas decisões que tomamos como consumidores, seja a compra de um carro novo ou a decisão de ir buscar um donut e café. De acordo com o Scent Marketing Institute, os aromas de couro e cedro induzem-nos a comprar mobiliário, e as notas florais e cítricas fazem-nos ficar mais tempo numa livraria. Um estudo mostrou que os aromas ambientais num showroom da Nike aumentaram o prazer e o estímulo dos consumidores, a vontade de gastar mais dinheiro e a probabilidade de voltarem à loja, em comparação com um ambiente sem aromas.

Dito de forma simples, o aroma vende – um facto que há muito é compreendido por retalhistas, fabricantes e anunciantes. Mas apesar da importância económica e comercial do olfacto, as empresas têm geralmente tido falta de ferramentas robustas para detectar, medir e gerir os aromas de uma forma científica. Isto está agora a mudar com o nascimento de dois ramos da tecnologia do olfacto digital: um centrado na detecção e análise digital de odores diferentes, e o outro na transmissão digital e recriação de odores. Estas tecnologias podem potencialmente revolucionar uma série de indústrias, desde as fragrâncias e alimentos até aos sectores ambiental e de cuidados de saúde.

Diversas startups inovadoras são pioneiras em novas abordagens ao olfacto digital. A tecnologia baseia-se num conjunto de disciplinas científicas, incluindo a química orgânica, a engenharia de silício, a aprendizagem automática, a ciência de dados, a fotónica e a engenharia de software. A Aryballe, uma startup de olfacto digital baseada O em França, utiliza pequenas proteínas chamadas peptídeos enxertados em pastilhas de silício que reagem às moléculas de gás associadas a diferentes odores. As várias assinaturas digitais são então descodificadas usando a aprendizagem automática e expressas nos termos que os humanos utilizam para descrever odores: lenhosos, florais, perfumados, fumados, e assim por diante. A Aromyx, uma empresa de olfacto digital sediada na Califórnia, utiliza os mesmos receptores que se encontram no nariz humano e na língua para identificar odores diferentes. Segundo o CEO Josh Silverman: «Em vez de tentarmos imitar o olfacto humano – um problema muito difícil – clonamos Diversas startups inovadoras são pioneiras em novas abordagens ao olfacto digital. A tecnologia baseia-se num conjunto de disciplinas científicas, incluindo a química orgânica, a engenharia de os genes reais dos humanos. Desenvolvemo-los então no laboratório e testamos como diferentes genes respondem a diferentes estímulos, como o café e o sumo.»

APLICAÇÕES DA DETECÇÃO OLFACTIVA DIGITAL

Para além de aumentar o apelo dos produtos aos consumidores, as tecnologias olfactivas emergentes apoiam uma variedade de casos de utilização para melhorar a qualidade dos produtos, bem como a saúde e segurança humana, em áreas tão diversas como a alimentação, a manutenção automóvel, os cuidados médicos e o ambiente.

Um controlo de qualidade mais rápido e mais barato. O olfacto digital está a começar a transformar o controlo de qualidade, tradicionalmente uma actividade de trabalho intensivo e algo subjectivo para muitos sectores. Tomemos o exemplo da indústria global de fragrâncias, estimada em cerca de 60 mil milhões de euros, que engloba perfumes bem como desodorizantes, produtos de cuidados pessoais e produtos de cuidados domésticos, como ambientadores e velas perfumadas. Tradicionalmente, equipas de testadores humanos altamente treinados avaliam a qualidade de diferentes lotes de produtos, mas o processo é demorado e, em última análise, subjectivo. Aqui, empresas como a Aryballe estão a utilizar olfacto digital para testar diferentes fragrâncias em comparação com um “padrão de ouro” para o odor em particular. Como Sam Guilaume, CEO da Aryballe, explicou: «Uma fragrância normalmente muda à medida que é exposta ao ar ou a condições diferentes. Com o olfacto digital, podemos acompanhar como o perfume muda com o tempo à medida que é exposto a diferentes tipos de pele, suor, condições do ar, e assim por diante. Assim que soubermos o que funciona, podemos também potencialmente criar fragrâncias completamente novas que tenham as qualidades desejadas.»

O controlo da qualidade alimentar também poderia beneficiar muito. O olfacto digital pode ser utilizado para identificar variações mínimas na qualidade dos produtos alimentares e detectar agentes patogénicos que possam pôr em perigo a saúde humana ou levar à deterioração dos alimentos durante o transporte da cadeia de abastecimento. As tecnologias olfactivas já estão a ser utilizadas para identificar salmonela em produtos de carne embalados. O olfacto digital também pode ajudar muito na procura de alimentos melhores e mais saudáveis. Como explica Silverman, «muitos fabricantes querem criar uma bebida mais saudável – menos açúcar, álcool, calorias – mas querem fazê-lo de uma forma que não afaste os consumidores e não custe mais. O olfacto digital pode ajudar com este tipo de problema.»

Criar a casa inteligente. Algumas das aplicações mais práticas da detecção do olfacto digital encontram-se em casa. Um frigorífico verdadeiramente inteligente, por exemplo, poderia indicar quando o leite está prestes a ficar azedo ou quando aquela carne de vaca está no ponto perfeito. Os sensores olfactivos num forno podem assar os alimentos de acordo com as suas especificações ou evitar que sejam cozinhados em demasia. O Google Nest Protect utiliza sensores para distinguir entre diferentes tipos de fumo de forma a evitar falsos alarmes irritantes enquanto se faz uma torrada ou se toma um banho de vapor.

Calibrar os gostos regionais Muitas retalhistas e fabricantes reconhecem o cheiro como um factor importante que influencia o apelo do consumidor de um produto, mas a relação consumidor- cheiro varia muito por região e país, tornando difícil a calibração e a medição. Veja-se, por exemplo, a indústria automóvel. As salas de exposição de automóveis há muito que sabem que o cheiro a carro novo influencia a nossa decisão de compra, mas existem fortes diferenças regionais: enquanto os inebriantes aromas de couro, resinas e plásticos tendem a cativar os compradores europeus e americanos de automóveis, na Ásia são encarados com desagrado, onde os consumidores preferem um odor mais neutro. O olfacto digital pode ajudar a optimizar o aroma dos automóveis novos para diferentes mercados. Considere, também, como as preferências de perfume variam de país para país. No Japão, por exemplo, os odores fortes são geralmente reprovados, enquanto noutros países, há uma preferência por assinaturas distintivas e almiscaradas. O olfacto digital pode ajudar a calibrar estas notas olfactivas para diferentes preferências regionais e locais.

Manutenção preditiva. A frase “cheira-me a esturro” significa geralmente uma sensação instintiva de que há um problema. De facto, o olfacto digital pode ser utilizado numa série de sectores para detectar problemas antes que estes se tornem aparentes, melhorando a segurança e reduzindo o risco de dispendiosas reparações imprevistas. A tecnologia já está a ser aplicada no sector da partilha de automóveis, onde os sensores olfactivos nos veículos podem detectar fusíveis ou fios queimados antes de estes se tornarem aparentes para um condutor humano. Podem também detectar derrames de alimentos ou fumo de cigarro deixado por quem partilha os automóveis, odores que de outra forma seriam difíceis de detectar. Nos sectores industriais, as tecnologias olfactivas podem alertar as pessoas para a presença ou acumulação de gases perigosos em instalações químicas ou centros de processamento, e detectar fugas emergentes em oleodutos ou gasodutos.

Diagnóstico precoce e prevenção nos cuidados médicos. Nós, humanos, há muito que acreditamos que os nossos sentidos olfactivos fornecem pistas importantes para o nosso bemestar, tanto físico como mental. Os médicos antigos costumavam cheirar o hálito de uma pessoa doente para identificarem a sua doença. Mais recentemente, a investigação estabeleceu que os cães conseguem detectar a presença precoce de doenças como o cancro do pulmão através do hálito e da urina. Os narizes electrónicos demonstraram uma precisão de cerca de 96% na detecção de cancro do pulmão em doentes. Pesquisas recentes sugerem que o olfacto digital pode fornecer um teste rápido e seguro para a detecção da COVID-19.

Estes desenvolvimentos revelam a perspectiva tentadora de uma tecnologia de baixo custo e não invasiva para a detecção de uma vasta gama de doenças e vírus, particularmente os que são difíceis de detectar com o rastreio convencional em fase inicial. No futuro, podemos potencialmente respirar para o nosso smartphone e obter um exame de saúde instantâneo ou usar uma máscara que se acende automaticamente ao entrar em contacto com o coronavírus.

Reduzir os impactos ambientais. Empresas e agências governamentais gastam milhares de milhões de euros todos os anos para controlar ou eliminar odores nocivos no ambiente. O olfacto digital torna possível detectar, monitorizar e reduzir essas emissões a um custo mais baixo. Os narizes bio-electrónicos conseguem identificar poluentes nocivos em fábricas ou áreas urbanas, avaliar a qualidade da água, medir a contaminação do solo e verificar a presença de produtos químicos ou materiais perigosos em armazéns e portos.

O olfacto digital pode também aumentar a eficácia das iniciativas de reciclagem, um alicerce fundamental do movimento em direcção a uma economia circular. Segundo Silverman, da Aromyx, «reciclar plásticos faz uma enorme diferença para o ambiente, mas muitas vezes estes plásticos contêm contaminantes e odores provenientes da sua utilização original. Podemos usar olfacto digital para isolar estes odores e, por fim, removê-los.»

COMO CONSEGUIR A TRANSMISSÃO DIGITAL DE ODORES

Numa área nascente de pesquisa olfactiva, os aromas são transmitidos digitalmente através de um código informático que pode ser enviado online ou de uma aplicação de smartphone e reproduzido num quiosque ou através de um dispositivo emissor de odores. As tentativas anteriores de recriar aromas enfrentaram desafios, porque os odores líquidos ou gasosos contaminam-se frequentemente uns aos outros. O Aroma Shooter, desenvolvido pela startup japonesa Aromajoin, contorna este problema através da utilização de materiais de estado sólido que podem fornecer conjuntos de fracção de segundos de mais de 400 aromas diferentes. A tecnologia está agora a ser utilizada para criar uma “sinalização de aromas” nos principais grandes armazéns e para melhorar as aplicações de realidade virtual. Outra startup japonesa desenvolveu o Scentee Machina, um dispositivo que se liga a uma aplicação de smartphone que pode difundir diferentes fragrâncias de acordo com o estado de espírito do utilizador e a hora do dia. Os investigadores da All These Worlds, uma empresa de RV com sede na Califórnia, desenvolveram um colar de fragrâncias sem fios que liberta fragrâncias direccionadas para simulações de realidade virtual.

Uma área inovadora de aplicação é a utilização de odores digitais no tratamento da saúde mental. A investigação tem demonstrado que os nossos estados de espírito são bastante afectados por odores diferentes: A lavanda pode reduzir as dores de parto e promover o sono; a hortelã-pimenta pode melhorar o desempenho físico; e a laranja pode ajudar a acalmar os nossos nervos. Um estudo mostrou como clips nasais de baixo custo contendo odores a lavanda podem melhorar a qualidade do sono para pessoas com distúrbios de stress pós-traumático.

O olfacto digital também abre a possibilidade de dar vida ao passado através da recriação de odores perdidos há muito – as especiarias e o incenso do Fórum Romano no início dos tempos medievais, por exemplo, ou a fuligem e o fumo da Londres vitoriana. Os investigadores do UCL Institute for Sustainable Heritage em Londres estão a recriar e a preservar aromas “históricos” que de outra forma se poderiam perder, como o cheiro poeirento de livros antigos. Uma organização chamada Sensory Maps está a criar mapas olfactivos de cidades, tanto actuais como históricas, que podem depois ser virtualizados utilizando design digital, animação e difusão de cheiros. Esses mapas podem ajudar-nos a compreender os padrões de mudança da actividade social e económica dentro das cidades e contribuir para um melhor planeamento e design urbano.

O olfacto digital também abre a possibilidade de odores e produtos completamente novos, optimizados algorítmicamente para gostos pessoais e cenários diferentes. Combinado com outras tecnologias como a RV e a háptica, o olfacto digital pode transformar radicalmente o sector do entretenimento, aproximando-nos de uma verdadeira experiência multissensorial nos domínios da moda, comércio, lazer e turismo. Imaginem-se a absorver o aroma dos produtos enquanto faz compras online, ou a sentir a maresia numa viagem de realidade virtual pelas Maldivas. Imaginem uma experiência de leitura de livros (e a transformação do sector livreiro) à medida que a realidade virtual e o olfacto digital complementam livros clássicos: a toque avinagrado de peixe e batatas fritas de “Brighton Rock”, o doce aroma a rosas da delícia turca de “As Crónicas de Nárnia”, ou a tinta branca de “As Aventuras de Tom Sawyer”.

APROVEITAR O POTENCIAL DO OLFACTO DIGITAL

Como podem as empresas rentabilizar melhor a promessa do olfacto digital e evitar as potenciais armadilhas? Sugerimos quatro acções que podem ajudar a orientar as empresas:

Compreendam a cadeia de valor olfactivo. As empresas podem começar por mapear a sua cadeia de valor olfactivo para identificar o papel que o olfacto desempenha nas diferentes áreas do seu negócio. Uma empresa de bens de consumo rápido, por exemplo, pode ter milhares de linhas de produtos, de alimentos a detergentes; os aromas são arte por quantificar. Em alguns sectores – como a produção de vinho ou de fragrâncias – o olfacto digital pode complementar o conhecimento tácito de provadores experientes ou formuladores de produtos. O mapeamento olfactivo pode avaliar como as características olfactivas de um produto variam ao longo da cadeia de fornecimento, ao longo do tempo, e em diferentes locais – da exploração agrícola até à mesa nos produtos alimentares, por exemplo. Este mapeamento pode melhorar as estratégias de desenvolvimento de produtos e a optimização da cadeia de abastecimento e, em última análise, obter uma vantagem competitiva mais forte através da atracção distinta do cliente.

Preparem-se para mercados contestáveis. À medida que o olfacto digital começa a descodificar os compostos orgânicos voláteis que contribuem para o nosso sentido de olfacto, introduz a possibilidade de engenharia inversa de muitos aromas conhecidos ou distintos. Tal como as tecnologias digitais estão a baixar os obstáculos de entrada em muitos mercados e a torná-los “contestáveis” com novos produtos, podemos ver algo semelhante com o olfacto digital. Versões copiadas de produtos com aromas distintos ou difíceis de reproduzir – perfumes, vinhos finos, mobiliário, queijos, chás e café, e mesmo fast foods – podem proliferar. As empresas terão de despender esforços para preservar o capital intangível das suas assinaturas olfactivas.

Considerem diversos sentidos. Na vida real, as nossas experiências são formadas a partir de uma gama de sentidos. O olfacto digital será mais poderoso quando combinado com outras tecnologias sensoriais, como realidade virtual e aumentada, háptica, hologramas e sistemas de IA emocional. Os sensores e algoritmos de aprendizagem automática serão essenciais na captura, descodificação e tradução de sinais olfactivos em experiências humanas.

Como explicou Silverman: «Usando pouco mais de 400 receptores olfactivos em funcionamento, é possível diferenciar mais de um bilião de odores diferentes. Isto implica que existe um espaço de alta dimensão que o cérebro humano está a gerar com estes receptores.

Precisamos da aprendizagem automática para desembaraçar estes espaços, e depois precisamos do processamento de linguagem natural para traduzir essas combinações em termos que os humanos entendam – por exemplo, nozes ou torrado. Em última análise, o nosso objectivo é criar uma espécie de dicionário para o sentido do olfacto.»

Antecipem os obstáculos éticos e regulamentares. Apesar da promessa da tecnologia olfactiva, existem desafios técnicos, éticos e regulamentares a ultrapassar.

Uma preocupação particular é o potencial de dependência, uma vez que se desenvolvem desencadeadores olfactivos cada vez mais poderosos; no outro extremo, o excesso de exposição pode levar à dessensibilização de pessoas expostas diariamente a odores poderosos, tal como a música alta tem causado perda de audição para alguns nos sectores do entretenimento ou da hospitalidade. O envolvimento antecipado com as autoridades reguladoras e de saúde será fundamental, tanto para mitigar riscos como para promulgar os efeitos benéficos para a saúde do olfacto digital.

O olfacto é o nosso sentido mais primordial, utilizado pelos nossos antepassados para procurar alimentos, sentir o perigo e detectar doenças. No entanto, continua a ser o mais complexo e menos compreendido de todos os sentidos – os receptores olfactivos humanos só foram identificados em 1991, o que valeu um Prémio Nobel para os cientistas que fizeram a descoberta. Com os avanços no olfacto digital, temos agora a capacidade de descodificar e aproveitar o sentido do olfacto de formas nunca pensadas possíveis.

Para as empresas, o olfacto digital abre muitas oportunidades: novos produtos, serviços e experiências dos consumidores; processos de produção mais rápidos e mais precisos; soluções ambientais e de saúde de baixo custo; e novas formas de alcançar e envolver os consumidores. Haverá também desafios: regulamentação, utilização responsável e novos concorrentes e modelos de negócio. Agora é altura de pensar como o olfacto digital pode ajudar um negócio a captar o cheiro doce do sucesso.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 184 de Julho de 2021

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